Erro no alvo

TJ-SP manda médico e clínica pagar R$ 4 mi por morte de paciente

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8 de março de 2004, 16h49

O médico Luís Roberto Campanholi e a Clínica Pierro Ltda, de Campinas (SP), foram condenados a indenizar a família do empresário Wilson Finardi. Ele morreu em Campinas em abril de 1982 depois de tomar uma injeção que continha derivados da penicilina. O paciente era alérgico ao medicamento.

A decisão unânime que condena o médico e o hospital, solidariamente, é da 5ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo. O TJ paulista fixou a indenização em R$ 4 milhões. O médico já foi condenado no Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo por homicídio culposo.

A família Finardi foi representada pelo advogado Renato Guimarães Júnior. O advogado deve apelar para majorar o valor da indenização.

O advogado da clínica, Rubens Approbato Machado, informou à revista Consultor Jurídico, que vai recorrer da decisão. “A clínica apenas cumpriu o que foi determinado pelos médicos”, disse.

O julgamento na segunda instância ocorreu no dia 3 de março. Em primeira instância, o juiz José Carlos Metroviche, além de condenar o médico e a clínica, entendeu que o urologista Oswaldo Adib Abib também era responsável pelos danos.

A advogada do urologista — Rosana Chiavassa — afirmou que o urologista apenas assinou o atestado de óbito com base nas informações dos médicos plantonistas. O TJ paulista entendeu que o urologista não deve pagar indenização pelos danos.

Participaram do julgamento os desembargadores Silveira Netto, Marcus Andrade e Corrêa de Moraes.

Histórico

O empresário é de Araras (SP). Ele faria um exame preventivo da próstata em Campinas e seguiria, na manhã seguinte, para uma pesca no Pantanal, em Mato Grosso. Morreu no mesmo dia depois de ter tomado a injeção prescrita por Campanholi. Abib atestou a morte como enfarte no miocárdio, com base nas informações dos plantonistas, segundo sua advogada.

O empresário teria avisado a enfermeira que era alérgico à penicilina. Mas não adiantou. A injeção foi dada mesmo assim. Em seguida, ele começou a passar mal e morreu.

Leia os principais trechos da decisão:

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO

APELAÇÃO CÍVEL Nº 140.867.4/2

VOTO Nº 12.330

RELATÓRIO

(…)

“Os autores, fls. 550/553, para elevar a verba de ressarcimento moral, aumentar o limite de idade da vítima, para 85 ou 80 anos, e, reconhecimento de que todos os co-réus participaram dos fatos e não havendo, no caso, importância a ser destinada aos atos praticados depois da morte (tentativa de cobertura da morte por choque anafilático). Pede elevação da verba de advogado por adoção do percentual máximo da lei.

O co-réu Oswaldo Adib Abid, fls. 558/588, trazendo preliminar de cerceamento de defesa, consistente em falta de intimação para apresentação de memoriais; falta de intimação de designação de juiz para setenciar no feito, impedido fosse levada exceção de suspeição; inexistência de registro de remessa dos autos para outra Comarca; interrupção do processamento de recurso de agravo de instrumento, paralisados os autos, impondo-se seu julgamento anteriormente ao do apelo; ocorrência da quebra do princípio da identidade física do juiz; e, falta de representação regular no processo dos autores que indica. Aborda também o mérito para concluir pela improcedência da ação.

A co-réu Clínica Pierro Ltda., fls. 642/668, com pedido de julgamento de agravo retido, fls. 419/422, apontado contra a decisão de fls. 417, a qual afastava a argüição de inépcia da petição inicial. Levanta preceito de nulidade da r. sentença por cerceamento de defesa e pela falta de oportunidade para apresentação de alegações finais; reclama a irregularidade face ao julgamento da ação realizado por juiz de outra comarca. Incursiona no mérito e para defender descabida a ação, propondo não ocorrência de fatos que permitam reconhecimento de culpa, por vigilância ou escolha, aponta que não firmada a causa da morte da vítima, trazendo reclamação quanto aos valores dos danos morais, impossibilidade de admitir danos materiais, propondo redução da expectativa de vida da vítima e dos honorários de advogado.

O co-réu Luiz Roberto Campanholi, fls. 671/678, alegando falta de representação processual dos autores que menciona; ausência de julgamento de recurso de agravo de instrumento por não processado, caracterizado cerceamento de defesa diante da falta de oportunidade para apresentação de alegações finais; nulidade processual ocorrida em fase de instrução, pela não coleta de depoimento; lesão ao disposto no artigo 132, do Código de Processo Civil, por ter sido a sentença proferida por juiz de outra Comarca e que não presidiu a coleta da prova. No assunto mérito põe-se pela negativa de improcedência da ação, argumentando com a elevada quantia de dano moral, a forma de aceitação dos danos materiais, bem como a sua apuração, nula a sentença no aspecto, reclamando contra a expectativa de idade da vítima e valor da verba de advogado.


