Poder limitado

STF deve vedar investigações criminais ao Ministério Público

Autor

20 de maio de 2004, 11h24

O Ministério Público deve sofrer em breve a mais severa limitação aos seus poderes desde a promulgação da Constituição Federal de 1988. O Supremo Tribunal Federal está na iminência de proibir a promotores e procuradores a condução de inquéritos criminais. Ou, em outras palavras, fixar que só a polícia pode fazer investigações que tenham cunho penal.

A previsão é de que oito ministros votem pela inadmissibilidade da investigação criminal conduzida pelo MP. Cinco deles já se manifestaram nesse sentido: Marco Aurélio, Carlos Velloso, Nelson Jobim, Gilmar Mendes e Ellen Gracie. Acredita-se que votarão pela admissibilidade os ministros Celso de Mello, Sepúlveda Pertence e Joaquim Barbosa.

Para o presidente da OAB paulista, Luiz Flávio Borges D´Urso, a possibilidade de o STF proibir promotores e procuradores de conduzir inquéritos criminais é altamente positiva. “Sempre defendi que o inquérito policial fosse conduzido pela autoridade policial”, afirma, justificando que a polícia “tem a devida imparcialidade para realizar a apuração dos fatos, podendo colher provar favoráveis ou desfavoráveis ao investigado”. Para o dirigente, admitir que o MP comande a investigação penal desequilibra a harmonia prevista na Constituição Federal para a fase de investigação. “O MP, sendo parte do processo, certamente, tende a procurar provas que sirvam à acusação. Quem acusa, não pode comandar a investigação, porque isso compromete a ótica da isenção”.

Nessa direção, o entendimento marca uma guinada do Tribunal que, em 1997, assentou que a investigação criminal não era monopólio da polícia judiciária, no julgamento da ADIn 1.517-DF. Na ocasião, examinava-se o caso de um juiz que colhera, ele próprio, provas para um processo que julgava. O único a dissentir foi Sepúlveda Pertence, por entender que “a coleta de provas desvirtua a função do juiz de modo a comprometer a imparcialidade deste no exercício da prestação jurisdicional”.

Neste momento, o caso concreto em julgamento é o Inquérito 1.968. A matéria envolve denúncia apresentada contra um deputado que teria fraudado o Sistema Único de Saúde, com base em investigações feitas pelo Ministério Público Federal. Em sua defesa, o deputado alegou atipicidade da conduta, inépcia da denúncia, bem como a falta de justa causa para a ação penal, já que o MPF não teria competência para proceder à investigação de natureza criminal, cabendo-lhe apenas, de acordo com o inciso VIII do artigo 129 da CF, requisitar diligências e a instauração de inquérito policial. O texto constitucional citado diz que “são funções institucionais do Ministério Público: … VIII – requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais”.

O relator ministro Marco Aurélio, considerando que os elementos que serviram de base à denúncia foram obtidos exclusivamente com dados de investigação criminal feita pelo MP, votou no sentido de rejeitar a denúncia, por entender que o Ministério Público, embora titular da ação penal, não tem competência para investigar, diretamente, na esfera criminal, mas apenas para requisitá-las à autoridade policial. O relator foi acompanhado pelo ministro Nelson Jobim.

O julgamento foi interrompido por conta de pedido de vista do ministro Joaquim Barbosa, em outubro do ano passado. Pronto para dar seu voto, o ministro chegou a iniciar sua leitura quando uma crise com a Câmara dos Deputados, que desobedeceu determinação do ministro Cezar Peluso, tumultuou a sessão, que foi interrompida.

A primeira rodada de votos sobre o assunto foi colhida na Segunda Turma, em maio do ano passado. Decidia-se um recurso em habeas corpus (RHC 81.326-DF) de um delegado que fora convocado pelo Ministério Público de Brasília para ser interrogado (leia a transcrição do voto do relator abaixo).

Acompanhado por Velloso, Gilmar e Ellen Gracie, o relator Nelson Jobim considerou que o Ministério Público não tem poderes para realizar diretamente investigações, mas sim requisitá-las à autoridade policial competente, não lhe cabendo, portanto, inquirir diretamente pessoas suspeitas da autoria de crime, dado que a condução do inquérito policial e a realização das diligências investigatórias são funções de atribuição exclusiva da polícia judiciária.

