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Lei que limita atuação de área de taxistas em SP é suspensa

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16 de março de 2004, 20h29

O presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, desembargador Luiz Tâmbara, concedeu liminar suspendendo a eficácia da lei municipal de Guarulhos que impede taxistas de outros municípios de transportar passageiros no aeroporto de Cumbica.

A ação direta de inconstitucionalidade foi proposta pelo procurador-geral de Justiça, Luiz Antonio Marrey.

Leia trechos do pedido de Marrey:

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo

O PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO, no exercício da atribuição prevista no art. 116, inciso VI, da Lei Complementar Estadual n.º 734, de 26 de novembro de 1993, e em conformidade com o disposto nos arts. 125, § 2.º, e 129, inciso IV, da Constituição Federal, e art. 74, inciso VI, e 90, inciso III, da Carta Estadual, com base nos elementos de convicção existentes no incluso protocolado (PGJ n.º 39.023/03), vem diante desse Egrégio Tribunal de Justiça propor a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em relação ao artigo 12 da Lei n.º 3.972, de 25 de novembro de 1991, que alterou a redação do art. 20 (renumerado para art. 23, pelo artigo 4.º, da Lei n.º 4.200, de 29 de dezembro de 1992), da Lei n.º 2.433, de 16 de dezembro de 1980 (nas figuras contactar, combinar, aceitar etc), do Município de Guarulhos, pelos motivos a seguir expostos.

1. A Lei n.º 2.433, de 16 de dezembro de 1980, — anterior à Constituição o Estado — em sua redação originária, previa em seu artigo 20 o seguinte:

“Art. 20 – É vedado, nos limites do Município de Guarulhos, aos permissionários de Alvará de TAXI de outras cidades, angariar passageiros, permitindo-se, tão somente, o desembarque dos transportados de outras localidades.

Parágrafo único. Aos infratores do artigo será imposta multa de cinqüenta por cento do valor-padrão-referência, atualizado, previsto no Artigo 2.º, da Lei n.º 6.205, de 129 de abril de 1975, os quais terão o veículo apreendido para a efetividade da pena. “

Entretanto, com as alterações havidas pelo artigo 12, da Lei n.º 3.972, de 25 de novembro de 1991, e 4.º da Lei n.º 4.200, de 1992 (esta última mera renumeração de artigos), posteriores à Constituição do Estado, passou a redação a ser a seguinte:

“Art. 23. É vedado, dentro dos limites do Município de Guarulhos, aos permissionários de alvarás de “TÁXI” de outras cidades e “veículos particulares”, angariar, arrastar, aliciar, contactar, combinar, aceitar etc, passageiros, permitindo-se tão somente o desembarque dos transportados de outras localidades.

§ 1° Ao infrator será imposta a multa no valor correspondente a 25 (vinte e cinco) UFMG, ou fator oficial que venha a substituí-la, cobrados de uma só vez, e nas reincidências dobrar-se-á sempre o valor da última pena aplicada ao infrator, o qual terá seu veículo apreendido para efetividade da pena, acrescentando-se, ainda, o valor referente às diárias (estadia – depósito de bem).

§ 2° A liberação do veículo só se dará por requerimento do interessado que deverá provar sua propriedade e após o recolhimento da multa e da taxa de depósito de bens móveis.

§ 3° Os permissionários do serviço de táxi do Município, que angariarem passageiros nas dependências do Aeroporto Internacional de Guarulhos/São Paulo ficarão sujeitos às penalidades previstas no artigo 21 desta Lei. “

2. Os três verbos iniciais do referido artigo têm significação similar, mas a dos três últimos é bastante diversa, segundo o Aurélio Eletrônico (www1.uol.com.br/aurelio/) – conforme texto anexo.

Referido preceptivo legal é verticalmente incompatível com a Constituição do Estado de São Paulo; houve afronta aos artigos 111 e 144, da Constituição do Estado de São Paulo, com as seguintes disposições:

‘Art. 111 – A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação e interesse público.

Art. 144 – Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto organizarão por Lei Orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição.’

