Sindicalismo financeiro

Sindicalismo financeiro mostra como o mercado dobrou a CUT

Autor

  • Luís Carlos Moro

    é advogado trabalhista sócio de Moro e Scalamandré Advocacia S/C presidente da Alal -- Associação Latino Americana de Advogados Laboralistas membro consultor da Comissão Nacional de Direitos Sociais do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil e professor universitário de Direito do Trabalho dos cursos de graduação e pós graduação da UNIFMU (licenciado)

10 de março de 2004, 18h32

Li, atento e preocupado, a Revista da CUT, editada a partir de dezembro de 2003, quando saiu da gráfica o número 1 da nova publicação.

A atenção que merece o periódico decorre do profundo respeito que sempre nutri em relação à Central Sindical, que, a par de ser a maior e de mais bela história do país, de inegáveis méritos, é hoje aquela sobre a qual repousa a responsabilidade de conduzir, através de seus líderes e sindicalistas, alguns dos quais hoje ascendidos a postos de governo, além de seus históricos técnicos e especialistas, o processo de reforma sindical que se anuncia como iminente. Como espectador e cidadão, faço votos que o que a partir dali se realize termine por ser a melhor opção para os trabalhadores brasileiros e aqui radicados.

Mas, a par da atenção merecida, a preocupação estampou-se desde logo. A capa da revista anuncia o cooperativismo como meio de enfrentar os novos tempos. No verso da capa, anúncio publicitário de um dos maiores bancos do país, fato que se repetiu posteriormente, com propagandas de outras instituições financeiras no órgão oficial da CUT. Maior inquietação causa a matéria “Como a CUT Dobrou o Mercado”, inserta nas páginas centrais da magazine.

Quanto ao cooperativismo, apenas uma breve menção: não o associemos à fraude, porque o cooperativismo, em sua origem, nasceu como iniciativa alternativa à exploração ignominiosa de trabalhadores. Jamais associamos o cooperativismo à fraude, mas alguém o fez. É preciso então que se não se dissocie o cooperativismo da fraude, porque há alguns anos, o “mercado”, que agora a CUT diz dobrá-lo, apoderou-se da iniciativa de criação das cooperativas, idéia que lhe era opositora, e deu origem, difundiu e massificou a figura da fraude por meio das cooperativas. Há cooperativas cuja propriedade não se compartilha, identificando-se com a figura de um dono, um “manda chuva”, um gato Felix. A matéria, porém, demanda discussão profunda, o que aqui não se terá oportunidade de realizar, valendo apenas a menção.

De outro lado, nada mais significativo ao mercado do que os mercados financeiros, representados pelos Bancos. São os novos anunciantes da CUT. Os “neocompanheiros”, segundo o entendimento de que a CUT dobrou o mercado.

Entretanto, desconfio do “neocompanheirismo banqueiro”. O mercado não se dobra como as páginas da revista. “Flexibiliza-se”, como há quem goste de dizer. Pode dar um passo atrás, conversar e até negociar com aqueles que antigamente eram taxados de baderneiros. Banqueiros esquecem-se com rapidez que outrora foram chamados de agiotas, desde que isso lhes assegure a ascensão dos lucros. Mas aquele suposto passo atrás representa, pragmaticamente, dois passos avante. No sentido do lucro: econômico, político, institucional.

“Ex-baderneiros” e “ex-agiotas”, como se tratavam reciprocamente, agora são “neocompanheiros”. E a esse fato, a CUT atribui à sua capacidade de “dobrar o mercado”. Seria ótimo se essa concórdia não estivesse ela fundada na associação pelo lucro. E exclusivamente pelo lucro.

Não era de imaginar fosse o mercado tão frágil, a ponto de dobrar-se por um acordo coletivo, que sequer natureza trabalhista tem, senão de consumo. E esse mérito é inegável: trata-se da materialização do primeiro acordo coletivo de consumo do país. E isso os bancos não poderão negar, como o fazem em suas defesas judiciais, quando se trata de escapar às obrigações que lhes impõe o Código de Defesa do Consumidor.

