Mudança legal

Regra que altera regime de aposentadoria é constitucional, diz MPF.

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31 de maio de 2004, 12h41

É constitucional, na opinião do Ministério Público Federal, a norma contida na Emenda Constitucional 41/2003, que alterou o regime de aposentadoria dos servidores públicos. O parecer, emitido na Ação Direta de Inconsti-tucionalidade (ADI) proposta pela Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp), é do vice-procurador-geral da República, An-tonio Fernando Barros e Silva de Souza.

A Conamp recorreu ao Supremo Tribunal Federal alegando que a alteração promovida pelo artigo 2º e a revogação do artigo 8º da Emenda Consti-tucional 20/98 violam o princípio da irretroatividade das leis. Pelo princípio, “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa jul-gada”, conforme estabelece o inciso XXXVI do artigo 5º.

Segundo Antonio Fernando Barros, o artigo 8º da EC 20/1998, ao estabele-cer requisitos para aquisição do direito à aposentadoria mais favoráveis do que os previstos no artigo 40 da Constituição, atuou exclusivamente sobre expectativa de Direito. Ele acrescentou: “é que a expectativa de direito, por residir no plano fático, somente converte-se em direito adquirido quando im-plementados integralmente todos os requisitos previstos na norma. Antes da integral implementação dos elementos descritos na norma, há apenas situação fática, não há direito”.

Para o vice-procurador-geral, por exprimirem realidades diversas, a expec-tativa de direito e o direito adquirido recebem tratamento jurídico diferentes. Ele afirmou que a Constituição assegura plena eficácia ao direito adquirido, mas o mesmo não ocorre no que se refere à expectativa de direito, “porque não se completou o fato necessário à aquisição do direito”.

Em seu parecer, aprovado pelo procurador-geral da República Cláudio Fon-teles, Antonio Fernando Barros frisou que o artigo 8º da EC 20/1998 previu regime jurídico de aposentadoria de transição, e o entendimento do STF é no sentido de que não há direito à inalterabilidade de regime jurídico. Ele ressaltou que os servidores alcançados pela norma, que ainda não haviam implementado todos os requisitos nela previsto, permaneciam em situação de expectativa de direito e, por isso, “não há, na norma e na expressão questionadas pela autora, qualquer desconsideração ao artigo 5º, inciso XXXVI da Constituição da República, ou a outro preceito constitucional”. (PGR)

Leia a íntegra do parecer:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Nº 3104-8

REQUERENTE: Associação Nacional dos Membros do Ministério Público – CONAMP

REQUERIDO: Congresso Nacional

RELATORA: Exma. Sra. Ministra Ellen Gracie

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ARTIGO 2º E EX-PRESSÃO “8º” PREVISTA NO ARTIGO 10, AMBOS DA EMENDA CONS-TITUCIONAL Nº 41/2003. O ART. 8º DA EC Nº 20/1998 NORMATIZA RE-GIME JURÍDICO DE APOSENTADORIA, DE TRANSIÇÃO. NÃO HÁ DI-REITO Á INALTERABILIDADE DE REGIME JURÍDICO. PRECEDENTES. OS SERVIDORES ALCANÇADOS PELO ART. 8º DA EC Nº 20/1998 ERAM TITULARES DE EXPECTATIVA DE DIREITO. HIPÓTESE EXCLUÍDA DA INCIDÊNCIA DO ARTIGO 5º, INCISO XXXVI, DA CONSTITUIÇÃO DA RE-PÚBLICA. COMPATIBILIDADE CONSTITUCIONAL DAS NORMAS IM-PUGNADAS. PARECER PELA IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO.

1.A Associação Nacional dos Membros do Ministério Público – CONAMP, entidade a que se tem reconhecido legitimidade ad cau-sam (1) para provocar o controle abstrato de constitucionalidade, a-poiada em pareceres de Celso Antonio Bandeira de Mello, Diogo de Figueiredo Moreira Neto e José Afonso da Silva, ajuizou ação direta de inconstitucionalidade em face do inteiro teor do artigo 2º e da expressão “8º”, do artigo 10, ambos da Emenda Constitucional nº 41, de 19 de dezem-bro de 2003, sob o fundamento de que a referida norma e a expressão indi-cada violam o inciso XXXVI, do artigo 5º combinado com o inciso IV, § 4º, do artigo 60, da Constituição Federal.

