Barão de Mauá

Barão de Mauá: TJ-SP nega recurso de ex-presidente de cooperativa.

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5 de março de 2004, 14h32

Os moradores do Conjunto Habitacional Barão de Mauá obtiveram a terceira vitória consecutiva no Tribunal de Justiça paulista. A 6ª Câmara de Direito Privado, por unanimidade, não conheceu recurso apresentado por Regina Kerry Picanço, ex-presidente da Cooperativa Habitacional Nosso Teto.

As famílias do conjunto habitacional entraram na Justiça quando descobriram que suas casas foram construídas num terreno que foi depósito clandestino de lixo industrial. As famílias são representadas pelo advogado Aurélio Okada.

A Procuradoria-Geral de Justiça opinou pela desconsideração das personalidades jurídicas e pela correta a aplicação do Código do Consumidor. Ao rejeitar o recurso de Kerry, os desembargadores elogiaram a decisão do juiz de primeira instância, que “…de forma irrepreensível, abordou o fato de as pessoas físicas integrantes das pessoas jurídicas deverem suportar os danos resultantes do empreendimento, pelo abuso ao direito dos consumidores e por terem dele se beneficiado”.

A ex-presidente, que teve também seus bens arrestados, sustentava que não cabia a desconsideração da personalidade jurídica das empresas, especialmente da Cooperativa Habitacional Nosso Teto — da qual havia sido presidente de julho de 1995 a abril de 1998. Segundo a defesa, no período em que esteve à frente da cooperativa, não existiu relato de qualquer ato fraudulento ou abusivo por ela praticado que amparasse a decretação da medida.

O argumento foi rejeitado pelo Tribunal, que considerou que foi exatamente nesse período que “…ocorreram as sondagens e escavações na área…”. Ainda cabe recurso.

Leia a íntegra da decisão

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

ACÓRDÃO – REGISTRADO S0B Nº *00658397*

Vistos, relatados e discutidos estes autos de AGRAVO DE INSTRUMENTO nº 294.292-4/7-00, da Comarca de Mauá, em que é agravante REGINA KERRY PICANÇO, sendo agravados JOSÉ JOAQUIM DE MELO e OUTROS.

ACORDAM, em Sexta Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “NÃO CONHECERAM DO RECURSO, V.U.”, de conformidade com o relatório e voto do Relator, que integram este acórdão.

O Julgamento teve a participação dos Desembargadores SEBASTIÃO CARLOS GARCIA e SEBASTIÃO AMORIM.

São Paulo, 6 de Fevereiro de 2004.

REIS KUNTZ

Presidente e Relator

Voto n° 14.435

Agravo de Instrumento n° 294.292.4/7- Mauá

Agte. : Regina Perry Picanço

Agdos.: José Joaquim de Melo e outros

EMENTA: Agravo de Instrumento. Inicial que deve ser instruída com as peças necessárias, obrigatórias e facultativas. Inteligência do art. 525 do CPC. Recurso não conhecido.

Trata-se de agravo interposto de decisão (cf. fls. 83/86 do instrumento) que, em ação declaratória e condenatória, deferiu parcialmente pedido de liminar para determinar o arresto de bens e a expedição de ofícios aos órgãos públicos e instituições financeiras.

Negado o pretendido efeito suspensivo ao recurso, houve interposição de agravo regimental, não conhecido pela Turma Julgadora (cf. fls. 155/162 e 379/383).

Prestadas as devidas informações, com resposta e parecer da douta Procuradoria Geral de Justiça, vieram os autos conclusos.

É o breve relatório.

As preliminares levantadas na contraminuta do recurso, corroboradas pela manifestação ministerial, merecem agasalho.

Efetivamente, a ausência de peças essenciais e necessárias para a formação do instrumento, em consonância com o disposto no art. 525 do CPC, leva ao não conhecimento do recurso.

No presente caso, a agravante deixou de juntar as cópias das procurações relativas a dois dos agravados, da certidão da intimação da decisão recorrida e da petição inicial.

