Mordida no bolso

Mc Donald’s é condenado a indenizar ex-funcionário por danos

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25 de maio de 2004, 18h36

A rede Mc Donald’s foi condenada a indenizar um de seus ex-funcionários em mais de R$ 80 mil por danos morais. A rede é acusada de omissão no apoio judicial a Orlando Gorgônio Reis, que levou uma cusparada de um dos clientes da loja depois de ter recusado cheque de terceiros — política adotada pela empresa. Ainda cabe recurso.

Ao pedir que o Mc Donald’s intercedesse em seu favor, Reis obteve a resposta que não poderia indispor-se contra seus clientes e que se “se desse problema sobreviesse algum outro à empresa, seria ele demitido”.

Em dezembro de 2000, ele foi demitido e entrou com uma ação de reparação por danos morais contra a empresa. Ele foi representado pelos advogados Paulo Antonio Papini e Roman Sadowski , do escritório Papini&Sadowski Advogados Associados.

Em 28 de setembro de 2001, o juiz do Trabalho substituto Marcos Favra Neto, da 74ª Vara do Trabalho da Comarca da Capital, julgou parcialmente procedente o processo e condenou a rede a indenizar Reis em R$ 50 mil, que atualizado aos valores de hoje totaliza mais de R$ 80 mil. O Mc Donald’s interpôs Recurso Ordinário para anular a sentença. O ex-empregado interpôs Recurso Ordinário com o objetivo de aumentar o valor da indenização.

A condenação foi mantida pela juíza Maria Doralice Novaes, do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região. Segundo a decisão, a Justiça não poderia deixar de “reconhecer na conduta do empregador a infringência ao princípio da execução de boa-fé, segundo o qual as partes do contrato de trabalho devem lealdade e colaboração mútuas. Não se nos afigura correta a conduta de deixar o trabalhador à própria sorte, quando agredido no ambiente de trabalho em razão da eficiência na prestação dos serviços ao empregador, que ao ser atacada por cliente nada mais fazia do que honrar as regras estabelecidas pela empresa para as vendas”.

Leia a decisão

PROCESSO TRT/SP Nº 38.994/02-3

RECURSO ORDINÁRIO DA 74ª VT DE SÃO PAULO

RECORRENTES: 1º Orlando Gorgonio Reis

2º MC Donald’s Comércio de Alimentos Ltda

Inconformados com a r. Sentença de fls. 531/541, que julgou procedente em parte a ação, cujo relatório adoto, recorrem ordinariamente as partes. Decisão de embargos declaratórios opostos pela ré à fls. 600 acolhidos.

Aduz o reclamante às fls. 543/570 que a decisão não pode ser mantida. Pretende seja aumentado o valor da indenização por danos morais à razão de R$ 200.000,00. Assevera que não exercia cargo de confiança, sendo devidas as horas extraordinárias. Busca a ampliação da condenação.

A reclamada através das razões de fls. 606/624 alega preliminarmente a incompetência em razão da matéria. No mérito, assevera serem indevidas as indenizações por danos morais e materiais. Pretende que o autor seja condenado litigante de má-fé. Busca em suma a reforma do julgado.

Custas à fls. 626.

Depósito recursal à fls. 627.

Contra-razões do autor às fls. 631/655.

Não foram oferecidas contra-razões pela ré.

Parecer da d. Procuradoria Regional do Trabalho às fls. 656/660, pelo conhecimento e improvimento a ambos os recursos

É o relatório.

V O T O

1 – Diante da conexão de parte das matérias aduzidas nos apelos das partes, passo a apreciá-los em conjunto, posto que de ambos devo conhecer, eis que regulares e tempestivos.

PROCESSO TRT/SP Nº 38.994/02-3 = fls. 02 =

2 – Rejeito, de início, a preliminar argüida pela reclamada, no sentido de que a Justiça do Trabalho não teria competência para apreciar o pleito por indenização por dano moral.

Primeiro, porque é lide entre empregado e empregador e a demanda decorre da relação de emprego, tendo plena aplicabilidade, pois, o disposto o art. 114 da Carta Republicana.

Segundo, porque nossa mais Alta Corte, o Supremo Tribunal Federal, analisando o Recurso Extraordinário n.º 238.737-4, publicado no DOU de 05/02/99, com voto da lavra do ilustre Ministro Sepúlveda Pertence, já solucionou a questão entendendo que:

Justiça do Trabalho: Competência: ação de reparação de danos decorrentes da imputação caluniosa irrogada ao trabalhador pelo empregador a pretexto de justa causa para despedida e, assim, decorrente da relação de trabalho, não importando deva a controvérsia ser dirimida à luz do Direito Civil”.

Nada a deferir.

3 – A seqüência dos fatos que convergiram na alegada lesão sofrida pelo autor — o fundamento fático em que se baseia o pedido por indenização por danos morais e materiais — teve início quando, agredido fisicamente, ofendido moralmente e recebido em público uma cusparada de um cliente do estabelecimento da ré, por ter ele, no desenvolvimento de seu mister e, em cumprimento às ordens que lhe foram expressamente passadas pelo empregador, deixado de aceitar um cheque de terceiros, culminaram quando o empregado, sentindo-se maculado no seu prestígio dentro da hierarquia da empresa, na sua imagem profissional, na sua honradez e dignidade pessoais, buscou assistência junto ao seu empregador para a defesa de seus direitos, tendo sido surpreendido com a declaração de que não só não receberia o apoio pretendido como de que: “se desse problema sobreviesse algum outro à empresa, seria ele demitido” (fls. 11).

