Balanço geral

Comunidade jurídica faz balanço da reforma do Judiciário

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10 de março de 2004, 12h00

O presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), Nicolao Dino, lamentou o fato de a lista tríplice — para escolha do procurador-geral da República — não ter entrado no relatório do senador José Jorge (PFL-PE). O relatório foi apresentado na manhã desta quarta-feira (10/3) no Senado.

“O Executivo ainda vai continuar com o monopólio da indicação”, disse Dino, que esteve na redação da revista Consultor Jurídico nesta quarta-feira. Ele considerou positiva a possibilidade de apenas uma recondução ao cargo para a PGR. “Mas faltou incluir a lista tríplice”, disse.

Dino não considerou as regras do artigo 4º um descompasso. O Art. 4º prevê: “O Conselho Nacional de Justiça e o Conselho Nacional do Ministério Público serão instalados no prazo de cento e oitenta dias a contar da promulgação desta Emenda, devendo a indicação e escolha de seus membros ser efetuada até trinta dias antes do termo final.

Parágrafo 1º Não efetuadas as indicações e escolha dos nomes para os Conselhos Nacional de Justiça e do Ministério Público dentro do prazo fixado no caput deste artigo, caberá ao Supremo Tribunal Federal realizá-las”.

O presidente da ANPR lembrou que a Constituição Federal assegura autonomia administrativa. “Esse ponto precisa ser ajustado”, afirmou.

Ele considerou positiva a iniciativa de criação do Conselho Nacional para o Ministério Público. A defesa do controle externo já é consenso na ANPR.

“Meia-reforma”

O presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, Roberto Busato, afirmou que “a cidadania brasileira esperava um avanço maior em relação à reforma do Judiciário. Para Busato, o relatório acaba por propor “uma meia-reforma num País que continua vivendo de meias-medidas”.

De qualquer modo, Busato disse que o relatório do senador não surpreende a OAB, da mesma forma que não a satisfaz. Em relação à súmula vinculante, instrumento que vincula as decisões dos juízes e tribunais inferiores às tomadas pelos tribunais superiores, observou que a OAB continuará se posicionando contrariamente à sua adoção.

“A súmula vinculante é um engessamento ao Poder Judiciário num país com as dimensões continentais e as diferenças sociais que tem o Brasil, e era de se esperar que não prevalecesse entre nós”, sustentou.

Com relação ao órgão de controle externo do Judiciário proposto na reforma — ao qual o senador não dá poderes para punição disciplinar a juízes comprovadamente envolvidos em irregularidades –, o presidente da OAB disse que “o relator perdeu uma grande chance de conferir um controle efetivo aos desmandos que estão acontecendo nessa área”. Ele acrescentou que “o fato é que os controles internos existentes não estão mais respondendo aos anseios da cidadania brasileira, até porque não controlam em nada os desmandos no Judiciário”.

Quanto à admissão da quarentena de saída para os membros do Poder Judiciário, mecanismo pelo qual os magistrados terão de fiar determinado tempo sem exercer a advocacia quando deixam a função judicante, Roberto Busato considera que houve algum avanço no relatório. Mas lembrou que a OAB defende também a chamada quarentena de entrada, pela qual os integrantes de altos postos do executivo como Advocacia-Geral e Procuradoria-Geral da República, entre outros, além da própria direção da OAB, não podem entrar na magistratura por determinado período após deixar aqueles postos.

Ele lembrou, ainda, que nessa área a OAB deu um exemplo na última terça-feira, durante reunião de seu Conselho Federal, quando aprovou medida proibindo que seus integrantes, no exercício do mandato, postulem participação em listas do quinto constitucional, que incluem as candidaturas e juizes e ministros de tribunais da Justiça. “Ao defender a quarentena da entrada para quem detém mandato na entidade, a OAB cortou na própria carne”, salientou o presidente da entidade.