A questão relativa à juntada das procurações está superada pela manifestação dos recorridos nos autos.

Com relação à falta da intimação, como bem no parecer ministerial de fls. 388/389: “… a agravante sustenta nas razões ofertadas que a sua citação e intimação foram realizadas em nome de terceiro e que tomou conhecimento da demanda por informação verbal de terceiros, daí porque seria de considerar-se o dia 03 de abril de 2003, quando ingressou nos autos, como o dies a quo para a interposição de recursos (fls. 06/07).”

“Ocorre, porém, que a recorrente não demonstrou documentalmente o que alega. A fls. 79 a recorrente juntou cópia da citação a ela dirigida, todavia não há indicação de quem foi realmente citado. Também juntou cópia da petição dirigida ao Juízo na qual alegou o vício da citação, pedindo a devolução do prazo para a contestação e para a interposição de recurso contra a decisão liminar (fls. 99/101), todavia não juntou cópia da decisão judicial que apreciou esse requerimento, o que impossibilita sabermos se tais questões foram ou não recepcionadas em Primeiro Grau.”


Assim, impossível se aferir a tempestividade do agravo.

Confira-se a respeito:

AGRAVO DE INSTRUMENTO – Petição recursal desacompanhada de peça obrigatória – Não conhecimento do recurso. Regulando os requisitos extrínsecos do agravo de instrumento, o art. 525 do CPC impõe, obrigatoriamente, se instrua petição recursal com, entre outras, a cópia de certidão de intimação da parte agravante, visto que é o termo “a quo” do prazo de interposição do recurso. Sem essa prova documental, impossível será afirmar-lhe a tempestividade ou intempestividade. Não conhecimento do recurso. Seleção da COMJUR – Juiz Antônio de Pádua Lima Montenegro – TJ-PB -1996 – DATA DECISÃO 25/09/96 – DATA PUBLIC 16/10/96 – N PROCESSO 96.000534-7 – Agravo de Instrumento – ORG. JULG. 1a Câmara Cível – Originária

Também, a cópia da inicial é peça necessária para o conhecimento da questão e de sua apreciação.

É que, “…a agravante, nas razões apresentadas, investe contra a decisão liminar sustentando que os fatos alinhados na inicial não permitem a desconsideração da personalidade jurídica (fls. 08/10) e que nela não se encontra o relato de qualquer ato fraudulento ou abusivo por ela praticado que amparasse a decretação da medida (fls. 12).”

“Ora, como a decisão foi prolatada com base nos fatos articulados na inicial e na documentação fornecida, entendo que caiba à agravante, no mínimo, juntar cópia da inicial ao agravo para permitir o exame de seu conteúdo, especialmente em face das razões apresentadas no recurso. Isso não ocorreu, e tal peça, embora não obrigatória (a teor do art. 525, inciso I do CPC), fazia-se necessária, a meu ver, para a correta apreciação do caso.” (cf. fl. 389).

Como já decidido:

“É dever do agravante juntar as peças essenciais (tanto as obrigatórias como as necessárias) à compreensão da controvérsia. Se não o fizer, seu recurso corre o risco de não ser conhecido, por instrução deficiente.” (cf. Theotonio Negrão, in Código de Processo Civil e legislação processual em vigor, 30ª edição, Saraiva, notas 1b e 5 ao art. 525, págs. 545/546).

E ainda:

Agravo no agravo de instrumento n.o. 97.007487-5, de Tijucas. Relator: Des. Alcides Aguiar.

Agravo de instrumento – artigo 557 do C PC – despacho que nega seguimento a agravo de instrumento por falta de peça essencial ao deslinde da controvérsia (art. 525, inc. I, do Estatuto Processual) – obrigação da parte peça formação do instrumento – Recurso desprovido.

Agravo de instrumento n.o 96.005217 -8, da Capital. Relator: Des. Wilson Guarany.

