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Novo Código Civil permite venda de bens particulares de sócios

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17 de março de 2004, 16h57

* Texto do verbete “Doutrina do superamento da personalidade jurídica” — Enciclopédia Jurídica Soibelman, cuja versão em CD-ROM pode ser adquirida no site www.elfez.com.br.

No direito alienígena chamada de “Disregard of legal entity”. Também denominada como doutrina da penetração. Doutrina que sustenta a responsabilidade ultra vires dos sócios quando se constitui fraudulentamente uma pessoa jurídica para impedir execução no patrimônio individual, quando há desvio de finalidade ou confusão patrimonial entre sócios e sociedade.

Sua origem remonta à justiça inglesa, no caso Salomon vs. Salomon & Cia., quando, em 1887 o empresário Aaron Salomon, cedendo seu fundo de comércio (V. estabelecimento e aviamento) constituiu uma Cia. com 20.000 ações representativas, em seu nome e apenas uma ação para cada um dos outros seis sócios (a lei exigia sete sócios para formação da mesma); ficando insolvente os credores alegaram que em verdade era Aaron Salomon quem atuava sendo a Cia. tão somente um biombo legal pelo qual o seu patrimônio pessoal ficava a salvo.

O argumento foi acolhido em primeira instância, mas finalmente reformado na instância superior, que entendeu que a sociedade tinha sido validamente constituída. Não obstante, o caso ganhou repercussão, assentando-se assim os fundamentos da doutrina.

Não se trata de negar a existência da pessoa jurídica, mas de desconsiderá-la em específicos casos para impedir a fraude e o abuso do direito (V.) quebrantando parcialmente o princípio de que o patrimônio da sociedade é distinto da pessoa dos sócios, como dispunha o Código Civil de 1916 no seu artigo 20. A sua aplicação já vinha se positivando de modo esparso em dispositivos legais de caráter especial, como, por exemplo, os seguintes dispositivos:

a) Código de Proteção ao Consumidor – lei 8.078, de 11.09.1990 – determina no seu artigo 28, que o juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social e que a desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração; declara também o referido artigo no seu parágrafo 5º que poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores;

b) A lei 8.884 de 11.06.1994 – no seu artigo 18, determina que a personalidade jurídica do responsável por infração da ordem econômica poderá ser desconsiderada quando houver da parte deste abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração;

c) Código Tributário Nacional – no art. 135 determina que os sócios (referência do inciso I ao artigo 134) são pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos;

d) CLT – determina no artigo 2º, § 2º que sempre que uma ou mais empresas, tendo embora, cada uma delas, personalidade jurídica própria, estiverem sob a direção, controle ou administração de outra constituindo grupo industrial, comercial ou de qualquer outra atividade econômica, serão, para os efeitos da relação de emprego, solidariamente responsáveis a empresa principal e cada uma das subordinadas.

Finalmente o Novo Código Civil cristalizou o entendimento através do artigo 50 ao prescrever que: “Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica”.

A sua inserção no Novo Código Civil consagra um paradigma, posto se tratar da lei que regra a constituição e formação mesma da personalidade jurídica. Como o novel instituto é recente e tomando-se em conta que mesmo com as notáveis disposições legais retrocitadas ainda era hesitante a sua adoção pelo pretório, certamente ensejará muita controvérsia, mormente pela porção eqüitativa que o juízo concentrará, a par da objetividade do texto legal.

No Brasil é grande o número de empresas meramente escriturais, sem ativos financeiros ou patrimônio algum, mas que servem a escudar o patrimônio pessoal dos sócios, que em nome da sociedade agem impunemente quanto ao eventual prejuízo causado pela a terceiros. Os magistrados possuem agora, no artigo 50 do NCC, um excelente instrumento para coibir tal conduta.

É próprio registrar o entendimento apurado na Jornada de direito Civil, realizada pelo Conselho da Justiça Federal, sob a coordenação científica do Ministro Ruy Rosado, do STJ, que aprovou o seguinte enunciado, de número 7: “Só se aplica a desconsideração da personalidade jurídica quando houver a prática de ato irregular, e limitadamente, aos administradores ou sócios que nela hajam incorrido.”

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