Reforma do Judiciário ainda é tímida

O presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), Grijalbo Coutinho, considerou tímido o relatório do senador José Jorge. “É evidente que está não é a reforma almejada pela sociedade brasileira”, afirmou ao ressaltar a necessidade da reforma trazer medidas que visem a democracia e a aproximação do Judiciário com a sociedade.

Pontos negativos

Controle Externo – Os juízes da Anamatra consideram como um dos pontos negativos do relatório do senador José Jorge a manutenção do texto vindo da Câmara do Deputados que cria o Conselho Nacional de Justiça como um órgão que atende apenas às cúpulas dos tribunais, estando a sociedade civil representada de maneira inexpressiva, cujas competências são estritamente disciplinar.

“Não é hora de fazer experiências com um arremedo de Conselho Nacional de Justiça”, critica Coutinho ao explicar que os juízes do trabalho defendem que o Conselho seja o órgão de governo do Poder Judiciário, tendo como primado a independência do juiz no exercício da função jurisdicional, composto de maneira democrática por juízes eleitos pela categoria e por representantes da sociedade civil escolhidos pelo Congresso Nacional. Dentre outras atribuições, compete-lhe formular as políticas estratégicas para o Poder Judiciário.


“Neste ponto a única decisão positiva do senador foi retirar da competência do Conselho Nacional de Justiça a possibilidade de perda do cargo do magistrado, que está reservada à decisão judicial transitada em julgado, proposta amplamente defendida pela Anamatra. Caso contrário, representaria a quebra da vitaliciedade, garantia da sociedade contra eventuais atos de retaliação em desfavor do magistrado independente”, complementa Coutinho.

Súmula vinculante – Outro fator negativo é a instituição da súmula vinculante para o Supremo Tribunal Federal. Para os juízes tal medida atenta contra a independência do magistrado, promovendo o engessamento da jurisprudência e não resolvendo o problema da morosidade do Poder Judiciário. Na verdade, os juízes defendem a adoção da súmula impeditiva de recursos tanto para o STF como para os Tribunais Superiores e no relatório a medida está destinada apenas para os Tribunais Superiores.

Pontos positivos

Competência – Os juízes do trabalho comemoraram a manutenção do texto da reforma do Judiciário que trata da ampliação da competência da Justiça do Trabalho para abranger todas as demandas oriundas da relação de trabalho. Com isso caberá a Justiça do Trabalho, dentre outras matérias, julgar habeas corpus, penalidades administrativas e ações relativas a representação sindical.

Porém, ainda continuam trabalhando para trazer para sua competência as ações trabalhistas dos servidores públicos estatutários, ações previdenciárias, acidente de trabalho, doenças profissionais e infrações penais praticadas contra a organização do trabalho.

Coutinho considera que mesmo não atendendo todos os anseios dos juízes do trabalho, tal fato representa uma importante conquista, expressando o resultado do intenso trabalho que a Anamatra vem realizando desde o início do andamento da reforma. Deve ser ressaltado que pelo texto do relator e através de emenda de redação, apenas os servidores públicos estatutários estão fora do alcance da Justiça do Trabalho.

O artigo 115 do texto em discussão está no rol das matérias que podem ser promulgadas imediatamente, após a votação pelo Senado, não retornando, pois, à Câmara dos Deputados.

Número de ministros do TST – Outro ponto que vem diretamente ao encontro do que os juízes do trabalho pleiteavam é o aumento do número de ministros do Tribunal Superior do Trabalho (TST) para 27. “Há cinco anos o TST convoca reiteradamente 10 juízes dos Tribunais Regionais do Trabalho (TRT), que, na prática, desempenham o cargo de ministro, mas sem as prerrogativas da função. Ou seja, há uma divisão de trabalho sem a divisão de poder”, explica Coutinho. “Tal medida é salutar para a renovação da Corte e para o enfrentamento do acúmulo de processos”, complementa.

Quarentena – Os juízes também consideram a quarentena, para o ingresso na magistratura e para o exercício da advocacia após a aposentadoria, outro ponto positivo do relatório.