AGRAVO DE INSTRUMENTO – Inicial que deve ser instruída com as peças necessárias, obrigatórias e facultativas – Inteligência do art. 525 do CPC – Inadmissibilidade de apresentação posterior ou com o agravo regimental – Aplicação do art. 557, parágrafo único, do CPC, com redação da Lei 9.139/95 (2° TACivSP) RT 736/304. Por tais fundamentos, não se conhece do agravo.

Ainda que assim não fosse, na hipótese de conhecimento, o recurso seria desprovido.

Para tanto, basta a transcrição das razões contidas no parecer da douta Procuradoria Geral de Justiça: “IV – Colhe-se dos autos que os agravados, moradores do Conjunto Habitacional Barão de Mauá, ajuizaram ação declaratória, desconstitutiva e condenatória em face da agravante e vários outros réus, dentre eles as empresas COFAP – Companhia Fabricadora de Peças, Administradora e Construtora SOMA Ltda., SQG Empreendimentos e Construções Ltda., PAULICOOP Planejamento e Assessoria a Cooperativas Habitacionais S/C Ltda., Cooperativa Habitacional Nosso Teto, Prefeitura Municipal de Mauá e Cetesb – Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental.”

Os autores, em síntese, sustentam que as empresas e os demais réus são responsáveis pela implantação do empreendimento imobiliário denominado Condomínio Barão de Mauá, na cidade de Mauá, o qual foi erigido em uma área pertencente à COFAP que utilizava esse local como depósito (aterro) de despojos e resíduos inservíveis, com o que deu causa a contaminação tóxica na área. Sustentam que o empreendimento recebeu autorização da Municipalidade e da Cetesb e acabou sendo implantado nessa área contaminada por compostos extremamente perigosos à saúde, expondo a população moradora a risco.

Em face desses fundamentos, os autores pretendem a responsabilização dos requeridos, a desconstituição das relações jurídicas como vínculos cooperativos, contratos de adesão e escrituras e a condenação dos réus a indenizarem os danos materiais e morais decorrentes.

Tendo sido formulado pedido liminar, este restou parcialmente deferido pelo ilustre Juiz a quo, o qual determinou, em síntese, (a) o arresto dos bens imóveis, ou respectivas partes ideais, que integrem os patrimônios dos réus, (b) o bloqueio junto ao DETRAN dos veículos que eventualmente possuam, (c) a obtenção das declarações de bens dos requeridos dos últimos cinco anos junto à Receita Federal, e (d) a obtenção de informações sobre a existência de contas correntes, contas-poupança, contas de investimento ou de fundos, bem como transações financeiras em moeda estrangeira, junto ao Banco Central do Brasil.


A agravante insurge-se contra a decisão sob o prisma de que não cabia a desconsideração da personalidade jurídica das empresas constantes do pólo passivo do feito originário, especialmente da Cooperativa Habitacional Nosso Teto, com o que foi atingida e guindada ao pólo passivo da ação, isso porque esteve à frente da Cooperativa, como Presidente, de 17 de julho de 1995 a 13 de abril de 1998, período em que inexiste qualquer fato que permita a mercê (fls. 08/10), não existindo relato de qualquer ato fraudulento ou abusivo por ela praticado que amparasse a decretação da medida (fls. 12).

Bem, cabe considerar, em primeiro lugar, e como já destacamos de início, que a agravante não, juntou cópia da inicial e dos documentos que a acompanharam, o que permitiria uma melhor compreensão dos fundamentos vertidos e das considerações lançadas pela recorrente no recurso. Em razão disso a apreciação levará em conta os elementos constantes dos autos, que não permitem, todavia uma completa avaliação.

O que se verifica dos autos é que a agravante foi guindada ao pólo passivo da ação em questão porque esteve à frente da Cooperativa Habitacional Nosso Teto por aproximadamente três anos, entre 17 de julho de 1995 e 13 de abril de 1998, sobre a qual repousa a responsabilidade pelos danos suportados pelos autores, ora agravados. E nesse diapasão, o Juízo acolheu o pedido de desconsideração da personalidade jurídica, entendendo que no caso havia relação de consumo, sendo aplicável o artigo 28 do Código de Defesa do Consumidor (Lei n° 8.078/90).