O inverso do quanto afirma o artigo parece ser mais provável: a CUT dobrada ao mercado. Os velhos companheiros cutistas não receberam os neocompanheiros banqueiros graciosamente. Talvez os neoliberais financistas tenham conseguido um meio de cooptar os velhos resistentes dirigentes classistas. Pela artificialização do sindicalismo.

Está nascendo um financismo sindical. Ou um sindicalismo financeiro. É a CUT de mercado que nasce. O conhecido sindicalismo de resultados. Resultados até mesmo auditáveis. Expressos em dinheiro.

E surge pelas mãos do mercado, por acordo coletivo de consumo que termina coonestando o capitalismo que gera um lucro certo, com garantia efetiva, insuscetível daquilo que caracteriza o capitalismo, mas que gera a repulsa do capital: o risco do negócio.

Pelo menos, tais acordos têm um mérito: sendo as primeiras convenções coletivas de consumo de que se têm notícia, desvendam a nova face do sindicalismo (a de sindicalismo consumeirista) e dos bancos (sujeitos às normas de direito do consumidor). Mas definitivamente, não são normas trabalhistas, senão de consumo, financeiras e de financiamento recríproco, entre os acordantes.

À CUT, a cada empréstimo realizado, advirá um adminículo, uma gentileza financeira proveniente não do mercado supostamente dobrado, mas através das cédulas dos salários dos trabalhadores, certamente dobradas, creditadas às contas dos sindicatos convenentes, por meio do empregado aderente, agora “neodevedor” e “neo-sindicalizado”.

Pela criatividade dos novos consócios, foi instituída uma forma de financiamento sindical, já que a reforma que se prepara prevê profundas modificações na estrutura de arrecadação sindical.

Como regra, sempre os sindicatos foram financiados por meio do resultado econômico do suor dos trabalhadores. Nada de novo, senão o ingresso dos banqueiros, sob forma de juros, nesse novo “nicho de mercado financeiro”.

Os salários, tão protegidos que sempre foram, são insuscetíveis de penhora, no direito processual. Isso quer dizer que não servem como garantia nem mesmo de dívida do devedor condenado, com sentença judicial transitada em julgado. Mas, aos bancos…

O sistema legal, assim, é subvertido pelo “empréstimo consignado em folha de pagamento”, impondo ônus inclusive a terceiros, os empregadores, que terão de acabar por administrar a vida financeira dos seus empregados, sejam eles responsáveis ou perdulários.

Houve o pudor de esclarecer que as entidades nada auferem com o empréstimo em si, mas é nítido o “incentivo” artificioso à sindicalização mediante a apresentação de taxas de juros mais módicas ao sindicalizado. Devedores do Brasil: sindicalizem-se! Suas dívidas terão menores ônus. Sindicalistas e banqueiros fruirão maiores bônus.

Entre a contribuição tributária e a arrecadação financeira simples, a primeira será obviamente abandonada em favor da segunda.

Se a arrecadação primaz das entidades sindicais se mantivesse sob natureza tributária, estaria gizada pelos princípios que regem o direito tributário (que é um direito de ordem pública): não bis in idem, anuidade, e, principalmente, prestação de contas claras sobre sua destinação.

O dinheiro vindo das filiações conjugadas aos “empréstimos consignados à folha” tem o mérito de não ter cunho tributário, o que é um avanço institucional desejável, mas traz em si uma nebulosa fonte de custeio, com o concurso dos bancos, numa relação entre comensais.

A par da CUT, outras centrais já aderiram à iniciativa. Mas destas não se cobra qualquer incoerência histórica. Seria de esperar que admitissem à nova idéia.

Há, nesse mar, tubarões, rêmoras e peixes pequenos. Atribua o leitor o papel que cabe a cada um.

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    é advogado trabalhista, sócio de Moro e Scalamandré Advocacia S/C, presidente da Alal -- Associação Latino Americana de Advogados Laboralistas, membro consultor da Comissão Nacional de Direitos Sociais do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil e professor universitário de Direito do Trabalho dos cursos de graduação e pós graduação da UNIFMU (licenciado)

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