Aposentadoria compulsória – O presidente da Anamatra aprovou a medida de manter a idade de 70 anos para a aposentadoria compulsória. De acordo com ele, a proposta de aumento para 75 anos provocaria o engessamento do Poder Judiciário, principalmente no que diz respeitos à jurisprudência, interessando apenas à parcela minoritária do Poder Judiciário.

Defensoria Pública – Coutinho parabenizou o relator José Jorge pela decisão de fortalecer e dar autonomia às defensorias públicas. Acredita, no entanto,que para se viabilizar de fato o acesso à Justiça, é necessário o estabelecimento de uma ampla discussão em torno da racionalidade do sistema de custas e despesas processuais, inclusive a gratuidade e a forma de exploração dos cartórios por particulares.

Nepotismo – O presidente da Anamatra também ressaltou a importante medida de vedar a nomeação de parentes até o terceiro grau, bandeira antiga da Anamatra.

Deficiências do relatório

O presidente da Anamatra ainda faz uma avaliação dos pontos que não constam no relatório, mas que na opinião dos juízes do trabalho são medidas indispensáveis para uma verdadeira reforma Judiciária. São eles:

Nomeação de juízes para os tribunais de segunda instância. Hoje a nomeação cabe apenas ao Presidente da República, mediante lista tríplice elaborada pelo tribunal. Os juízes do trabalho sabem que o Chefe do Executivo não tem elementos para aferir o merecimento de magistrados na carreira. Sendo assim, tais nomeações acabam sendo políticas. Para reverter este quadro, a Anamatra defende que estas nomeações sejam feitas pelo próprio Tribunal ou pelo Conselho Nacional de Justiça, a partir de listas tríplices elaboradas através de eleição da qual participem todos os juízes.

Eleição de metade do Órgão Especial dos tribunais como forma de desconcentrar poder das cúpulas.


Alteração do modo de escolha do procurador-geral da República mediante a elaboração de lista tríplice indicada pelo conjunto dos procuradores.

Na regras de acesso aos tribunais de segunda instância, pelo critério de merecimento, somente os juízes que integram a primeira quinta parte mais antiga, podem concorrer à promoção.

Alteração da forma de indicação dos ministros do Supremo Tribunal Federal. Hoje a escolha dos ministros cabe exclusivamente ao Presidente da República, mas os juízes pretendem democratizar os critérios para dar mais legitimidade social ao selecionado para o cargo.

Mudança na forma de escolha dos ministros dos tribunais superiores, cuja atribuição deve ser do Conselho Nacional de Justiça.

Extinção do acesso lateral à carreira da magistratura, inclusive o denominado quinto constitucional.

Valorização do concurso público como único meio para ingresso na carreira.

Eleições diretas para dirigentes de tribunais, ampliando-se o colégio eleitoral para admitir a participação de todos os magistrados vitalícios, como forma de estabelecer democracia interna no Poder Judiciário.

Fim das sessões secretas, administrativas e judiciais como uma medida de democratização e transparência do Poder Judiciário.

Fundamentação de todas as decisões para dar maior transparência e democratizar o Poder, aperfeiçoando suas instituições.

Criação do Orçamento Participativo em todos os Tribunais, ouvindo-se todos os interessados nos processos de eleição das prioridades e acompanhando sua respectiva execução.

Para a Ajufe, houve avanço

O presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), juiz Paulo Sérgio Domingues, avaliou como positivo o relatório. “O texto proposto traz diversos avanços para o aperfeiçoamento e agilização da Justiça Federal brasileira”, elogiou Paulo Sérgio. “Estamos muito satisfeitos e esperamos, agora, que esses pontos positivos sejam votados com rapidez, mas sempre com o debate aprofundado que o tema merece”. Para a Ajufe, os principais avanços ocorreram nas áreas de:

1) Direitos Humanos

· Os Tratados e convenções internacionais sobre o tema, se aprovados por três quintos do Congresso serão incorporados automaticamente à Constituição. Isso, entende a AJUFE, é uma revolução, pois incorpora à norma superior do país o que atualmente tem força de simples lei ordinária.