E esse entendimento afigura-se irrepreensível.

Como se sabe, a Constituição Federal, no art. 5° inciso XXXII, estabelece que “o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor”. Ao assim dispor no art. 5°, no qual estão contemplados os direitos e garantias fundamentais enclausurados em cláusulas pétreas, núcleo considerado intangível (art. 60, § 4°, IV CF), o texto constitucional elegeu como direito fundamental da pessoa humana a sua proteção na condição de consumidora.

Por conta desse dispositivo, ainda por força do art. 170, V, CF que estabelece como principio da ordem econômica a defesa do consumidor, e ainda a mando do art. 48 do Ato das Disposições Transitórias, foi editada a Lei n. 8.078/90, conhecida como Código de Defesa do Consumidor.

O CDC contempla o consumidor como a parte vulnerável na relação de consumo (art. 4°, I), visão inteiramente constitucional na esteira do art. 5°, XXXII CF. Tanto que para fazer frente a essa vulnerabilidade, equilibrando a relação de consumo, dota os consumidores de direitos básicos, presentes no art. 6° CDC.

Investigando esses direitos básicos, encontramos no art. 6°, I, que o consumidor tem direito a proteção da vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos ou nocivos Portanto, o fornecimento de produtos e serviços deve ser feito de modo que o consumidor não sofra ameaça ou lesão a sua vida, saúde e segurança.

Encontramos ainda, no art, 6°, VI que o consumidor tem direito a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos. Esse dispositivo traz a regra geral de responsabilidade em se tratando de relações de consumo, que é a responsabilização civil objetiva por danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos advindos dessas relações.

Bem, se esse é o sistema de proteção ao consumidor, cabe avaliar se no caso presente há relação de consumo. E não há dúvida de que o caso vertente contempla relação de consumo, incidindo o CDC.

Com efeito, há relação de consumo toda vez que forma-se uma relação triangular entre fornecedor/consumidor/produtos e serviços, consoante os arts. 2° e 3° do CDC. E no caso tal se verifica, pois de um lado há um bloco de empresas fornecedoras de produtos (no caso as empresas-rés que, associadas, construíram e venderam as unidades), de outro há os consumidores (os adquirentes) e ainda os produtos (que são as unidades comercializadas), sem contar que serviços foram efetivamente prestados nessas relações.

Sendo nítida a existência de relação de consumo, incide o sistema protetivo delineado no CDC.

O sistema do Código de Defesa do Consumidor, como vimos, é o da responsabilidade civil objetiva (art. 6°, VI CDC). Todavia, mais que isso, a responsabilidade é solidária, devendo responder pelos danos sofridos pelos consumidores todos os que de qualquer maneira contribuíram para a causação dos danos, isso porque o art. 7°, parágrafo único dispõe que Tendo mais de um autor a ofensa, todos responderão solidariamente pela reparação dos danos previstos nas normas de consumo.

Assim, o sistema do CDC é o da responsabilidade civil objetiva e solidária; cabendo a todos os que contribuíram para a ocorrência dos danos, independentemente de culpa, responderem por esses danos, patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos.


Portanto, o fato de a agravante ter sido guindada ao pólo passivo da ação está confortado pela legislação de regência, isso porque o artigo 7º do CDC impõe a responsabilidade objetiva e solidária a todos, pessoas físicas e jurídicas, que contribuíram para a causação dos danos, sem contar que o artigo 28 do mesmo Estatuto autoriza a desconsideração da personalidade jurídica para que sejam atingidas as pessoas dos representantes.

E tal também é permitido pela legislação que rege o meio ambiente.

