Pena reduzida

Delegado e inspetores são condenados por tortura de presos

Autor

17 de março de 2004, 18h51

Pontapés, pauladas, socos, choques elétricos nas orelhas e genitálias, espancamento com colete à prova de balas e ameaça de morte. Essas agressões contra três presos serviram para a Justiça gaúcha condenar um delegado e dois inspetores de Polícia pela prática de crime de tortura. Entretanto, a pena foi reduzida pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul.

Os policiais queriam confissões e informações sobre quadrilha de desmanche de carros. O crime, de acordo com os autos, foi praticado na cidade de Irai, em 4 de junho de 1998. A denúncia foi produzida por comissão especial de promotores de Justiça nomeada pelo procurador-geral de Justiça.

As apelações contra as condenações aplicadas na Comarca de Planalto foram julgadas na Câmara Especial Criminal do TJ gaúcho. O processo tem 3.800 páginas em 19 volumes, um dos mais volumosos em tramitação na seção Criminal do TJ-RS.

As agressões foram cometidas contra três presos, na Delegacia de Polícia. Uma das vítimas foi ameaçada com arma engatilhada contra a cabeça.

As penas aplicadas ao delegado de Polícia Juarez Francisco Mendonça e aos inspetores Sérgio Pedrosa Martirena e Valdecir Versa foram reduzidas pela Câmara. De 16 anos para 5 anos, 7 meses e 6 dias para o delegado; e de 10 anos e 8 meses para 4 anos, 2 meses e 12 dias de reclusão para os inspetores, em regime inicialmente fechado. A diminuição nos totais das penas deu-se por serem considerados crimes cometidos em “continuidade delitiva”. Foi aplicada a Lei Federal nº 9.455/97, que define os crimes de tortura. A conseqüência das condenações é a perda dos cargos públicos pelos funcionários, segundo o art. 1º, II, § 5º da mesma lei.

As denúncias por abuso de autoridade não chegaram a ser analisadas pela “prescrição da pretensão punitiva do Estado”, conforme a sentença do juiz de Direito Gilberto Pinto Fontoura, de Planalto. A decisão data de 7/4/03, 6º aniversário da lei que combate à tortura, como lembrado pelo magistrado.

Os três apelaram da condenação ao TJ gaúcho. A desembargadora Fabianne Breton Baisch lembrou que houve coerência e uniformidade nos relatos das três vítimas, nas três oportunidades em que foram inquiridas, na Promotoria de Justiça, na Polícia e em Juízo.

Ela registrou que “todos os presos dizem que apanham da polícia”, situação que na maioria das vezes sequer é questionada pelo Poder Judiciário, que parte da presunção de legalidade e legitimidade dos atos policiais. “No caso, a palavra dos ofendidos merece plena credibilidade, porquanto suas declarações, além de plenamente coerentes entre si e revelando nítidos traços da realidade, com relatos embargados de emoção. A conduta praticada repercutiu no dia seguinte, quando suas conseqüências foram presenciadas pelas advogadas, juíza de Direito e promotor de Justiça na comarca”, afirmou.

“Não se pode presumir que as advogadas das vítimas, com o convincente arsenal probatório constante dos autos, a indicar o cometimento do crime, tenham simulado a situação, como estratégia de defesa”, afirmou.

“Em verdade”, considerou a desembargadora, “as vítimas foram detidas ilegalmente, haja vista a ausência de mandado de prisão e ante a inexistência de auto de prisão em flagrante. E mais, foram impedidas, durante bom tempo, de contatarem com seus defensores.”

Para a relatora, “a prova colhida demonstrou que o comportamento dos acusados revela crueldade, violência desmesurada e que a intenção dos mesmos era efetivamente impingir sofrimento às vítimas, vê-las padecer até o fornecimento das informações, para obter sucesso e honrarias ao desvendar a quadrilha”. Com isto, foi plenamente configurado o delito de tortura, declarou, “resultando em lesões e sofrimento psíquico, afora a dor que não deixou vestígios, infringindo preceito constitucional básico da dignidade da pessoa humana e os direitos fundamentais do cidadão”.

Segundo ela, “a conduta violenta não foi causada pela simples repressão ao crime, mas pelo prazer do sofrimento alheio, com o cuidado de produzir o mínimo possível de marcas, assegurando a impunidade dos agentes”.

Ao analisar a aplicação das penas, a desembargadora entendeu haver “continuidade delitiva”, pois os crimes cometidos foram idênticos, nas mesmas condições de tempo e maneira de execução. Em conseqüência, aplicou penas menores aos três acusados.

O desembargador Marco Antonio Barbosa Leal, que presidiu a sessão de julgamento, e a juíza convocada Vanderlei Teresinha Treméia Kubiak votaram acompanhando a relatora. (TJ-RS)

Processo nº 70006686166

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!