Negócio arriscado

MP dos bingos vai entupir a Justiça do Trabalho de ações

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4 de março de 2004, 14h07

Não bastassem todas as polêmicas geradas pela Medida Provisória 168, especialmente sobre sua constitucionalidade ou não, questões paralelas surgiram. Pela imprensa, pessoas gabaritadas estão expondo suas opiniões, porém, sem consistência jurídica.

Deixando de lado a questão da constitucionalidade ou não da Medida Provisória, o que mais se ouviu e se leu nos últimos dias sobre a proibição dos bingos, foi o grande número de desemprego que o fechamento dos bingos causaria. Todavia, alguns advogados e jornalistas de respeito, como por exemplo Boris Casoy, e até mesmo o ministro da Justiça deram declarações no sentido de que não se pode manter as casas de bingo sob o argumento de que geram milhares de empregos, pois se assim fosse, poder-se-ia dizer também que o tráfico de entorpecente, o tráfico de arma e a prostituição são também grandes fontes de emprego.

Com todo respeito que merecem as pessoas que assim entendem, tais argumentos são totalmente infundados.

O argumento de que prostituição gera também emprego não vinga, pois, não é e nunca foi crime se prostituir. A venda ou aluguel do próprio corpo já vem de muitos séculos. Não é, portanto, crime algum se prostituir. É considerado crime a exploração da prostituição, a manutenção de casas de favorecimentos, etc… Mas já há projetos de lei regulamentando a prostituição, regulamentação, aliás, que o próprio ministro da Justiça entende correta.

Com relação ao tráfico de drogas e armas, a questão é outra. Nunca, jamais o governo incentivou, autorizou, fomentou ou deu concessão para que se explorassem o tráfico de drogas ou de armas. Muito pelo contrário, o governo sempre combateu ou pelo menos tentou e tenta combater essas atividades criminosas.

Diferentemente da exploração dos bingos, em que foi editada uma lei (Lei Pelé), onde o governo autorizava e incentivava a exploração do bingo, pois, parte da verba seria distribuída para associações desportivas e atletas amadores, e além de beneficiar diretamente o desporto nacional, era uma fonte de arrecadação muito bem vinda.

Ora, então o governo incentiva, edita uma lei possibilitando a exploração do jogo do bingo, os empresários acreditando no governo investem alto, compram imóveis, máquinas, aparelhos, contratam funcionários, promovem suas casas tudo com o incentivo governamental e de um dia para o outro, apenas para mascarar um escândalo, edita Medida Provisória onde expressamente dispõe que ficam declaradas nulas e sem efeitos todas as licenças, permissões, concessões ou autorizações para exploração dos jogos de azar e que a Caixa Econômica Federal e autoridades referidas na Medida Provisória deverão proceder à rescisão unilateral imediata dos contratos vigentes ou revogar os atos autorizadores do funcionamento dos respectivos estabelecimentos, sem nenhum tipo de indenização.

Agora, o cidadão que confiou no governo, investiu, gerou milhares de empregos, deu lazer à população, ajudou associações esportivas e atletas amadores, inclusive, alguns famosos, tem que arcar com o prejuízo sozinho?

Não se pode deixar de lado o fato de que os mais de 320.000 funcionários que serão demitidos terão direito a levantar o FGTS e mais a multa de 40%, pois serão despedidos sem justa causa, sem contar que o empregador tem que depositar mais 10% do valor do fundo para o governo. Então, além de serem prejudicados por acreditarem no governo, terão ainda que por culpa exclusiva dele pagar multa e ainda agraciá-lo com 10% do valor do FGTS. Parece brincadeira, mas não é. É isso mesmo. O empresário incentiva o esporte, gera receita para o governo e em troca recebe um prejuízo enorme e o dever de pagar 10% de “gorjeta” ao seu algoz.

Não podemos esquecer também, que se trata de Medida Provisória, assim, poderá o Congresso Nacional não convertê-la em lei, e aí como fica a questão?

Os empresários demitem, os funcionários entopem a Justiça do Trabalho de ações, o governo recebe seus 10%, e depois a Medida Provisória não é convertida em lei. E mais: podendo, inclusive, ser aprovado o projeto de lei que tramita no Congresso Nacional regulamentando o jogo.

Como se percebe, a questão é muito mais delicada do que aparenta. Envolve não só matéria jurídica como social, pois, o mesmo governo que quer controle do Judiciário, reclama, com razão, da demora da Justiça, é quem mais ajuda a aumentar o problema.

Imaginemos que metade dos trabalhadores demitidos ingressem com ações na Justiça, serão nada mais nada menos que aproximadamente 150 mil ações referentes ao mesmo caso. Imaginemos agora, que todos os empresários que se sentirem prejudicados ingressem também na Justiça pleiteando indenizações, sem contar os mandados de segurança e as ações diretas de inconstitucionalidade, a Justiça que já é abarrotada ficará ainda mais congestionada.

E não pára por aí. Se forem julgadas procedentes as indenizações de onde o governo vai tirar dinheiro para pagar, já que está pagando em suaves parcelas a correção do fundo de garantia na época do plano Collor?

Assim, o mesmo governo que reclama da morosidade da Justiça é quem mais colabora para tanto.

Mas não é só. A Medida Provisória envolve não só matéria constitucional, mas também administrativa, e é tranqüilo o entendimento dos administrativistas no sentido de que quando o Estado rescinde unilateralmente um contrato, por motivo de força maior ou conveniência deve sim pagar indenização a quem de direito (Art. 37 Lei 8.987/95), não podendo simplesmente revogar concessões e deixar quem investiu a ver navios.

Maria Sylvia di Pietro assim ensina “a rescisão por motivo de interesse público, ou ocorrência de força maior ou caso fortuito, a Administração fica obrigada a ressarcir o contratado dos prejuízos regularmente comprovados.”

E finalmente, muitas pessoas ainda criticam as casas de bingo, alegando que vicia, que é caminho para lavagem de dinheiro e que a sonegação fiscal impera.

Pois bem, primeiro, no Brasil há outros tipos de jogos como loterias, mega-sena etc…, que custam o mesmo valor ou até mais do que cartelas de bingo. Segundo, ninguém é forçado a entrar numa casa de bingo, entra quem quer, ou melhor, maiores de 18 que já tem consciência dos seus atos. Terceiro, como já sustentado em artigo anterior há inúmeras outras atividades que facilitam a lavagem de dinheiro e finalmente, é muito, mas muito mais vantajoso para o governo fiscalizar essas casas de bingos, para que efetivamente atuem na regularidade, criando empregos e pagando seus impostos gerando renda, inclusive, para pagar os funcionários que fiscalizarão as casas do que simplesmente proibi-las, aumentando desemprego, acabando com o lazer de muitos e diminuindo receita.

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