2. O referido artigo de lei, com as alterações posteriores à Constituição do Estado, criou situação de privilégio para poucos autorizatários dos serviços de táxi junto ao Aeroporto Internacional de S. Paulo, que se situa, circunstancialmente, no Município de Guarulhos, impedindo que passageiros que ali desembarcam possam chamar (contatar) o profissional taxista de sua preferência, de sua confiança, ou de seu Município, ou que taxistas de outros municípios dirijam-se ao local para efetuar o transporte de pessoas que previamente lhes hajam solicitado o serviço.

Houve flagrante violação à impessoalidade, faceta do princípio da isonomia, pelo qual a Administração deve tratar a todos os administrados sem discriminações, benéficas ou detrimentosas. Nem favoritismos nem perseguições são toleráveis; simpatias ou animosidades pessoais, políticas ou ideológicas não podem interferir na atuação administrativa e muito menos interesses sectários, de facções ou grupos de qualquer espécie (Cf. CELSO ANTONIO BANDEIRA DE MELLO, “Elementos de Direito Administrativo”, RT, 2.ª ed., p. 69).

Tem-se, neste caso, que a Câmara Municipal de Guarulhos votou e aprovou — após a promulgação da Constituição do Estado — projeto de lei que beneficia alguns autorizatários (e algumas cooperativas) do serviço de taxi, e impede a grande maioria de taxistas do Estado de exercer plenamente o seu trabalho; ao vedar, outrossim, de maneira inconstitucional, que os passageiros que desembarcam em Guarulhos possam escolher o serviço de taxi de sua preferência, desrespeitando os direitos dos consumidores.

Malferida a impessoalidade eis que a norma aprovada tem destinatários certos, criando privilégios em favor de alguns em detrimento dos demais e da coletividade, apesar de, juridicamente, todos se encontrarem num mesmo plano de igualdade.

Para CELSO ANTONIO BANDEIRA DE MELLO, as diferenças de tratamento só se justificam perante fatos e situações diferentes. E continua, afirmando que o tempo não está nos fatos ou acontecimentos, logo, sob este ângulo, fatos e acontecimentos em nada se diferenciam. Deveras: são os fatos e acontecimentos que estão alojados no tempo e não o inverso. Portanto, nessa linha de raciocínio, não pode a lei, sob pena de afrontar a igualdade, eleger o tempo como fator de discriminação entre as pessoas a fim de lhes dar tratamentos diferentes.

Claro que a atuação administrativa que procure aplicar a referida lei inconstitucional lesa a moralidade e também não se antevê atendimento ao interesse público, ao impedir que taxistas do Estado de S. Paulo aproximem-se do Aeroporto Internacional, reservando-se trabalho a uma cooperativa ou alguns poucos taxistas. Mas também a própria lei não atenta para a finalidade pública ou o interesse público.

5. Há mais. A própria Lei n.º 2.433, de 16 de dezembro de 1980 prevê em seu artigo 1.º que: “O transporte individualizado de passageiros em veículo de aluguem provido de taxímetro, por constituir serviço de utilidade pública, somente poderá ser executado mediante prévia autorização da Prefeitura Municipal de Guarulhos (…)”

6. Ao impedir a lei que motoristas de taxi de outros locais tenham contato com passageiros, ou simplesmente aceitem corridas (contactar, combinar, aceitar etc) estabeleceu benefícios inconstitucionais, violando o artigo 111 da Constituição do Estado.

É razoável impedir que detentores de autorizações de outros municípios, ou mesmo de Guarulhos mas que não no Aeroporto Internacional, possam aliciar, angariar ou arrastar passageiros, que normalmente dirigem-se aos veículos de aluguel cujas autorizações são para trabalhar no Aeroporto. Mas não é razoável ou lógico que a lei local impeça motoristas, e implicitamente consumidores dos serviços de táxi, de simplesmente contatar, aceitar ou combinar uma corrida, estando os mesmos no local ou sejam chamados pelos consumidores pelos meios de comunicação disponíveis. Não pode haver uma reserva absoluta para os detentores de autorização que trabalham no Aeroporto Internacional de S. Paulo, frise-se, que não é próprio do Município de Guarulhos.

