Propriedade intelectual

O direito autoral do diretor na obra audiovisual no mundo

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9 de março de 2004, 15h41

Uma das maiores polêmicas envolvendo direitos autorais no mundo contemporâneo é a questão dos direitos autorais dos diretores de cinema. A grande maioria das leis autorais em vigor no mundo credita esses direitos aos diretores de obras audiovisuais, pois eles agregam criação e valor aos roteiros que são transformados em filmes. É o caso, por exemplo, da nossa lei autoral brasileira, a 9.610 de 19/02/1998, que, em seu artigo 16, dispõe:

Art. 16 – São co-autores da obra audiovisual o autor do assunto, ou argumento literário, musical ou literomusical e o diretor.

Recentemente, na França, dois julgados de substancial importância julgaram ações nesse sentido. Tanto a Suprema Corte Francesa, no caso Chaye x Charnelu Vídeo e a Corte de Alta Instância de Paris em Sosnowski x Courtoux deliberaram sobre a delicada questão da autoria dos diretores de obras audiovisuais. De acordo com o Código Francês da Propriedade Intelectual, seção L 113-7(5), o diretor é reconhecido como um dos presumidos autores de uma obra audiovisual, embora tal presunção seja contestável. Os apelantes no caso oferecido perante a Suprema Corte da França, que intitulavam diretores de uma série de vídeos, buscavam o reconhecimento dos seus direitos e o conseqüente pagamento de royalites pela utilização econômica das obras resultantes. Eles processaram a empresa Atlas, que os contratou para produzir as séries. A Suprema Corte gálica rejeitou os argumentos dos apelantes, porque a Atlas forneceu um vídeo-padrão para servir de modelo para os demais vídeos; os diretores foram obrigados a atender às solicitações da Atlas de realizar mudanças, adições e supressões nas obras, e, porque o controle da versão definitiva do(s) roteiro(s), incluindo a edição e comentários e, em geral, tudo o que engloba a liberdade criativa e a personalidade do autor, estavam além do controle dos apelantes.

Ao passo que os fatos pareceram demonstrar que os autores da ação eram meros agentes executores da produtora Atlas, a Suprema Corte Francesa não questionou sua categorização como diretores. Entretanto, a ausência de controle sobre tudo o que determina a liberdade e a personalidade do autor, parece negar seu papel de diretores completamente.

Por outro lado, na decisão do caso da Corte de Alta Instância de Paris, que ocorreu pouco antes da decisão da Suprema Corte supramencionada, a corte, após ter examinado a apelação de Sosnowski e a natureza de seu trabalho, concluiu que ele foi efetivamente o diretor das gravações controversas, uma presunção que o Réu não logrou êxito em contestar. Assim, a corte parisiense limitou-se a considerar a questão se Sosnowski era ou não diretor.

A abordagem no caso Chaye (o primeiro, acima) – em que o papel de diretor é automaticamente considerado e a análise tem a ver com a(s) prova(s) em contrário – está mais em sintonia com a letra da lei, enquanto que o decisório do caso Sonowski – em que a corte certifica que a pessoa efetivamente atuou como direitor – está mais em sintonia com a realidade e prática do mercado.

Registrando Sons como Marcas

Em 1995, um advogado e agente da propriedade industrial holandês acionou a jurisdição local em Haia objetivando certificar-se da possibilidade de proteção e registro de marcas sonoras (soundmarks) sob a égide da legislação marcária de Benelux e da Europa. Alguns clientes do advogado Shield Marks queriam proteger peças publicitárias de sua autoria, tais como jingles e spots, mas a pretensão não encontrava respaldo no teor da legislação em vigor. Em primeira instância, a Corte de Apelações de Haia decidiu que a fundamentação do advogado para um registro era insuficiente, mas o julgado gerou dúvidas perante a Suprema Corte holandesa, que referiu a questão para a ECJ (European Court of Justice, a corte européia de justiça). No final de 2003, a ECJ decidiu que não existem restrições substantivas para se registrar sons como marcas na União Européia desde que, como se dá com todas as outras marcas, tais sons sejam capazes de (i) distinguir os bens e serviços de uma sua utilização de qualquer outra e (ii) serem possíveis de representação gráfica. O segundo critério representa um obstáculo substancial para o registro de marcas não-tradicionais, tais como sons, cores e aromas, e já havia sido apreciado em casos anteriores perante a ECJ. Por exemplo, aromas podem certamente distinguir bens e serviços mas não podem ser representados graficamente, como ficou decidido no caso Sieckmann. Já as cores também podem ser distintivas, mas devem obedecer a um código-padrão de cores. Nesse sentido, os sons também adquirem um caráter bastante distinto. Jingles, spots e sons em geral (como o rosnar do leão da tradicional e mundialmente conhecida vinheta de abertura cinematográfica da Metro Goldwyin-Mayer) podem remeter os ouvintes imediatamente a determinado produto ou empresa. Ocorre que os sons podem ser representados de várias maneiras: cifras musicais, descrição escrita, onomatopéia e outras formas. O problema que foi postado diante da Corte Européia de Justiça foi justamente a identificação das várias formas adequadas de representação de sons que possam ser consideradas uniformes em sede de direito de registro de marcas. Aparentemente o caso ainda não está pacificamente solucionado. A ECJ limitou-se a examinar a pretensão do advogado holandês em suas diversas aplicações acima descritas e decidiu se as várias formas em questão poderiam ser autorizadas. Como não existem hoje códigos sonoros estandardizados na indústria, o tribunal decidiu que:

“Os requerimentos de representação gráfica se satisfazem onde o sinal (isto é, o som) seja representado por um símbolo dividido em medidas e demonstrando, particularmente, uma clave, notas musicais e seqüências cuja forma indique o relativo valor e, quando necessários, sons incidentais.”

Continuando, a corte emendou que esses requerimentos não se satisfazem quando os sons são representados graficamente da seguinte forma:

uma descrição em linguagem escrita;

onomatopéia simples,ou

uma seqüência de notas musicais sozinha.

Outras formas, tais como sonogramas, fixações sonoras e gravações digitais não foram apreciadas pelo tribunal europeu, restando portanto prejudicado até o presente seu status como forma de representações gráficas. Embora uma decisão final ainda não tenha emergido nesse sentido, o caminho está aberto para mais uma revolução jurídica em que se espera uma verdadeira “onda” de registros de marcas sonoras para breve na Europa.

Fonte: International Law Office com comentários de Nehemias Gueiros Jr. — advogado especializado em Direito Autoral e CyberLaw, professor da Fundação Getúlio Vargas (RJ), membro da Ordem dos Advogados dos Estados Unidos, membro da InterAmerican Bar Association em Washington D.C. e integrante do escritório Tostes & Associados no Rio de Janeiro

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