2.Eis o teor dos dispositivos normativos impugnados:

“Art. 2º Observado o disposto no art. 4º da Emenda Constitucional nº 20, de 15 de dezembro de 1998, é assegurado o direito de opção pela aposentado-ria voluntária com proventos calculados de acordo com o art. 40, §§ 3º e 17, da Constituição Federal, àquele que tenha ingressado regularmente em cargo efetivo na Administração Pública direta, autárquica e fundacional, até a data de publicação daquela Emenda, quando o servidor, cumulativamen-te:

I – tiver cinqüenta e três anos de idade, se homem, e quarenta e oito anos de idade, se mulher;

II – tiver cinco anos de efetivo exercício no cargo em que se der a aposenta-doria;

III – contar tempo de contribuição igual, no mínimo, à soma de:

a) trinta e cinco anos, se homem, e trinta anos, se mulher; e

b) um período adicional de contribuição equivalente a vinte por cento do tempo que, na data de publicação daquela Emenda, faltaria para atingir o limite de tempo constante da alínea a deste inciso.


§ 1 º O servidor de que trata este artigo que cumprir as exigências para a-posentadoria na forma do caput terá os seus proventos de inatividade redu-zidos para cada ano antecipado em relação aos limites de idade estabeleci-dos pelo art. 40, § 1º, III, a, e § 5º da Constituição Federal, na seguinte pro-porção:

I – três inteiros e cinco décimos por cento, para aquele que completar as e-xigências para aposentadoria na forma do caput até 31 de dezembro de 2005;

II – cinco por cento, para aquele que completar as exigências para aposen-tadoria na forma do caput a partir de 1º de janeiro de 2006.

§ 2º Aplica-se ao magistrado e ao membro do Ministério Público e de Tribu-nal de Contas o disposto neste artigo.

§ 3º Na aplicação do disposto no § 2º deste artigo, o magistrado ou o mem-bro do Ministério Público ou de Tribunal de Contas, se homem, terá o tempo de serviço exercido até a data de publicação da Emenda Constitucional nº 20, de 15 de dezembro de 1998, contado com acréscimo de dezessete por cento, observado o disposto no § 1º deste artigo.

§ 4º O professor, servidor da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, que, até a data de publi-cação da Emenda Constitucional nº 20, de 15 de dezembro de 1998, tenha ingressado, regularmente, em cargo efetivo de magistério e que opte por aposentar-se na forma do disposto no caput, terá o tempo de serviço exer-cido até a publicação daquela Emenda contado com o acréscimo de dezes-sete por cento, se homem, e de vinte por cento, se mulher, desde que se aposente, exclusivamente, com tempo de efetivo exercício nas funções de magistério, observado o disposto no § 1º.

§ 5º O servidor de que trata este artigo, que tenha completado as exigências para aposentadoria voluntária estabelecidas no caput, e que opte por per-manecer em atividade, fará jus a um abono de permanência equivalente ao valor da sua contribuição previdenciária até completar as exigências para aposentadoria compulsória contidas no art. 40. § 1º, II, da Constituição Fe-deral.

§ 6º Às aposentadorias concedidas de acordo com este artigo aplica-se o disposto no art. 40, § 8º, da Constituição Federal.

Art. 10. Revogam-se o inciso IX do § 3º do art. 142 da Constituição Federal, bem como os arts. e 10 da Emenda Constitucional nº 20, de 15 de dezembro de 1998.

