'Corrupção Zero'

Busato prega 'Corrupção Zero' em cerimônia de posse na OAB-SP

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10 de março de 2004, 11h52

O presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, Roberto Busato, ao discursar nesta quarta-feira (10/3) na cerimônia de posse do novo presidente da Seccional da OAB de São Paulo, Luiz Flávio D’Urso, fez um apelo ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva “no sentido de atender o quanto antes ao clamor nacional por mudanças, para que o desengano não se transforme em desespero”.

Roberto Busato destacou a necessidade de se sanear moralmente as instituições públicas brasileiras e reacreditá-las perante a população. “Mais importante do que o Fome Zero é a Corrupção Zero, pois esta reestrutura moralmente o País e favorece, entre outras coisas, o equilíbrio de suas finanças”, afirmou.

Ele voltou a pedir rigor na apuração das denúncias envolvendo o ex-assessor da Presidência da República, Waldomiro Diniz, sem que isso conduza à paralisação do País.

Leia o discurso de Busato

Senhoras e senhores, autoridades presentes.

É com muita honra que me dirijo a esta Seccional de São Paulo e aos advogados deste Estado, berço da Independência e do civismo, palco de algumas das mais belas e exemplares páginas da História do Brasil. Sendo também a OAB instituição forjada em lutas em defesa da Pátria e da cidadania, identifica-se plenamente com as mais altas tradições cívicas de São Paulo.

Inspira-me, ainda, nesta homenagem aos paulistas e as faço hoje por meio dos ilustres colegas Luiz Flávio Borges D’Urso e Márcia Regina Machado Melaré, que tenho a honra de empossar nesta cerimônia respectivamente como presidente e vice-presidente desta Seccional de São Paulo *, inspira-me, repito, o ideário de resistência, de luta contra o arbítrio e as injustiças, de defesa da cidadania e em favor da paz, do trabalho e da prosperidade.

Este é também o ideário da OAB desde sua fundação, há 74 anos. Somos bem mais que uma instituição classista, pois estamos estatutariamente comprometidos com a defesa da Constituição, da ordem jurídica do Estado democrático de Direito, dos direitos humanos e da Justiça Social.

Esse compromisso abrange ainda a luta pela boa aplicação das leis, rápida administração da Justiça e aperfeiçoamento da cultura e das instituições jurídicas. É um compromisso singular, que nos distingue entre as demais instituições classistas do país e nos torna, sem embargo de nossos deveres corporativos, uma tribuna a serviço da sociedade civil brasileira.

Esta tribuna foi acionada por diversas vezes ao longo de nossa história republicana e foi instância decisiva nas recentes conquistas da redemocratização e restabelecimento do poder civil.

Tenho dito, por onde passo, que essa condição singular de que a Ordem desfruta nos coloca sistematicamente diante de delicados desafios. Temos que nos manifestar politicamente, mas sem partidarismos ou sectarismos. Nossa ideologia é a cidadania.

Temos que nos posicionar diante de atos do governo, mas sem descambar quer para o oposicionismo fácil, quer para o adesismo. Precisamos trazer sempre ao debate político uma palavra de ponderação, de equilíbrio, sem que isso nos impeça de ser duros e críticos quando o momento o exigir, ou de ser reconhecidos diante dos acertos.

Os recentes acontecimentos na ordem do dia do noticiário político nacional estão, por exemplo, a exigir de nossa entidade um posicionamento firme, sob pena de comprometermos o papel institucional a que me referi.

Falo das denúncias que dão conta de tráfico de influência e pagamentos de propinas a um ex-assessor do governo federal, que tinha assento na Casa Civil da Presidência da República, na intimidade do Palácio do Planalto.

Denúncias graves, que atingem o governo como um todo, fragilizando-o perante a nação. E um governo frágil não é bom para o país. A OAB não acusa nem incrimina ninguém. Apenas junta sua voz à dos que exigem investigação profunda, transparente e justa dos fatos constantes da mídia, para que o Brasil, em mais uma demonstração de maturidade política, possa continuar sendo passado a limpo, sem que isso provoque transtornos à sua governabilidade.

Alinho-me entre os que repudiam a tese de que a luta contra a corrupção, em qualquer instância em que se dê, dentro ou fora do Congresso, ameaça a estabilidade institucional ou gera prejuízos à economia. O país só tem a ganhar lutando contra ações predadoras ao interesse público.

É inconcebível que um escândalo político, seja lá de que calibre for, paralise as instituições e provoque a angustiante sensação de vazio de poder. Se assim fosse, o crime compensaria e teríamos que considerar a luta contra a corrupção uma causa perdida para a democracia. Precisamos acabar com essa balela!