Os recursos são tempestivos, fls. 681.

Noticiada a falta de preparo do recurso dos autores, fls. 681, foi atendido, fls. 690/691. Lançado o r. despacho de fls. 692, que admite o preparo como correto, ad referendum no Tribunal.

Apresentadas contra-razões, valendo destacar os temas invocados na forma do que vem a seguir. Pelo co-réu Oswaldo Adib Abid às fls. 212, alegando deserto o recurso dos autores e com pedido de aplicação das penas da litigância de má-fé (fls. 737). Pela co-ré Clínica Pierro Ltda. às fls. 862, reclamando contra a falta de preparo oportuno do recurso dos autores. Pelo co-réu Luiz Roberto Campanholi às fls. 870, também dizendo do mesmo defeito.

A Clínica Pierro Ltda., estando os autos neste Tribunal endereçou material, fls. 889/912, com pedido de desarmamento feito pelos autores, fls 918, pelo douto 3º Vice-Presidente do Tribunal de Justiça.

Diligências ordenadas por este Relator foram cumpridas.

VOTO

Antes de iniciado o julgamento foi apresentada petição pelo co-réu Oswaldo Adib Abid, a qual, de imediato foi lida por todos os membros da Turma Julgadora e em seguida determinada sua juntada aos autos.

Agravo Retido.

Inépcia da petição inicial

Danos morais e materiais – não cumulatividade”

(…)

“Sob esse aspecto, parece melhor entendimento aceitar-se que o ressarcimento do dano moral patrimonial indireto possa absorver eventualmente o dano moral, no que também entram na composição daquele, elementos psiquiátricos de afeição e sensibilidade e no que se mostre razoável o arbitramento judicial fixado em razão das circunstâncias; ou se defere um plus que melhor atenda à reparabilidade do dano moral puro, para além daqueles efeitos morais reflexivos do dano patrimonial indireto, seja sob a forma de agravamento do quantum indenizatório deferido quanto a este, seja através da concessão de uma verba reparatória àquele título.

A questão não é fácil, e depende do exame de cada caso concreto, no que se reconhece aos tribunais, e deles se exige, um juízo valorativo bastante amplo quanto aos fatos e provas produzidas, pág 73.”

(…)

“Na petição inicial é narrada a condenação do co-réu Luiz Roberto Campanholi pela prática de delito. Descreve atitude do co-réu Oswaldo Adib Abid na tentativa de alterar a verdade quanto aos fatos acontecidos. Indica diversos documentos em que tais situações podem ser conferidas e amplamente conhecidas, inclusive no crivo do contraditório. Prossegue de modo a dar a conhecer as circunstâncias que cercam a vida da vítima, familiar e financeira, o sofrimento dos membros da família, ligando a morte da vítima e os atos dos co-réus, desembocando no dever de indenizar e indicando os motivos pelos quais pretende os valores a serem encontrados por meio de arbitramento. E expõe responsabilidade dos médicos no resultado morte.

Mais não era preciso. A resistência oferecida pela parte não é direta e não aponta com segurança quais as falhas que diz haver anotada na petição inicial. Em momento algum, na sua defesa, a então contestante indicou de forma direta e clara, quais as palavras ou frases ininteligíveis ou trouxe demonstração dos demais pontos que argumenta irregularidades. E, de se notar, dos termos da contestação apresentada por ela a possibilidade do exercício de ampla e regular defesa.

Correta, pois, a r. decisão agravada e que merece ser mantida por seus próprios fundamentos.

Nego provimento ao recurso de agravo retido.

Desentranhamento de memoriais

Continuo o julgamento e para solucionar o pedido de desentranhamento de memoriais.”

(…)

Agravo de instrumento sem processamento

A resistência feita quanto a falta de julgamento do recurso de agravo de instrumento mostrava-se adequada na fase e no momento em que introduzida, pois efetivamente o recurso de agravo de instrumento encontrava-se sem as devidas providências para o desenvolvimento próprio.

Todavia, resta agora superada e sem interesse, na medida em que ao referido agravo de instrumento foi dado seguimento e julgamento, conforme se constata dos autos de Agravo de Instrumento nº101.107.4/0, em apenso.

E neste mesmo capítulo fica resolvido o tópico cerceamento de defesa pela não coleta de depoimento da parte, assunto objeto do referido recurso de agravo de instrumento, quando então solucionado. Não havendo agora precisão de argumentos, salvo adotar aqueles empregados na solução dada no recurso de agravo de instrumento.

