Investigação criminal

Integrantes do MP não podem revestir-se da função de delegados

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9 de março de 2004, 17h19

Mais uma vez, após fatos recentes ocorridos, principalmente no Estado de São Paulo, é reaberta a grande discussão: se o Ministério Público possui, ou não, poderes investigatórios.

O que mais ouvimos ultimamente é o desejo recorrente de alguns membros deste Órgão Ministerial, em utilizarmos, aqui no Brasil, o padrão norte-americano. Ou seja, a Polícia é ligada diretamente ao escritório do Promotor Público (Promotor de Justiça, para nós), que preside o procedimento investigatório, e, de acordo com as provas juntadas, dá início à ação penal.

Quanto a essa forma de atuação, caso o legislador pátrio entendesse por bem em adotar no Brasil, fica a pergunta: estaria o Ministério Público pronto para assumir esta função?

Quando discutimos esse assunto, necessário lembrarmos as brilhantes palavras do mestre e desembargador do Tribunal de Justiça bandeirante Sérgio Marcos de Moraes Pitombo, quando comentava a idéia de alguns em acabar com o inquérito policial no Brasil: “Quando se diz que o inquérito policial só existe no Direito brasileiro, procurando elogiar procedimentos de outras terras, não será o Brasil, em matéria de investigação formal, que se acha à frente dos demais países”?

A nossa Carta Magna, quando cita as funções institucionais do Ministério Público, deixa bem claro, em um dos seus incisos, que os membros do parquet podem requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquéritos policiais.(1)

No mesmo sentido, a nossa Constituição Federal, determina, também, que cabe à polícia civil, ressalvada a competência da União (polícia federal), dirigida por delegados de polícia de carreira, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, com exceção das militares.(2)

Sendo assim, a investigação penal, cabe à polícia, que através do inquérito policial (3) subsidiará o Ministério Público na instauração de eventual ação penal.

Alguns membros do Ministério Público defendem o seu “poder de investigação”, com base numa “independência funcional” que os delegados de polícia não possuem, concluindo que os promotores e juízes não têm chefes, subordinando-se apenas às leis. Assim, não estariam sujeitos a uma “proteção ao cidadão que não é comum, tendo este, poderes para influenciar na hierarquia policial”. (4)

Esse tipo de argumento é motivo de grande preocupação. Acreditamos que não devemos ficar buscando “brechas” para justificar algo que é, constitucionalmente, ilegal.

A Constituição é a lei máxima de um Estado, e nela encontramos as normas relativas à estrutura organizacional e política do mesmo, sua forma de governo, distribuição de competências e os direitos, garantias e deveres do povo. (5)

Em recente decisão, o Supremo Tribunal Federal, por votação unânime, externou sua posição sobre esta discussão. Os “guardiões da Constituição” acompanharam o brilhante voto do ministro Nelsom Jobim, que adotamos como ensinamento.

O ministro Jobim, em seu voto, lembrou que: “A legitimidade histórica para a condução do inquérito policial e a realização das diligências investigatórias é de atribuição exclusiva da polícia”. (6) Lembrou-se, também, quando do voto, que o Código de Processo Penal pátrio não autoriza, sob qualquer pretexto, a substituição da autoridade policial pela autoridade judiciária, tampouco, por membro do Ministério Público na investigação de crimes.

Ensinou-nos, ainda, o nobre ministro Jobim, quando comentava o controle externo da polícia concedido pela Carta Magna ao Ministério Público: (7) “A norma constitucional não completou, porém, a possibilidade do mesmo realizar e presidir inquérito policial. Não cabe, portanto, aos seus membros inquirir diretamente pessoas suspeitas de autoria de crime, mas sim requisitar a diligência nesse sentido à autoridade competente”. E complementa quando se refere a faculdade do Órgão Ministerial em propor ação penal sem inquérito policial, desde que disponha de elementos suficientes para tanto: “Mas os elementos suficientes não podem ser auto-produzidos pelo MP, instaurando ele inquérito policial”.

Diante de tão importante decisão, concluímos que não há possibilidade de se fiscalizar a lei, e, em momento posterior, transformar-se em parte, como órgão acusatório. Esse entendimento apenas acompanha a lição da Suprema Corte brasileira quando em julgamento diz: “É nulo o inquérito policial presidido por um promotor público, notadamente para autorizar a prisão preventiva”. (8)

Utilizemos as palavras do ministro Marco Aurélio Mendes de Farias Mello, também da Suprema Corte, que, ao ser perguntado sobre a função do parquet na relação processual assim asseverou: “O Ministério Público, em si, é parte e não atua no campo da percepção criminal como fiscal da lei. E, sendo parte, deve ser preservada a postura de parte. É inconcebível que se chegue à conclusão de que o Ministério Público deva, ele próprio, atuar como parte e, também, como órgão investigador das circunstâncias de um possível crime. A Constituição Federal só prevê a titularidade do Ministério Público para o inquérito em uma hipótese, uma única hipótese (enfatiza). É quando se tem um inquérito civil e jamais um inquérito criminal”. (9)

Lembremos que uma das funções institucionais do Ministério Público é promover as medidas necessárias à garantia dos direitos assegurados na Constituição. (10) Assim, tudo o que comentamos até o momento, nos deixa com mais uma preocupação: como pode o parquet, querer promover as medidas necessárias para garantia dos direitos assegurados na Carta Magna, se, ao mesmo tempo, a afronta?

Diante de tudo o que comentamos e demonstramos, e, principalmente, diante das ponderadas e acertadas decisões da nossa Suprema Corte, concluímos que os membros do Ministério Público não podem revestir-se da função de delegados de polícia, para promover investigações.

Como já dito anteriormente, o Ministério Público é parte na ação penal. E, ainda, vale lembrar, não é superior hierárquico da polícia.

Portanto, os policiais não devem, e não podem, subordinar-se aos membros daquele órgão ministerial. Devem, sim, ter respeito; como devem ter respeito a todos os cidadãos e demais operadores do Direito.

Nós brasileiros, independentemente da profissão que exercemos, devemos respeito às decisões dos nossos Tribunais; respeito ao que é determinado por nossa Carta Maior; respeito uns aos outros; primeiro, por respeito próprio e, sempre, na busca necessária da Justiça.

Notas de Rodapé~:

1- cf. Artigo 129, inciso VIII, da Constituição Federal.

2- cf. Artigo 144, parágrafo 4º, da Constituição Federal.

3- cf. Artigo 4º do Código de Processo Penal.

4- cf. Artigo do Boletim IBCCRIM, nº 136, Março/2004; MIGUEL DA SILVA JR., Edison

5- cf. Direito Constitucional, ed. A.R.Consultoria, 1999, São Paulo, pg. 9; RICCITELLI, Antonio.

6- RHC 81326 – STF – j. 06.05.2003 – v.u. – Rel. Min. Nelson Jobim

7- cf. Artigo 129, inciso VII, da Constituição Federal. Regulamentado pela Resolução 52/97 do Conselho Superior do Ministério Público Federal.

8- vide AC – STF, Pleno, de 28.05.1951, DJU de 25.04.1955, Apenso, pág. 1530.

9- cf. Informativo da Federação Nacional dos Delegados de Polícia Federal, ano I, nº 3, setembro de 2000.

10- cf. Artigo 129, inciso II, da Constituição Federal.

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