3.Afirma a requerente que a “norma inserida no artigo 8º da Emenda Constitucional nº 20, de 1998, diversamente daquela inscrita no artigo 40 da Constituição de 1988, não estabelecia regime jurídico de aposentadoria pa-ra os servidores públicos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios”, mas sim o dispositivo “assegura verdadeiro direito subje-tivo ao servidor público” que houvesse ingressado no serviço público até a data da EC nº 20, de 1998, de sorte que a alteração promovida pelo artigo 2º da EC nº 41/2003, assim como a revogação do artigo 8º da EC 20/98, prevista no artigo 10 já mencionado, contrariam o preceito contido no inciso XXXVI, do artigo 5º, da Constituição Federal, que consagra o princípio da irretroatividade das leis, segundo o qual “a lei não prejudicará o di-reito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”.

4.Argumenta a autora que a norma de transição (art. 8º da EC 20/98) entre o regime jurídico de aposentadoria imposto pelo constituinte ori-ginário em 1988 e o regime jurídico de aposentadoria estabele-cido pelo constituinte derivado em 1998, assegurou a determinados servido-res públicos direito subjetivo que se incorporou, com os condicionamentos ali fixados, ao patrimônio jurídico de cada um dos aludidos servidores, que, portanto, são titulares de direito adquirido, e este, como é integrante do rol dos direitos e garantias fundamentais, não pode ser atingido por Emenda Constitucional, nos termos previstos no inciso IV, do parágrafo 4º, do artigo 60, pelo qual não “será objeto de deliberação a proposta de emenda ten-dente a abolir (…) os direitos e garantias fundamentais”.

5.O requerido, nas informações de fls. 210/216, aduz falta de interesse de agir da requerente, tendo em vista o que o art. 3º da Emenda Constitucional impugnada assegura “a concessão, a qualquer tempo, de aposentadoria aos servidores públicos, bem como pensão aos seus dependentes, que, até a data de publicação desta Emenda, tenham cumprido todos os requisitos para obtenção desses benefícios, com base nos critérios da legislação en-tão vigente.”

6.Sustenta também que, na eventualidade de violação a direito adquirido, o problema deverá ser solucionado no caso concreto, pela via do controle di-fuso, e não por meio de ação direta de inconstitucionalidade, “pois a questão seria de aplicação da legislação no tempo e não de constitucionali-dade de Emenda”. Argumenta, finalmente, que o art. 8º invocado pela requerente criou mera expectativa de direito, o que não impede que seja modificado, como foi, pelo art. 2º da EC nº 41/03.


7.A Advocacia-Geral da União afirma a constitucionalidade dos dispositivos impugnados porque, em relação aos servidores que ainda não haviam im-plementado todos os requisitos necessários à aposentadoria, não se verifica ofensa a direito adquirido. Os servidores em referência tinham apenas ex-pectativa de direito, situação que não se confunde com a titularidade de di-reito já formado. As normas questionadas modificaram o regime jurídico da aposentadoria e o Supremo Tribunal Federal tem reafirmado a inexis-tência de direito adquirido a regime jurídico.

8.Alega, ademais, apoiada em opinião de Paulo Modesto, que o artigo 60º, § 4º inciso IV da Constituição da República, não considera cláu-sula pétrea os direitos adquiridos, “mas sim a garantia dos direi-tos adquiridos, isto é, a norma enunciada no artigo 5º, XXXVI, do texto cons-titucional, inscrita no Título dos Direitos e Garantias Fundamentais”, de sorte que somente esta norma não pode ser suprimida. Um ou outro preten-so direito adquirido poderia ser atingido por emenda constitucional.

9.Tendo em vista que o artigo 3º da Emenda Constitucional nº 41/2003 diz respeito aos servidores que, até a data da sua edição, já implementaram o direito à aposentadoria, revela-se improcedente o argumento no sentido de que falta interesse jurídico à autora, na medida em que a norma objeto da ação trata precisamente daqueles que ainda não adquiriram o referido direito.

10.Não tem apoio no Direito a alegação no sentido de que a questão não é de validade constitucional das normas questionadas, mas sim de aplicação da norma no tempo, de sorte que eventual ofensa a direito deveria ser obje-to de apreciação dos casos concretos. Nada impede que normas impugna-das, tidas pela autora como inconstitucionais, sejam submetidas ao controle abstrato.