A luta contra a corrupção é premissa básica na retomada do desenvolvimento econômico, social e moral. Quanto mais nos mostrarmos implacáveis com o crime * sobretudo o do colarinho branco *, mais credibilidade teremos diante dos investidores, internos e externos. O País precisa avançar na luta pelo aperfeiçoamento de suas instituições públicas. E isso pressupõe, antes de tudo, a luta inclemente contra a corrupção.


Se nós, da OAB, clamamos, há tempos, pela reforma do Judiciário é porque estamos convictos deste fundamento: é preciso sanear moralmente as instituições públicas, reacreditá-las perante a população. E isso coloca a luta contra a desonestidade, a improbidade administrativa como questão primeira. Mais importante que o Fome Zero é a Corrupção Zero, pois esta reestrutura moralmente o país e favorece, entre outras coisas, o equilíbrio de suas finanças.

O contrário seria consagrarmos o clássico “rouba, mas faz”! O Brasil, apesar de todos os pesares, vem amadurecendo. É um país que assistiu * numa circunstância inédita na história da democracia um presidente da República ser levado ao impeachment pelo Congresso, sem que qualquer dano disso resultasse * quer para a democracia, quer para a economia. O país saiu moralmente fortalecido.

No passado e passado relativamente recente, diante de qualquer crise política (e a política se move por meio de crises), ameaçava-se o país com quarteladas. Dizia-se: “A Vila Militar vai descer, o Exército vem aí”. Diante da ameaça, todos recuavam e se submetiam àquela chantagem política.

Hoje, corremos o risco de trocar a quartelada pela carteirada. Basta que alguém bata a carteira do Erário para que se reaja às investigações, invocando a queda da bolsa, a alta do dólar e o aumento do risco-país. Também isso é chantagem política * e precisamos repeli-la. Isto é simplesmente intolerável!

A OAB repele esse comportamento. Quer investigação profunda e transparente. Se o escândalo em pauta é localizado, circunscreve-se a um cidadão, que se acionem os órgãos técnicos das polícias. Se houve contaminação política, que se acionem também os instrumentos da investigação política * preservando-se sempre o direito de ampla defesa e a presunção de inocência.

Sou contra a investigação política como espetáculo, como circo dos horrores, que transforma uma ação da rotina legislativa * a Comissão Parlamentar de Inquérito * em arma de desestabilização. Esse tipo de distorção precisa também ser punido, para que as instituições não se desmoralizem pelo excesso.

Cabe ao Poder Legislativo, entre seus deveres institucionais precípuos, o de fiscalizar os demais Poderes do Estado. E a CPI é um instrumento fiscalizador por excelência. Houve, porém, no passado recente, distorções no uso dessa ferramenta de trabalho, o que transformava, por vezes, o Parlamento numa sala de espetáculos, transmitidos ao vivo pela televisão. Nele, intimidavam-se os depoentes e cerceava-se o trabalho dos advogados.

Isso também não pode se repetir, sob pena de comprometer a credibilidade dos investigadores. Mas o essencial, nisso tudo, é que o País não pode parar. Haja o que houver, com ou sem CPI, a agenda política precisa continuar a ser tocada. A investigação de um escândalo deve, em vez de paralisar, estimular o cumprimento dessa agenda, sobretudo quando nela figuram prioridades tais como a reforma política e a reforma do Judiciário, há tanto tempo ansiadas pela sociedade brasileira.

Ambas hão de gerar anticorpos para que o país avance e aumente a taxa de imunidade de suas instituições. Cabe a nós, advogados, papel de relevo nesse processo. Temos que nos valer do prestígio conquistado junto à sociedade para pressionar instituições e partidos políticos a cumprir o seu dever diante dos compromissos assumidos com a sociedade. Destaco entre esses compromissos * que o governo houve por bem assumi-lo como seu também * o da reforma do Judiciário.

E há inúmeras outras frentes reclamando presença e ação do Estado, na luta contra o desemprego, contra o analfabetismo, contra a violência e a exclusão social. Agenda positiva não pode ser truque político de circunstância, cortina de fumaça contra escândalos. É * precisa ser * o norte da ação governativa, a essência da agenda de um governo, qualquer governo. Afinal, quando pede votos ao eleitor, o candidato acena com metas positivas, não com sacrifícios. Depois de empossado, inverte a equação: conclama ao sacrifício e esquece dos acenos positivos que o elegeram.

