Patrimônio brasileiro

Registro da marca cupuaçu é invalidado no Japão

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3 de março de 2004, 17h39

O patrimônio natural e cultural do Brasil tem sido seriamente ameaçado pela ação de empresas e grupos organizados, que se aproveitam da frágil proteção aos bens de propriedade intelectual do País e partem para a tentativa de apropriação. Mas a iniciativa privada e o terceiro setor decidiram dar um basta no problema.

O Instituto de Direito do Comércio Internacional e Desenvolvimento (IDCID) com a ajuda das ONGs Amazonlink, Rede GTA e Associação de Produtores Alternativos de Rondônia, e do escritório Trench, Rossi, Watanabe Advogados, conseguiram uma importante vitória para os brasileiros nesse sentido. O “Japan Patent Office” invalidou o registro da marca “cupuaçu”, de titularidade da empresa multinacional japonesa AsahiFoods.

“Essa foi uma estratégia que a empresa utilizou para ter monopólio do comércio de cupuaçu em diversos países. Nós começamos a agir pelo Japão porque quando descobrimos o que havia sido feito já estava por esgotar o prazo que tínhamos para reclamar o registro. Entretanto, estamos coordenando várias outras ações e também tentando promover medidas preventivas para que estes fatos não voltem a ocorrer, ou pelo menos sejam mais fáceis de se descobrir e remediar”, afirma o membro fundador do grupo de trabalho de Propriedade Intelectual do IDCID, Edson Beas Rodrigues.

A vitória é apenas uma batalha, já que a marca foi registrada em diversos outros países — além de no Japão, a mesma empresa fez o registro na Alicant (que cobre todo o território da União Européia) e também nos estados Unidos –, mas é uma importante conquista na tentativa de repatriação dos patrimônios naturais brasileiros. Na categoria de bens ameaçados estariam a propriedade de nomes de produtos da flora e, ainda, conhecimentos tradicionais, desenvolvidos por grupos étnicos do País.

Segundo especialistas do escritório Clarke, Modet, as empresas estrangeiras, além de já ter depositado pedidos de registro de marcas para nomes como “andiroba” e “cupuaçu” (produtos naturais da Amazônia), já estão de olho nas técnicas medicinais e até métodos culinários de tribos indígenas e remanescentes de quilombos.

Beas lembra que a acerola e outros produtos naturais brasileiros — sem contar os produtos manufaturados ou industrializados como a cachaça, que foi registrada por uma empresa em Taiwan — foram vítimas da despatriação. Entre os grandes problemas que permitem que esse tipo de coisa aconteça estariam as dificuldades pelas quais passam o Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (INPI).

“O Instituto está sucateado. Ele recebe verba, mas tem que dá-la ao governo, que não lhe repassa o suficiente para que ele possa ser um órgão eficaz de proteção e fiscalização. Mas também o problema não acontece apenas no Brasil. Os exportadores italianos de presunto Parma, por exemplo, não podem vender no Canadá, porque a marca foi registrada lá por uma empresa”, justifica Beas.

Para Elisa Santucci, do Clarke, Modet, o episódio do nome “cachaça”, que está sendo pleiteado junto à OMA (Organização Mundial de Aduanas) pelos produtores brasileiros como produto nacional, mas que enfrenta dificuldades por causa da marca registrada em Taiwan, o registro por uma empresa estrangeira não traz prejuízos apenas aos fabricantes. Segundo ela, fica difícil a divulgação de um típico produto de exportação brasileiro, ao qual seria facilmente associado a “marca”.

Segundo Beas, a ação no Japão teve ainda um objetivo simbólico. “Queríamos chamar a atenção do Poder Público para a situação. Conseguimos. A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, chegou a alardear o problema, entrando na campanha contra a biopirataria dos produtos brasileiros. No entanto, o governo não nos ofereceu nenhum aporte financeiro. E é graças ao terceiro setor que estamos vencendo esta luta”, comenta Beas.

Como medida preventiva, ele explica que houve um congresso em Brasília sobre “Ameaças e oportunidades para a Amazônia”, onde o assunto foi muito discutido, e o IDCIP sugeriu que fosse feita uma listagem detalhada dos produtos naturais brasileiros, caracterizando-os, para poder facilitar o controle. “Soubemos agora que a indústria de cosméticos Natura encabeçou o projeto e já contratou o advogado italiano Pietro Ariboni para auxiliar na empreitada”, finaliza o especialista em Propriedade Intelectual do IDCID.

Com a decisão japonesa, encerra-se a via administrativa no Japão em relação a esta questão (ou seja, nenhum outro recurso administrativo pode ser interposto para tentar invalidar a decisão). Entretanto, é importante notar que a Asahi Foods possui o prazo de trinta dias contados da data do recebimento da decisão para, se quiser, recorrer de um recurso judicial no Tribunal de Tóquio (Tokyo High Court).

Leia abaixo os argumentos que fundamentam a decisão

(a) a designação “CUPUAÇU” é o nome de uma fruta da qual se extraem óleos e gorduras comestíveis; ao ser utilizada para distinguir os referidos óleos e gorduras, o nome seria a designação comum de uma matéria prima e, portanto, recairia na proibição prevista no artigo 3º, parágrafo 1º, item “iii” da Lei de Marcas do Japão; e

(b) por razões de proteção da concorrência e dos direitos do consumidor, com fundamento no artigo 4º, parágrafo 1º, item “xvi” da mesma lei, os examinadores do JPO consideraram a marca “CUPUAÇU” capaz de ludibriar o público, uma vez que foi registrada em 1998 pela Asahi para designar alimentos que utilizassem quaisquer gorduras e óleos naturais em sua composição e, portanto, neste caso a empresa poderia vir a fabricar um alimento sem a gordura ou óleo do Cupuaçu, mas com a designação comercial “CUPUAÇU” em seu rótulo.

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