11.Por outro lado, o Ministério Público considera desprovida de consistência a interpretação atribuída ao artigo 60 § 4º inciso IV da CF/88 pela AGU, no sentido de que somente seria inconstitucional a alteração do próprio inciso XXXVI, do artigo 5º, ou seja, a previsão geral e abstrata existente no elenco dos direitos e garantias individuais, e não o prejuízo imposto concre-tamente ao conteúdo de um direito adquirido. Tal interpretação não se sus-tenta, lógica e juridicamente, na medida em que esvazia o conteúdo dos di-reitos adquiridos e supõe no texto constitucional uma divisão entre os direi-tos e as garantias, na realidade inexistente, conforme lição de José A-fonso da Silva:

“ (…) Não são nítidas, porém as linhas divisórias entre direitos e garantias, como observa Sampaio Dória, para quem “os direitos são garantias, e as garantias são direitos”, ainda que se procure distingui-los. Nem é decisivo, em face da Constituição, afirmar que os direitos são declaratórios e as ga-rantias assecuratórias, porque as garantias em certa medida são declaradas e, às vezes, se declaram os direitos usando forma assecuratória. A Consti-tuição, de fato, não consigna regra que aparte as duas categorias, nem se-quer adota terminologia precisa a respeito das garantias.” (2)

12.A se admitir a consistência da interpretação proposta pela AGU, ter-se-ia caracterizada situação paradoxal, segundo a qual determinado sujeito não poderia perder a garantia constitucional de preservação do direito adquirido, mas cada um de seus direitos adquiridos poderia ser suprimido individual-mente conforme o desejo do legislador constituído. É que, sem a proteção dos direitos adquiridos singularmente considerados, o preceito constitucio-nal restaria inócuo e sem aplicação. Afinal, de que adiantaria garantir a pro-teção abstrata e genérica dos direitos adquiridos se o conteúdo de cada di-reito adquirido individualmente considerado, pudesse ser concretamente atingido por emendas ao texto constitucional?

13.A tudo confirmar, tenha-se por bem presente que o art. 5º, com to-dos os seus incisos, do texto constitucional é posto no Capítulo primeiro: “Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos”, o que deixa claro que o direito adquirido, ainda que individual, recebe a prote-ção constitucional.

14.Portanto, a própria Constituição, no tema, não abriu espaço a dis-tinção. Antes, conferiu-lhe tratamento em harmonia: direito e deveres individuais e coletivos, de sorte que, injurídica, data venia, a distinção que se quer operar.

15.O Ministério Público Federal tem como certo que o poder de emendar a Constituição é manifestação do chamado poder constituinte derivado, ou em linguagem mais apropriada, do poder constituído, que difere subs-tancialmente do poder constituinte originário, único apto a inaugurar nova ordem jurídica, e, por isso, legitimado a impor a alteração ou a supres-são das garantias e direitos individuais.


16.Sendo o poder de emendar um poder subalterno, está obrigado a respei-tar os limites de atuação estabelecidos pela Constituição Federal que, de forma expressa, impõe, em seu artigo 60, § 4º, inciso IV, a proteção dos di-reitos e garantias individuais, erigidos à categoria de cláusula pétrea (3):

“Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:

……………………………………………………………….

§ 4º. Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abo-lir:

……………………………………………………………….

IV – os direitos e garantias individuais.”

17.O respeito ao ato jurídico perfeito, ao direito adquirido e à coisa julgada, proclamado no artigo 5º, inciso XXXVI, do texto constitucional, está inserto no rol dos direitos e garantias individuais, inatingível, portanto, à modifica-ção por via da emenda constitucional.

