Dívidas empresariais

Projeto quer proteger empresários que não cometem irregularidades

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6 de março de 2004, 19h03

A Câmara dos Deputados está analisando proposta que muda as regras da desconsideração da personalidade jurídica, mecanismo que permite que os bens particulares de sócios ou administradores sejam usados para pagar as obrigações da empresa.

O objetivo do Projeto de Lei 2426/03, de autoria do deputado Ricardo Fiúza, é proteger o sócio ou administrador que não tenha praticado ato abusivo que prejudique os credores da empresa. A proposta tramita na Comissão de Economia, Indústria e Comércio.

Segundo o texto, as ações contra desvio de finalidade ou confusão patrimonial de empresa deverão indicar os atos abusivos praticados e os administradores ou sócios que foram beneficiados. A mesma regra se aplica à eventual intervenção do Ministério Público no processo.

O projeto ainda estabelece que o juiz deverá conceder prazo de 15 dias para defesa prévia dos sócios ou administradores acusados, antes de declarar a extensão dos efeitos das obrigações da empresa a seus bens particulares.

No caso de os empresários venderem seus bens no meio do processo, o juiz pode anular a transação. As normas previstas no projeto aplicam-se a todos os processos cíveis, fiscais e trabalhistas em curso, em qualquer grau da Justiça.

“A desconsideração da personalidade jurídica pretende impedir que os sócios e/ou administradores de empresa que se utilizam abusivamente da personalidade jurídica, mediante desvio de finalidade ou confusão patrimonial, prejudiquem os terceiros que com ela contratam ou enriqueçam seus patrimônios indevidamente”, explica o autor do projeto. Mas ressalta que “no Brasil, esse instrumento vem sendo utilizado com açodamento e desconhecimento das razões que autorizam o magistrado a utilizá-lo”.

Para Fiúza, não se pode atribuir a responsabilidade por débitos da empresa ao sócio ou administrador que não cometeu atos abusivos durante sua gestão. “Isso desestimula a atividade produtiva e a participação no capital social das empresas brasileiras”, justifica o deputado.

Na Comissão de Economia, o relator da matéria tem como relator o deputado Léo Alcântara (PSDB-CE). Em seguida, como tramita em regime conclusivo, será analisada pela Comissão de Constituição e Justiça e de Redação. Se aprovada, segue para exame do Senado.

Leia a íntegra do projeto e sua justificação

PROJETO DE LEI Nº , DE DE AGOSTO DE 2003

(Do Sr. Ricardo Fiuza)

Regulamenta o disposto no 50 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, disciplinando a declaração judicial de desconsideração da personalidade jurídica e dá outras providências.

O Congresso Nacional decreta:

Art. 1º. As situações jurídicas passíveis de declaração judicial de desconsideração da personalidade jurídica obedecerão ao disposto no art. 50 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 e aos preceitos desta lei.

Art. 2º. A parte que se julgar prejudicada pela ocorrência de desvio de finalidade ou confusão patrimonial praticados com abuso da personalidade jurídica indicará, necessária e objetivamente, em requerimento específico, quais os atos abusivos praticados e os administradores ou sócios deles beneficiados, o mesmo devendo fazer o Ministério Público nos casos em que lhe couber intervir na lide.

Art. 3º. Antes de declarar que os efeitos de certas e determinadas obrigações sejam estendidos aos bens dos administradores ou sócios da pessoa jurídica, o juiz lhes facultará o prévio exercício do contraditório, concedendo-lhes o prazo de quinze dias para produção de suas defesas.

§ 1º. Sendo vários os sócios e ou os administradores acusados de uso abusivo da personalidade jurídica, os autos permanecerão em cartório e o prazo de defesa para cada um deles contar-se-á, independentemente da juntada do respectivo mandado aos autos, a partir da respectiva citação se não figurava na lide como parte e da intimação pessoal se já integrava a lide, sendo-lhes assegurado o direito de obter cópia reprográfica de todas as peças e documentos dos autos ou das que solicitar, e juntar novos documentos.

§ 2º. Nos casos em que constatar a existência de fraude à execução, o juiz não declarará a desconsideração da personalidade jurídica antes de declarar a ineficácia dos atos de alienação e de serem excutidos os bens fraudulentamente alienados.

Art. 4º. É vedada a extensão dos efeitos de obrigações da pessoa jurídica aos bens particulares de sócio e ou de administrador que não tenha praticado ato abusivo da personalidade, mediante desvio de finalidade ou confusão patrimonial, em detrimento dos credores da pessoa jurídica ou em proveito próprio.

Art. 5º. O disposto no art. 28 da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, somente se aplica às relações de consumo, obedecidos os preceitos desta lei, sendo vedada a sua aplicação a quaisquer outras relações jurídicas.

