Cartas marcadas

Saddam não deve ter um julgamento imparcial, diz especialista.

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27 de maio de 2004, 14h47

À medida que se aproxima o dia 30 de junho, data acertada pelos Estados Unidos para a devolução do poder aos iraquianos, uma pergunta vem à cabeça das pessoas que estão acompanhando a ocupação do Iraque, em especial aquelas ligadas à defesa dos direitos humanos: como o ex-ditador do Saddam Hussein será julgado pelos crimes que cometeu durante os 24 anos de seu regime?

Para o especialista em Direito Internacional, Tarcíso Del Maso Jardim, o mundo corre o risco de assistir a um julgamento de cartas marcadas. “Eu espero que haja no Iraque instituições capazes de realizar um julgamento imparcial, mas, pelo andar da carruagem, eu duvido que isso ocorra”, afirma.

Tarciso diz que é fundamental que o ex-ditador tenha direito à defesa, feita por advogado próprio, não indicado por terceiros. Além do mais, é necessário que os juízes indicados para o tribunal sejam isentos.

Apesar de avaliar que no Iraque as possibilidades de haver um julgamento conforme os preceitos legais sejam remotas, o especialista acredita que o país é o mais indicado para conduzi-lo.

Outra hipótese seria submeter o caso ao Tribunal Penal Internacional, porém, a maioria dos crimes cometidos por Saddam é anterior a julho de 2002, época em que o tribunal foi estabelecido. Além do mais, nem o Iraque nem os Estados Unidos ratificaram o Tratado de Roma, que criou a instituição.

A princípio, o tribunal só pode julgar crimes cometidos nos territórios dos Estados signatários do referido tratado, bem como aqueles praticados por indivíduos que detêm nacionalidade daqueles, ou ainda, os denunciados pelo Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU).

Tarciso ainda cita a possibilidade de um Estado qualquer julgar Saddam. Isso seria possível com base nas Convenções de Genebra, que versam sobre crimes de guerra. “As violações às Convenções de Genebra podem ser julgadas internamente por qualquer Estado do mundo. Basta vontade e coragem”, afirma.

O ex-ditador praticou várias dessas violações nos conflitos contra o Irã (1980-1988) e o Kuait (1990-1991). No entanto, como o especialista pondera, se isso ocorresse, “poderia haver incitação a novos conflitos [no Iraque]”, já que representaria uma afronta à soberania do país. “Por exemplo, se os Estados Unidos julgassem o Saddam, isso seria explosivo sob o ponto de vista político”.

Assim, diz Tarciso, a saída mais razoável seria a criação de um tribunal ad hoc pelo Conselho de Segurança da ONU. Essa espécie de tribunal é criada para julgar casos específicos, tal como ocorreu com os crimes de guerra praticados na antiga Iugoslávia pelo ex-presidente Slobodan Milosevic e seus partidários contra minorias étnicas durante os anos 90.

Porém, para sua criação, seria necessária aprovação de todos os membros permanentes do conselho, entre eles Estados Unidos e Reino Unido, principais integrantes da coalizão que vem ocupando o Iraque desde abril de 2003.

Novos crimes

Consultor do Senado Federal nas áreas de Relações Internacionais e Defesa Nacional e do Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) e participante das negociações de criação do Tribunal Penal Internacional, Tarciso diz que está prevista para 2009 a revisão da lista que crimes que esta última instituição pode julgar.

Atualmente, apenas genocídio, crimes contra a humanidade, que, na definição do especialista “são violações generalizadas ou sistemáticas contra civis”, como a prática de tortura, e crimes de guerra figuram na relação de crimes que estão sob a alçada do tribunal. “Um dos crimes que pode ser incluído é o de agressão: é quando um Estado viola a soberania de outro”, afirma, citando como exemplo a própria ocupação do Iraque.

Porém, só poderão ser julgadas as agressões praticadas após a inclusão desse tipo de prática na lista da instituição. Outros crimes cogitados nas discussões relacionadas à expansão da esfera de atuação do Tribunal Penal Internacional são o tráfico de entorpecentes e a prática de atos terroristas, tanto da parte de Estados, como de grupos isolados, sejam eles de natureza política ou não.

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