PROCESSO TRT/SP Nº 38.994/02-3 = fls. 03 =

Não resta dúvida de que a inconseqüente e reprovável conduta da ré atacou a imagem do autor, seu valor moral, causando-lhe consternação, de modo que entendo que o direito do autor de obter reparação pelos danos ocasionados pela conduta da ré é inconteste e correlato ao seu dever de reparar o ilícito praticado.

Aliás, como bem salientado pela douta representante do Ministério Púbico do Trabalho em seu parecer, o autor não está pedindo indenização pela agressão em si sofrida, questão essa resolvida por ele em outra seara. Improcedente, assim, o argumento da recorrente de que está sendo condenada por ato de terceiro. Não se trata disso. O reclamante pede a indenização pelo abandono, desamparo que sofreu por parte da empregadora. Pela omissão desta em prestar-lhe assistência por ocasião dos fatos, verificando-se que era crucial na hipótese a assistência jurídica.

Ao defender-se do pedido assim formulado, que atribuiu-lhe omissão no dever de assistência, percebe-se que a ré limitou-se a dizer que orientou o trabalhador de que “deveria procurar a solução que achasse mais conveniente” (contestação).

Diante de tal assertiva, não vemos como deixar de reconhecer na conduta do empregador a infringência ao PRINCÍPIO DA EXECUÇÃO DE BOA-FÉ, segundo o qual as partes do contrato de trabalho devem lealdade e colaboração mútuas. Não se nos afigura correta a conduta de deixar o trabalhador à própria sorte, quando agredido no ambiente de trabalho em razão da eficiência na prestação dos serviços ao empregador, que ao ser atacada por cliente nada mais fazia do que honrar as regras estabelecidas pela empresa para as vendas”.

Assim, fazendo minhas as palavras da ilustre Procuradora, concluo que a decisão de origem não está a merecer reparos.

4 – O valor do dano atribuído pelo douto juízo a quo levou em conta as condições econômicas das partes, a intensidade da lesão sofrida pelo autor, a posição de ambos na comunidade, a repercussão na esfera do lesado, o potencial econômico social do lesante e as circunstâncias do caso, de modo que a meu ver, alcançaram os objetivos da reparação: a compensação a um, o sancionamento a outro.

PROCESSO TRT/SP Nº 38.994/02-3 = fls. 04 =

Ademais, não se pode esquecer que uma condenação acanhada poderia implicar, na prática, a consagração do próprio ilícito, diminuindo a imagem da vítima e que, uma exagerada, poderia permitir que a mesma viesse a se transformar em especulação ou em enriquecimento sem causa da vítima.

E, como a doutrina e a jurisprudência defendem o caráter punitivo e didático da reparação com a importante função, dentre outras de evitar que se repitam situações semelhantes, vejo que os parâmetros utilizados na origem alcançam todos os objetivos por elas buscados.

Em assim sendo, concluo que o valor fixado a título de indenização está equilibrado e compatível, de modo que as pretensões recursais das partes, buscando uma, o aumento, outra , a diminuição, não merecem acolhimento.

Mantenho o julgado.

5 – O pleito por horas extras não pode, mesmo, ser acolhido.

É que a prova dos autos mostra que o autor, no exercício da função de gerente segundo assistente, tinha como atribuições a organização e o funcionamento da loja; a emissão e o controle de relatórios estatísticos; o treinamento dos empregados; o comando de cerca de 10 a 30 trabalhadores; a distribuição das tarefas e a orientação dos mesmos; o acesso às chaves do cofre; a responsabilidade integral pelo comando da loja, sem a presença de qualquer outro superior, à exceção de sextas-feiras e domingos, quando lá comparecia o GO (Gerente Operador); o recebimento de remuneração bem superior às importâncias pagas aos demais empregados, inclusive aquele intitulado coordenador.

Não tenho dúvida, portanto, no sentido de que as funções do autor estão enquadradas na exceção legal de que trata o inciso II do art. 62 da CLT = dispositivo legal que, de modo algum, está a ferir a Carta Republicana, posto que com ela se revela compatível = de modo que considero indevidas as horas extras pleiteadas.

Confirmo o decisório.

6 – Rejeito, ainda, a preliminar de litigância de má-fé.

PROCESSO TRT/SP Nº 38.994/02-3 = fls. 05 =

O reclamante, através das razões recursais, insurge-se contra os pontos desfavoráveis da condenação, sendo certo ter interpretação diversa do Juízo. Descaracterizada a litigância de má-fé de que trata o art.º 17 do CPC, inaplicável a multa requerida.

Ante o exposto, rejeitando a preliminar argüida, NEGO PROVIMENTO a ambos os recursos. Mantenho o valor arbitrado à condenação e às custas processuais.

MARIA DORALICE NOVAES

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