18. José Afonso da Silva, no parecer trazido à colação pela auto-ra, observa:

“4. Quanto às normas constitucionais derivadas, a questão tomou novo rumo com a Constituição de 1988, de sorte que se pode dizer que é pacífico, na doutrina hoje, que emendas à Constituição não po-dem ofender o direito adquirido (Cf. Manoel Gonçalves Ferreira Fi-lho, “Poder constituinte e direito adquirido!, RDA 210/1 e ss.. Carlos Ayres Britto e Valmir Pontes Filho, “Direito adquirido contra as emendas constitu-cionais”, RDA 202/75 e ss.; José Afonso da Silva, “Reforma constitucional e direito adquirido”, RDA 213/121 e ss., reproduzido no livro do autor Poder Constituinte e poder popular, Saio Paulo, Malheiros, 2002, pp. 221 e ss.; Hudo Nigro Mazzilli, Revista AP/MP 17/5 e ss.; Elival da Silva Ramos, Proteção aos direitos adquiridos no direito constitucional brasileiro, São Paulo, Saraiva, 2003, p. 238). Não é sequer necessário descer a considerações tal como a de saber se no termo “lei” do inc. XXXVI do art. 5º da Constituição Federal se inclui também as emendas constitu-cionais, porque os fundamentos da intocabilidade do direito adquirido por elas se encontra na vedação constante do art. 60, § 4º, IV”. (fls. 72)

19.É este também o entendimento do Ministro Carlos Ayres Britto e de Val-mir Pontes Filho:

“ Em síntese, a norma constitucional veiculadora da intocabilidade do direito adquirido é norma de bloqueio de toda função legislativa pós-Constituição. Impõe-se a qualquer dos atos estatais que se integrem no “processo legisla-tivo”, sem exclusão das emendas. Não fosse assim, teríamos que dizer do direito adquirido aquilo que o gênio de Dostoievski hipotetizou em relação ao próprio Deus: ‘ Se Deus não existe, então tudo é permitido’.” (4)

20.É de se reconhecer nas expressões direito adquirido, coisa julgada e ato jurídico perfeito realidades que se consumaram, ou se aperfeiçoaram, e não se pode negar que o Direito, ciência normativa das condutas humanas em intera-ção, tem na preservação do que validamente perfez-se – aqui, e assim, a adequada compreensão de segurança jurídica – a essên-cia do seu significado, por isso que somente a fonte primária – o constituinte originário – pode tudo desfazer, e realizar o novo.

21.O que advém por derivação – tal o que resulta do procedimento de e-menda – não pode desconstituir o consolidado pelo próprio Di-reito, no direito adquirido, no ato jurídico perfeito e na coisa julgada, reafirmo.

22.Estabelecidas tais premissas, para que se verifique a validade constitu-cional das normas impugnadas pela autora é indispensável que se qualifi-que a natureza do artigo 8º da EC nº 20/1998, bem como dos seus efeitos em relação aos servidores. Trata-se de regra que estabelecia regime ju-rídico ou norma que, de pleno direito, concedia direito a titulares de mera expectativa de direito? Os servidores a que se refere devem ser considerados titulares de direito adquirido ou, apenas, de expectativa de direito?

23.Não parece haver dúvida de que o artigo 8º da EC 20/1998 continha norma de transição entre o regime jurídico de aposentadori-a fixado pelo constituinte originário em 1988 e o regime jurídico de aposentadoria estabelecido pelo constituinte derivado em 1998, vale dizer, previa um regime jurídico de aposentadoria de tran-sição aplicável aos servidores que haviam ingressado regularmente em cargo público efetivo, até a data da sua publicação.

24.A circunstância de estabelecer regras de transição entre o antigo e o previsto pelo constituinte derivado de 1998, não alterou a natureza jurí-dica do referido artigo que permanecia dispondo sobre regime jurídico de aposentadoria. Na verdade, o artigo 8º da EC nº 20/1998, ao esta-belecer requisitos para aquisição do direito à aposentadoria mais favoráveis do que aqueles previstos no artigo 40 da CF, com a modificação introduzida pela própria EC nº 20, de 1998, atuou exclusivamente sobre expectativa de direito.

25.É que a alteração operada nos requisitos exigidos para a formação do direito à aposentadoria, promove modificação no suporte fático des-crito na norma, sem repercussão imediata no superveniente direito subjetivo, visto que este somente se constitui com a implementação de todos os elementos nela previstos.