A Lei 6.938/81, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, conceitua no art. 3°, inciso IV, a figura do poluidor, sintetizando ser “a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental“. Esse diploma legal foi recepcionado pela Carta Constitucional, e como se vê, dentre aqueles que são considerados poluidores encontram-se as pessoas físicas e jurídicas responsáveis direta e indiretamente por atividade causadora de degradação ambiental.

Essa mesma lei, no art. 14, § 1º, contempla que “… é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, efetuados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal por danos causados ao meio ambiente”.

Como se verifica, o dispositivo estipula que o poluidor responde objetivamente, sem a necessidade de aferição de culpa, pelos danos ambientais e danos causados a terceiros resultantes de sua atividade.

No caso vertente, as rés, pessoas físicas e jurídicas, são apontadas como responsáveis pelo conjunto habitacional erigido em área apontada como contaminada. A atividade empreendida, apontada como lesiva ao meio ambiente, impõe que todos respondam objetivamente por eventuais danos a terceiros, estando obrigados por força do art. 14, § 1°, a indenizar e repará-los, razão pela qual, em princípio, devem integrar o pólo passivo.

Se não for bastante essa legislação, lembro que a Lei n. 6.766/79, que dispõe sobre o parcelamento do solo urbano, estipula no art. 3°, parágrafo único que não será permitido o parcelamento do solo “(II) em terrenos que tenham sido aterrados com material nocivo à saúde pública, sem que sejam previamente saneados“, estampando o art. 47 que “Se o loteador integrar grupo econômico ou financeiro, qualquer pessoa física ou jurídica desse grupo, beneficiária de qualquer forma do loteamento ou desmembramento irregular, será solidariamente responsável pelos prejuízos por eles causados aos compradores de lotes e ao Poder Público“.

Afora isso, lembro que o artigo 4° da Lei n° 9.605/98 permite a desconsideração da personalidade jurídica, para garantir o ressarcimento dos prejuízos causados à qualidade do meio ambiente.

A legislação colecionada, portanto. aponta que a responsabilidade por eventuais danos é objetiva e solidária, daí porque não há como excluir a agravante, em princípio, do pólo passivo. Sem contar que a legislação em pauta prevê a desconsideração da personalidade jurídica para que sejam atingidos os representantes das empresas.

Estando confortada a medida na legislação apontada, o caso transpira os requisitos necessários à decretação da medida.

Com efeito, os elementos indicam uma situação de extrema gravidade, com sérias conseqüências ambientais, também à vida, à saúde e ao patrimônio das pessoas, repousado a responsabilidade, pelo menos numa apreciação preliminar, sobre os requeridos.

Presente a verossimilhança das alegações, está presente também o perigo de dano, isso porque, no caso de eventual procedência da ação, as indenizações a serem suportadas serão de vulto, em face do tamanho do empreendimento e dos danos, o que recomenda a cautela adotada de se determinar o arresto dos bens.

A medida, portanto, tem em míra assegurar o futuro enfrentamento de indenizações, o que tem inteira guarida na legislação pátria, constitucional e infraconstitucional. Não custa lembrar que a Constituição Federal impõe sejam acautelados os interesses dos consumidores e do meio ambiente. E nesse contexto é que deve ser analisada a decisão judicial que determinou a desconsideração da personalidade jurídica, atingindo as pessoas dos representantes.

Nesse sentido, colecionamos a seguinte decisão:

Considerando que a medida cautelar de arresto tem a finalidade de assegurar o resultado prático e útil do processo principal; é de concluir que as hipóteses contempladas no art. 813, CPC, não são exaustivas, mas exemplificativas, bastando, para a concessão do arresto, o risco de dano e o perigo da demora (ST J – RT 760/209).”