É preciso que isso mude também * e é oportuna a lembrança, já que estamos mais uma vez em ano eleitoral. Em meu discurso de posse, fiz um apelo ao Presidente Lula no sentido de atender o quanto antes ao clamor nacional por mudanças, para que a esperança não se transformasse em desengano. Com mais força, repito agora o apelo, para que o desengano não se transforme em desespero.

Quero registrar também uma conquista importante para os operadores do Direito e a sociedade brasileira, na sua luta pelo aprimoramento da Justiça: o freio de arrumação anunciado pelo Ministério da Educação na concessão de licença para abertura de novas faculdades de Direito.

Como se sabe, proliferam em nosso país cursos desqualificados de Direito, desprovidos de professores credenciados e até de instalações físicas para abrigar seus alunos. Trata-se de desserviço à Justiça e à cidadania, atentado ao interesse público.


Esta é uma luta antiga da OAB, sustentada com vigor pelos que me precederam e que me determinei a levar adiante. Estivemos no início do mês passado com o ministro da Educação, Tarso Genro, que, na seqüência desse encontro, suspendeu por 90 dias, a homologação de qualquer processo de abertura de novos cursos de Direito.

É um bom começo. Mas é preciso mais. Por isso, o ministro comprometeu-se também a promover rigorosa fiscalização nos cursos jurídicos já em funcionamento e a acatar a avaliação técnica da Ordem para eventuais futuras concessões.

O ministro fala agora em “controle externo” das universidades. Então, no caso específico dos cursos superiores jurídicos, que se dê caráter vinculativo aos pareceres técnicos da Ordem.

Quero, antes de concluir, me comprometer em outra questão fundamental: a defesa das prerrogativas dos advogados. A inviolabilidade de seus atos e manifestações no exercício da profissão é preceito constitucional (artigo 133 da Constituição Federal), dela decorrendo, nos termos da lei, o exercício da profissão com liberdade, em todo o território nacional.

Esta, diga-se, é mais uma prerrogativa do cidadão que do advogado propriamente dito. É o direito do cliente que está em pauta, quando se exige, em nome da liberdade de defesa e do sigilo profissional, a inviolabilidade do escritório ou local de trabalho do advogado, de seus arquivos e dados, de sua correspondência e de suas comunicações, inclusive telefônicas e afins.

Comunicar-se com seus clientes, pessoal e reservadamente, quando estes se acharem presos, detidos ou recolhidos em estabelecimentos civis ou militares, ainda que considerados incomunicáveis, são prerrogativas inegociáveis da advocacia, assim como também o ingresso livre nas prisões, mesmo fora da hora de expediente.

Trata-se de direitos constitucionais e legais, para o efetivo exercício profissional, e não de privilégios. Esses direitos se voltam não para os interesses dos advogados, mas para o legítimo, eficiente, civilizado e pleno exercício da justiça, da liberdade e da cidadania. São direitos que se destinam aos jurisdicionados e aos cidadãos, para que tenham uma Justiça efetivamente justa.

A OAB, no que concerne ao cumprimento dos deveres éticos e legais por parte dos advogados nada tem de corporativa, sendo implacável nas sanções disciplinares aos infratores, obedecidos sempre os princípios constitucionais de assegurar-se o direito ao contraditório e ampla defesa.

É hora de trabalho. E o Conselho Federal já está a pleno vapor, agindo em diversas frentes, a começar pela frente parlamentar dos advogados em prol da reforma do Judiciário; na luta pela melhoria do ensino jurídico; pela presença mais vigilante em defesa dos direitos humanos. Em parceria com o Tribunal Superior do Trabalho, a Ordem está empenhada em combater o trabalho escravo e a exploração da mão-de-obra infantil, chaga social que envergonha o país.

Conclamo todos os advogados * desta e das demais seccionais * a cerrar fileira em torno de sua entidade maior, o Conselho Federal da OAB, e a manter acesa a chama da esperança para que possamos erguer, juntos, o grande edifício da cidadania.

Gostaria, aqui, de usar uma expressão do meu grande amigo e líder Rubens Approbato Machado, que diz ser o advogado, no alicerce da democracia, o seu tijolo mais forte, refratário às chuvas e tempestades. Se assim permanecermos, nada temos a temer.

Parabenizo, por fim, os novos dirigentes desta seccional, na pessoa de seu novo presidente, Luiz Flávio Borges D’Urso, jovem e brilhante profissional, que representa tão bem a nova geração de advogados, que vem renovando e dando novo alento às lutas históricas da nossa classe.

Muito obrigado.

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