Art. 6º. O disposto no art. 18 da Lei nº 8.884, de 11 de junho de 1994, somente se aplica às hipóteses de infração da ordem econômica, obedecidos os preceitos desta lei, sendo vedada a sua aplicação a quaisquer outras relações jurídicas.

Art. 7º. O juiz somente pode declarar a desconsideração da personalidade jurídica nos casos expressamente previstos em lei, sendo vedada a sua aplicação por analogia ou interpretação extensiva.

Art. 8º. As disposições desta lei aplicam-se a todos os processos judiciais em curso em qualquer grau de jurisdição, sejam eles de natureza cível, fiscal ou trabalhista.

Art. 9º. Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

JUSTIFICAÇÃO

Embora só recentemente tenha sido introduzido na legislação brasileira, o instituto da desconsideração da personalidade jurídica vem sendo utilizado com um certo açodamento e desconhecimento das verdadeiras razões que autorizam um magistrado a declarar a desconsideração da personalidade jurídica.

Como é sabido e consabido o instituto em referência tem por escopo impedir que os sócios e ou administradores de empresa que se utilizam abusivamente da personalidade jurídica, mediante desvio de finalidade ou confusão patrimonial, prejudiquem os terceiros que com ela contratam ou enriqueçam seus patrimônios indevidamente. A “disregard doctrine” pressupõe sempre a utilização fraudulenta da companhia pelos seus controladores, (Ver lei inglesa art. 332, Companies Act de 1948). Na Inglaterra, essa responsabilidade dos sócios e administradores originalmente só era admitida no caso de dolo. Atualmente já é extensiva aos casos de negligência ou imprudência graves na conduta dos negócios (reckless trading).

De acordo com o art. 333 da Companies Act, admite-se a propositura de ação contra o administrador (officer), nos casos de culpa grave (misfeasance e breach of trust), mas tão-somente para que sejam ressarcidos os danos causados à sociedade pelos atos contra ela praticados. Nos Estados Unidos, a doutrina da transparência tem sido aplicada com reservas e tão-somente nos casos de evidente intuito fraudulento, quando a sociedade é utilizada como simples instrumento ou alter ego do acionista controlador.

Em tais hipóteses de confusão do patrimônio da sociedade com o dos acionistas e de indução de terceiro em erro, a jurisprudência dos Estados Unidos tem admitido levantar o véu (judges have pierced the corporate veil) para responsabilizar pessoalmente os acionistas controladores (v. o comentário Should Shareholders be Personally Lieble for the Torts of their Corporations? In Yale Law Journal, nº 6, maio de 1967, 76/1.190 e segs. e especialmente p. 1.192).

Esses casos, entretanto, vêm sendo ampliados desmesuradamente no Brasil, especialmente pela Justiça do Trabalho, que vem de certa maneira e inadvertidamente usurpando as funções do Poder Legislativo, visto que enxergam em disposições legais que regulam outros institutos jurídicos fundamento para decretar a desconsideração da personalidade jurídica, sem que a lei apontada cogite sequer dessa hipótese, sendo grande a confusão que fazem entre os institutos da co-responsabilidade e solidariedade, previstos, respectivamente, no Código Tributário e na legislação societária, ocorrendo a primeira (co-responsabilidade) nos casos de tributos deixados de ser recolhidos em decorrência de atos ilícitos ou praticados com excesso de poderes por administradores de sociedades, e a segunda (solidariedade) nos casos em que genericamente os administradores de sociedades ajam com excesso de poderes ou pratiquem atos ilícitos, daí porque, não obstante a semelhança de seus efeitos, a matéria está a exigir diploma processual próprio, em que se firme as hipóteses em que a desconsideração da personalidade jurídica possa e deva ser decretada.

Todavia, convém lembrar a inconveniência de se atribuir a todo e qualquer sócio ou administrador, mesmo os que não se utilizaram abusivamente da personalidade jurídica ou até mesmo daqueles que participam minoritariamente do capital de sociedade sem praticar qualquer ato de gestão ou se beneficiar de atos fraudulentos, a responsabilidade por débitos da empresa, pois isto viria a desestimular a atividade empresarial de um modo geral e a participação no capital social das empresas brasileiras, devendo essa responsabilidade de sócio ser regulada pela legislação societária aplicável ao tipo de sociedade escolhido.

Essas as razões que me fizeram apresentar este projeto de lei, que espero mereça a aprovação do Congresso Nacional e venha a ser sancionado como lei pelo Excelentíssimo Senhor Presidente da República.

Sala das Sessões

Deputado Ricardo Fiuza

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