Agravo contra decisão que concedeu em parte liminar pleiteada em ação civil pública e autorizou o bloqueio dos bens dos réus e a quebra do sigilo bancário -Possibilidade do bloqueio porque garantidor da obrigação de fazer e da indenização que se pretende pelos prejuízos causados -Ausência de proibição quanto a possíveis alienações, desde que submetidas à apreciação judicial – Inocorrência de desrespeito aos direitos à propriedade e à privacidade, porque resguardado o sigilo das informações. Decisão mantida – Recurso improvido – (Ag. Inst. N. 119.217..4/8 – Guarujá – 7a Câmara de Direito Privado do TJSP, Relator Salles de Toledo, j. 01.12.99).”


Inclusive, embora a agravante sustente a inexistência de qualquer ato fraudulento ou abusivo por ela praticado que amparasse a decretação da medida durante o tempo em que esteve à frente da Cooperativa, vê-se que a recorrente esteve na Presidência da Cooperativa durante quase três anos, entre julho de 1995 e abril de 1998, e nesse período, de acordo com as contra-razões dos agravados e pelos documentos que juntaram, ocorreram as sondagens e escavações na área (fls. 166/167).

E, no caso, como foi destacado pelo ilustre Desembargador Relatar Maia da Cunha no V. Acórdão proferido em outro Agravo de Instrumento (nº 290.722-4/1), versando os mesmos fatos, a Cetesb, no Parecer Técnico n° 03/ECC/02, de 28 de março de 2002, esclareceu no item 3.2 que “O mapeamento superficial de resíduos, embora tenha sido feito de maneira expedita, mostra claramente que os materiais foram depositados de forma descontrolada e aleatória, sendo bastante improvável que esse fato passasse despercebido desde a época da preparação do terreno para início das obras de construção dos edifícios. Também, durante as fases de prospecção e construção das fundações o fato da área ter sido utilizada como depósito deve ter sido evidente” (fls. 376), o que, pelo menos em linha preliminar, impõe a responsabilidade das empresas e dos seus dirigentes, razão mais que suficiente para a decretação da medida.

O que se extrai da informação técnica, em última análise, é que não havia como os requeridos desconhecerem as graves condições da área sobre a qual foi empreendido o conjunto residencial em pauta.

A decisão judicial, de forma irrepreensível, abordou o fato de as pessoas físicas integrantes das pessoas jurídicas deverem suportar os danos resultantes do empreendimento, pelo abuso ao direito dos consumidores e por terem dele se beneficiado (fls. 127/128), também destacou que a documentação dos autos permitia inferir que houve abuso por parte dos integrantes da PAULICOOP e SQG na formação da Cooperativa Habitacional Nosso Teto, que teve por escopo tão somente possibilitar a negociação das unidades autônomas (fls. 128), fundamentos que não foram refutados pela agravante e que dão inteira guarida à medida decretada.

E para encerrar, peço vênia para reproduzir as ponderações lançadas pelo ilustre Desembargador Maia da Cunha, no recurso acima destacado, que bem ilustram a situação e o acerto da decisão (fls. 375):

Agiu acertadamente o digno Magistrado sentenciante ao aplicar o art. 28 do Código de Defesa do Consumidor e, desconsiderando a pessoa jurídica das empresas situadas no pólo passivo, decretar o seqüestro dos bens imóveis pertencentes às pessoas físicas. A confusão de sócios e sociedades na construção e venda das unidades autônomas do empreendimento, a induzir, pelo menos em tese, malícia na tentativa de desfiguração para efeito de responsabilidade pela venda de mais de 50 prédios construídos em terreno condenado, justificava plenamente a despersonalização das pessoas jurídicas para preservar os verdadeiros princípios informadores da responsabilidade perante os consumidores adquirentes.

Nessa linha de entendimento não se há de cogitar de ilegitimidade passiva das pessoas físicas colocadas no pólo passivo da demanda. A responsabilidade que deriva da desconsideração da pessoa jurídica, pelos motivos informados já na antecipação da tutela que ora se confirma, afasta por completo a insurgência contra a legitimidade das pessoas físicas. (cf. fls. 390/396).”

Diante do exposto, não se conhece do recurso.

REIS KUNTZ

Relator

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