· Federalização da competência para julgar crimes contra os Direitos Humanos – é uma das principais reivindicações da AJUFE, que considera fundamental a definição porque reitera o compromisso da União na apuração de casos de violação a direitos humanos. O Brasil pode ser responsabilizado perante tribunais internacionais se não houver apuração desses crimes, e é necessário haver mecanismos para que a União aja, especialmente nas situações em que o poder político local se omita . Daí ser mais adequado que a Justiça da União, que é a Justiça Federal, julgue tais casos.

“A soma dessas duas propostas reforça a proteção aos Direitos Humanos no Brasil e amplia os mecanismos institucionais para sua defesa”, avalia Paulo Sérgio.

2) Agilização da Justiça

· O parecer acertou ao prever a Súmula Impeditiva de Recursos para o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e Tribunal Superior do Trabalho (TST). É um mecanismo que, sem engessar excessivamente o conteúdo das decisões judiciais e, por conseqüência, a construção da Jurisprudência pelas várias instâncias, é eficaz para combater os recursos protelatórios que congestionam a Justiça atualmente – especialmente por parte do Poder Público.

· Títulos Sentenciais – o parecer extingue os Precatórios e cria os Títulos Sentenciais para as ações de natureza alimentícia na Justiça Federal, que prevêem o pagamento no prazo de 120 dias. Como essas são ações que envolvem a discussão de salários, vencimentos, proventos, pensões, aposentadorias e indenizações por morte, a novidade é de suma importância para garantir o pagamento rápido por parte do governo.

3) Gestão do Judiciário

O parecer foi correto ao manter a criação do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público, o primeiro com uma composição democrática, ou seja, com magistrados de todas as instâncias e não somente dos órgãos de cúpula. A AJUFE entende que o Conselho Nacional de Justiça poderá aprimorar a administração do Judiciário e dotá-la de um padrão uniforme no âmbito nacional, hoje inexistente, além de garantir que projetos novos que visam modernizar o Poder sejam mais rapidamente implantados. A entidade apenas lamenta que o relator não tenha aceito proposta para que os juízes que fazem parte do Conselho sejam escolhidos por eleição direta de toda a categoria, como é em Portugal e Itália, e não apenas por membros dos Tribunais. A AJUFE destaca ainda que os dois Conselhos poderão ser bons instrumentos para o aperfeiçoamento da apuração de eventuais denúncias.

4) Justiça Eleitoral

A Justiça Eleitoral é uma Justiça da União. O parecer de José Jorge propõe uma composição dos Tribunais Regionais Eleitorais (TRE’s) mais compatível com o regime federativo ao ampliar a presença de juízes federais, de um para dois, em cada Estado. Isso possibilitará o reforço da presença da União, mais distante de questões políticas locais.

5) Pontos do Parecer a serem corrigidos

· Os Títulos Sentenciais para os créditos de natureza não alimentícia (como, por exemplo, os de micro e pequenas empresas que ganham ações contra o governo) terão prazo de pagamento de cinco anos, que a AJUFE considera excessivo. Para a entidade, o prazo precisa ser reduzido na votação da PEC, a fim de evitar lesão aos credores do governo.

· O parecer errou ao criar Foros Especiais (prerrogativas de função) em matéria criminal, ação Popular, ação Civil Pública e em ações sobre Improbidade Administrativa. Para a AJUFE, a medida concentra competências nos órgãos de cúpula, que já estão sobrecarregados, e torna ainda mais morosa a ação do Judiciário nesses casos, pois os tribunais, criados originalmente para julgar recursos, não têm em geral estrutura para instruir processos desde o início. (Com informações da OAB, da Ajufe e da Anamatra)

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