26.Ao contrário do que alega a autora, não havia no artigo 8º da EC 20/98 qualquer comando que, desde logo, atribuísse aos seus destinatários direito à aposentadoria. Vale insistir que a regra em referência limi-tou-se a estabelecer pressupostos fáticos que deveriam ser imple-mentados pelos servidores que ingressaram no serviço público até a data de sua edição para que pudessem adquirir o direito à aposentadoria. Por-tanto, estabelecia regime jurídico de aposentadoria, embo-ra de transição.


27.Porque o referido artigo limitou-se a fixar regras de transição de regime jurídico, a situação dos seus destinatários permaneceu a de titulares de expectativa de direito. Como ensinava Pontes de Miranda, “as expectativas são, certamente, expecta-tivas de direito; não são direitos.” (5) E o mesmo jurista escla-recia: “Quando falo de expectativa (pura) estou necessariamente aludin-do à posição de alguém em que se perfizeram elementos do suporte fáctico, de que sairá fato jurídico, produtor de direito e outros efeitos, porém ainda não todos os elementos do suporte fáctico: a regra jurídica, a cuja incidência corresponderia o fato jurídico, ainda não incidiu, porque su-porte fáctico ainda não há.” (6)

28.Quando uma norma, como ocorria com o artigo 8º da EC nº 20/1998, in-sere entre os elementos que devem compor o suporte fático o im-plemento de um longo período de tempo de serviço e/ou de contribuição, é evidente que se podem identificar, do ponto vista fático, níveis mais ou menos elevados de expectativa, conforme o sujeito esteja próximo ou não de completar o requisito temporal.

29.Entretanto, tais níveis de expectativa, para o Direito, são irrelevan-tes. É que a expectativa de direito, por residir no plano fático, somen-te converte-se em direito adquirido quando implementados integralmente todos requisitos previstos na norma. Antes da integral implementação dos elementos descritos na norma, há apenas situação fática, não há direito.

30.Porque exprimem realidades diversas, a expectativa de direito e o di-reito adquirido recebem tratamento jurídico diverso em face do advento de norma que altera a regulamentação jurídica da matéria. A Constituição da República, como ficou demonstrado acima, assegura plena eficácia ao direito adquirido diante de lei nova. Aliás, garante a sua eficácia, in-clusive contra a atividade do constituinte derivado (art. 60, § 4º inciso VI, CF)

31.O mesmo, entretanto, não ocorre no que se refere à expectativa de direito, visto que a situação do titular da expectativa, porque não se completou o fato necessário à aquisição do direito, é desprovida de rele-vância jurídica.

32.Certo, por um lado, que o artigo 8º da Emenda Constitucional nº 20, de 1998, previu regime jurídico de aposentadoria de transi-ção e que não há, segundo entendimento consolidado nesse Su-premo Tribunal Federal (7), direito à inalterabilidade de regime jurí-dico e, por outro lado, que os servidores alcançados pela referida norma, que ainda não haviam implementado todos os requisitos nela previstos, permaneciam em situação de expectativa de direito, podendo-se, portanto, afirmar com segurança que não há no artigo 2º da Emenda Constitucional nº 41, de 2003, que introduz alterações no regime jurídico de transição, bem como na expressão “8º” constante do artigo 10 da mesma Emenda, a incompatibilidade apontada pela auto-ra.

33.Portanto, não há, na norma e na expressão questionadas pela autora, qualquer desconsideração ao artigo 5º, inciso XXXVI da Constituição da República, ou a outro preceito constitucional.

Ante as considerações acima expostas, manifesta-se o Ministério Público pela improcedência do pedido, diante da compatibilidade a constitucional do artigo 2º, da Emenda Constitucional nº 41/2003 e da expressão “8º” prevista no artigo 10 da mesma emenda.

Brasília, 24 de maio de 2004.

ANTONIO FERNANDO BARROS E SILVA DE SOUZA

VICE PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA

Aprovo:

CLAUDIO FONTELES

Procurador-Geral da República

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