Rejeitam-se as preliminares que dizem com prejuízo face à ausência de julgamento de recurso de agravo de instrumento e coleta de declarações em audiência.

Recurso dos autores – ausência de preparo

Abordo, a seguir o tema que destaco, isto é, recurso dos autores – ausência de preparo.”


(…)

Honorários de advogado

Quanto ao item d) entende-se ser efetivamente o caso de elevação do percentual adotado. A causa foi patrocinada por advogado com endereço em outra Comarca que não a do juízo da ação; o atendimento envolveu ampla prestação de serviços, inclusive com deslocamento para produção de prova. Embora o tema da ação não constitua novidade, as características do caso presente demandam maior tempo de atenção e certamente implicaram em estudos acurados. Reunidos desta forma os elementos que permitem a fixação no grau máximo. Atendido o recurso em tal aspecto.

Idade da vítima

Naquilo que pretende o recurso em estudo considerar a idade da vítima fora dos padrões usuais e para fins de indenização, item b), por se tratar de pessoa portadora de boa saúde, sendo oriunda de família cujos membros são longevos, o argumento vem despido de maior rigor.

Não se aceita que pessoas oriundas de família onde os indivíduos atingem idade avançada participem todos da mesma característica e capacidade de envelhecer e, posições incomuns. Sem margem de acerto tal forma de encarar o problema, a qual fere os princípios da boa lógica, confundindo o raciocínio claro com o raciocínio correto. Quando muito pode-se pensar em tendência ou herança genética, o que é insuficiente para a elevação da idade nos moldes pretendidos. Aliás, nem mesmo sendo a pessoa portadora de saúde insegura, mas de simples doenças comuns a todos em geral e nenhuma em especial que atalhe a duração da vida, foge da regra geral. Resulta que somente se pode considerar, para equilíbrio da indenização, a idade média das pessoas. Caso não fosse desta forma não se poderia entender idade média e sim diversas idades médias segundo os dados e sabores de grupos ou famílias ou saúde de cada indivíduo. O que leva ao absurdo.

Além das considerações acima, que se mostram interessantes, vale deixar esclarecido que o pedido é direto e claro na petição inicial, pondo o limite de 75 anos de idade, fls. 8 e 15, solucionando definitivamente a questão recursal, até porque idade adotada na condenação ora em estudo.”

(…)

“Inegável que houve ordem médica para ser a medicação ministrada. Inafastável constar da ficha clínica da vítima a advertência quanto a sensibilidade que portava. Não há dúvida de que o remédio, injeção, foi aplicado no paciente poucos instantes antes de sua morte. E tudo dentro do recinto do estabelecimento.

O argumento de que, no caso presente, os médicos que atenderam o paciente e vítima faziam-no em caráter particular, sem qualquer interferência da Clínica, não se revela sério e com o proveito desejado. Primeiro, porque sem constar dos autos prova adequada da incomum afirmativa. Segundo, porque ao permitir atendimento médico nas circunstâncias narradas em sua defesa, a co-ré passava a assumir atitude forte no atendimento e firmada responsabilidade pelos acontecimentos desenvolvidos no interior de seu estabelecimento.

Decorre a responsabilidade civil de indenizar pela forma em que permitido o atendimento ao paciente e seu resultado.”

(…)

“Não se desprezarão ainda as condições pessoais dos envolvidos, não em termos de quantidade, matéria, mas para que o valor a ser fixado se tenha como adequado à situação de cada um deles, bem conjugadas, para que não se desbordem os limites dos bons princípios e da igualdade que regem as relações de direito.

Haverá sempre desproporção entre a pessoa física e um poderoso grupo econômico. Inaceitável que se proceda fixação com vistas apenas a um dos lados, visto que estaria firmada em atitude sem lastro de justiça.

Para se educar o ofensor no caso dos autos, qual seria a quantidade de moeda sufucuente à reflexão que é um dos escopos da ordem indenizatória? Além da imensa dificuldade de se conhecer a justa cifra, acresce que se esclarecida aleatoriamente, poderia representar um prêmio indevido ao ofendido, diante da possibilidade de lhe ser concedida importância que modificará totalmente suas condições normais de vida, indo a indenização muito além da recompensa ao desconforto, ao desagrado, aos efeitos do gravame suportado.

Ao Juiz, pois, dentro de comida e prudente conduta, se incumbe a tarefa de encontrar valor, obediente às condições já explicadas, sem marcar qualquer das litigantes pelo favorecimento ou desfavorecimento.”

(…)

Recurso da co-ré Clínica Puierro Ltda.