7. Por outro lado, ocorre a interpretação conforme a Constituição quando um texto legislativo permitir várias interpretações, sendo que alguns dessas são compatíveis com a Constituição e outras não. Proposta a ação, a Corte poderá declarar a constitucionalidade da lei, em um sentido claro e evidente, explicitando-o, vedada a interpretação diversa, que então tornaria o texto inconstitucional; a interpretação do STF que deve, então, ser seguida pelos demais aplicadores da lei, sendo inconstitucionais os demais sentidos.

Requer-se, assim, seja dado ao art. 23 da Lei n.º 2.433, de 16 de dezembro de 1980, com a redação dada pelos artigos 12 da Lei n.º 3.972, de 25 de novembro de 1991, e 4.º da Lei n.º 4.200, de 29 de dezembro de 1992, interpretação conforme a Constituição, para que o trecho da norma que permanece constitucional (ou seja, os verbos angariar, arrastar e aliciar) seja interpretado a não impedir taxistas de outros Municípios ou mesmo de Guarulhos (e até veículos particulares), de transportarem ou embarcarem passageiros no Aeroporto Internacional, bem como levá-los ao seu destino (ida e volta), sempre que for da conveniência dos consumidores-passageiros, sem qualquer constrangimento.

8. DA SUSPENSÃO LIMINAR

Tendo em vista que tem havido apreensões de veículos nas vias estaduais, impedindo o trabalho de muitos, bem assim turbando o direito dos consumidores dos serviços de transporte, além do incômodo causado, necessária a liminar. Quando se trata do controle normativo abstrato e desde que haja a cumulativa satisfação dos requisitos concernentes ao fumus boni juris e ao periculum in mora, o poder geral de cautela autoriza a suspensão de eficácia de dispositivos legais impugnados, até o advento da decisão final.

Neste caso, tais requisitos se fazem presentes, de modo que está translúcida a conveniência de sustar, provisoriamente, a eficácia dos dispositivos questionados. De resto, ainda que não houvesse essa singular situação de risco, restaria, ao menos, a excepcional conveniência da medida. Com efeito, no contexto das ações diretas e da outorga de provimentos cautelares para defesa da Constituição, o juízo de conveniência é um critério relevante, que vem condicionando os pronunciamentos mais recentes do Supremo Tribunal Federal, preordenados à suspensão liminar de leis aparentemente inconstitucionais (cf. ADIN-MC 125, j. 15.2.90, DJU de 4.5.90, p. 3.693, rel. Min. Celso de Mello; ADIN-MC 568, RTJ 138/64; ADIN-MC 493, RTJ 142/52; ADIN-MC 540, DJU de 25.9.92, p. 16.182). É o que se requer.

9. Em face do exposto, requeiro a Vossa Excelência seja determinado o processamento da presente ação, colhendo-se as informações pertinentes do Prefeito Municipal e da Câmara de Vereadores do Município de Guarulhos, sobre as quais me manifestarei oportunamente, vindo, ao final:

a) ser proclamada a inconstitucionalidade do indigitado preceptivo legal, artigo 12 da Lei n.º 3.972, de 25 de novembro de 1991, que alterou a redação do art. 20 (renumerado para art. 23, pelo 4.º da Lei n.º 4.200, de 29 de dezembro de 1992), da Lei n.º 2.433, de 16 de dezembro de 1980, nas figuras contactar, combinar, aceitar etc, do Município de Guarulhos, determinando-se a adoção das providências necessárias à sua expulsão do ordenamento jurídico, e suspensão definitiva dos efeitos de sua execução; e

b) com interpretação conforme a Constituição aos verbos restantes do referido artigo (angariar, arrastar e aliciar) sejam interpretados a não impedir taxistas de outros Municípios ou mesmo de Guarulhos (e até veículos particulares), de transportarem ou embarcarem passageiros no Aeroporto Internacional, eventualmente, bem como levá-los ao seu destino (ida e volta), sempre que for da conveniência dos consumidores-passageiros, sem qualquer constrangimento.

São Paulo, 03 de março de 2004.

LUIZ ANTONIO GUIMARÃES MARREY

Procurador-Geral de Justiça

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