Afirma a co-ré Clínica Pierro Ltda. em seu recurso que não há no caso motivo para ser reconhecida culpa por falta de vigilância ou por má escolha. Também traz para o palco a respeito. Reclama dos valores da indenização, diz do não cabimento da aceitação dos danos materiais, indispõe-se contra a expectativa de vida da vítima adotada e reclama dos honorários de advogado.

Tais assuntos, todavia, já foram abordados no exame feito quanto ao recurso dos autores e para firmar a responsabilidade indenizatória da co-ré.

Na discussão que faz a respeito a própria recorrente Clínica Pierro Ltda. admite a formação de sua responsabilidade caso houvesse uso de instrumento ou aparelho de propriedade do hospital do tratamento dispensado à vítima.

No caso presente foi usado o estabelecimento hospitalar, com fornecimento de medicamento e ministrado à vítima, atendimento por outros médicos. Ou seja, uso amplo das instalações e pessoal da clínica co-ré, que é o mesmo que utilização de instrumental ou aparelho. A clínica aparece como prestadora de serviços e por isso mesmo evidente sua responsabilidade civil.

Pretender, por outro lado, afastar a culpa da pessoa que ministrou o remédio nocivo, por aplicação de injeção, porque agia sob ordens médicas, é tarefa ingrata. Esse aspecto já mereceu atenção no exame do recurso dos autores. Todavia, não é demais acrescentar que o erro é debitado à clínica co-ré, pela prática desastrosa de seu pessoal e pelo uso de suas instalações e pessoal de forma ampla. Bem como, forçoso reconhecer pela experiência comum das pessoas em geral, sempre existente a cautela indispensável e profissional do enfermeiro de não obedecer cegamente o médico ao ministrar medicação que pode ter resultados nocivos, cautela própria da categoria profissional.”

(…)

“Em breve narrativa e colhida segundo os dados dos autos, tem-se que a vítima, numa primeira etapa, foi atendida pelo co-réu Oswaldo Adib Abid e por ele examinada em seguida encaminhada para endoscopia a ser realizada pelo co-réu Luiz Roberto Campanholi. Deixou o co-réu Oswaldo marcada na ficha clínica ou prontuário que o paciente era portador de alergia e cardiopatia.

Os fatos se desenvolveram para p descesso da vítima. Durante a crise que resultou na morte a vítima foi atendida por dois médicos de plantão. E, por ser a internação feita pelo co-réu Oswaldo cabia a ele atestar o óbito. E o fez após consulta aos médicos já referidos e também verificado o cadáver. Convenceu-se, afirma ele em sua defesa, que a morte havia sido ocasionada por infarto do miocárdio.

Mais tarde, feita necropsia teria a mesma revelado morte por choque anafilático. Todavia tal exame foi combatido fortemente e a prova colhida consegue colocar o co-réu em condições de atestar, pelas dúvidas do momento, o infarto do miocárdio.

Resulta que o motivo da morte, no atestado de óbito, não se revela desproporcional ou mesmo totalmente errado. Agiu o co-réu dentro das cautelas legais que lhe cabia.

De tal forma que não se pode atribuir a ele conduta errada no atendimento prestado à vítima, e, tampouco ter atestado óbito com causa diferente da realidade e para encobrir responsabilidades.

Esta a acusação que se fez ao mesmo e tal o motivo pelo qual poderia ser reconhecida sua obrigação de indenizar. Nenhuma outra, ao menos nestes autos.

Nem mesmo indenizar pela prática de dano moral, pelo sofrimento dos autores, porque não teria agido o co-réu de forma ilícita ou descuidada. Tampouco há nos autos prova de que estaria acobertando o erro dos demais médicos.

Com isso a ação contra o mesmo é improcedente.

Não há interesse em estudar os demais aspectos do seu recurso.

E pela improcedência da ação, ficam os autores encarregados do pagamento da sucumbência, invertido o ônus dela decorrente em relação a tal co-réu, q que consiste em devolução das despesas processuais e taxa judiciária no que comprovado nos autos, pagando também honorários de advogado ora arbitrados em 10% do valor da causa, corrigidos da data da propositura da ação.

Por fim, não há motivo algum, entre os da lei, para condenar os autores como incursos na penas de litigância de má-fé.

Pelo exposto, nego provimento ao recurso de agravo retido. Indefiro o pedido de desentranhamento de memoriais. Rejeito as preliminares dos recursos dos co-réus. Vencido na questão do conhecimento do recurso dos autores, ao mesmo dou provimento, em parte, e nego provimento aos dos co-réus Luiz Roberto Campanholi e Clínica Pierro Ltda. E, por fim, acolho o recurso do co-réu Oswaldo Adib Abid, para julgar, em relação ao mesmo, improcedente a ação, nos termos retro. Observadas as disposições e determinações que implicam na inversão do ônus da sucumbência.

É o meu voto.

SILVEIRA NETTO

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