Como precedentes foram citados dois Recursos Extraordinários: o RE 233.072-RJ (DJU de 3.5.2002) e o RE 205.473-AL (DJU de 30.8.99).

Em defesa do amplo poder de investigação do MP invoca-se exemplos antigos, em que a própria polícia era o alvo do inquérito, como o caso do famigerado “esquadrão da morte”, na década de 70; casos mais recentes em que a policia manipulou ou tropeçou na investigação, como nos casos Schincariol (na cidade de Itu) e do bar Bodega (em São Paulo), onde coube ao Ministério Público a tarefa de desvendar os crimes perpetrados.


No dizer de um juiz defensor da amplitude investigatória do MP, “não se pode permitir que o Ministério Público, em vez de ser o órgão da pretensão punitiva do Estado se torne um instrumento da pretensão punitiva da policia”.

Outros exemplos clamorosos citados em favor do MP são os que culminaram com a prisão do juiz aposentado Nicolau dos Santos Neto, do TRT paulista — escândalo integralmente investigado pelo MP; e da inconclusa Operação Anaconda. A revista Consultor Jurídico perguntou à procuradora da República, Janice Ascari, se o MP usa inquérito civil para investigar crime. Ela responde:

“Não. O que ocorre é que muitos atos de improbidade são, também, infrações penais. Da mesma forma, freqüentemente nos deparamos (como foi o caso da Anaconda) com infrações penais que constituem atos de improbidade. Assim, a prova da improbidade é remetida para os procuradores da área criminal e passa a embasar a acusação penal, ou a prova da ação penal é remetida para os da área cível e passa a embasar a ação de improbidade”.

“Diligências investigatórias”, insiste a procuradora, “não são inquérito policial”.

Como parâmetros, Janice invoca a recorrente atividade investigativa da Receita Federal, do INSS e do Banco Central. Outros exemplos mencionados: o Ministério da Justiça criou um departamento para investigar lavagem de ativos, a Corregedoria-Geral da União investiga funcionários públicos. “Por que ninguém argúi a inconstitucionalidade em relação a esses casos, com a mesma veemência, virulência e até desrespeito com que se dirigem habitualmente ao MP?”, pergunta a procuradora.

Leia a decisão que limitou os poderes do MP na Segunda Turma do STF

RHC 81.326-DF* RELATOR : MIN. NELSON JOBIM EMENTA: RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. MINISTÉRIO PÚBLICO. INQUÉRITO ADMINISTRATIVO. NÚCLEO DE INVESTIGAÇÃO CRIMINAL E CONTROLE EXTERNO DA ATIVIDADE POLICIAL/DF. PORTARIA. PUBLICIDADE. ATOS DE INVESTIGAÇÃO. INQUIRIÇÃO. ILEGITIMIDADE. 1. PORTARIA. PUBLICIDADE

A Portaria que criou o Núcleo de Investigação Criminal e Controle Externo da Atividade Policial no âmbito do Ministério Público do Distrito Federal, no que tange a publicidade, não foi examinada no STJ. Enfrentar a matéria neste Tribunal ensejaria supressão de instância. Precedentes.

2. INQUIRIÇÃO DE AUTORIDADE ADMINISTRATIVA. ILEGITIMIDADE.

A Constituição Federal dotou o Ministério Público do poder de requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial (CF, art. 129, VIII). A norma constitucional não contemplou a possibilidade do parquet realizar e presidir inquérito policial. Não cabe, portanto, aos seus membros inquirir diretamente pessoas suspeitas de autoria de crime. Mas requisitar diligência nesse sentido à autoridade policial. Precedentes. O recorrente é delegado de polícia e, portanto, autoridade administrativa. Seus atos estão sujeitos aos órgãos hierárquicos próprios da Corporação, Chefia de Polícia, Corregedoria. Recurso conhecido e provido.

Relatório: O recorrente MARCO AURÉLIO VERGÍLIO DE SOUZA, Delegado de Polícia, foi notificado pelo representante do MINISTÉRIO PÚBLICO DO DISTRITO FEDERAL, para comparecer ao Núcleo de Investigação Criminal e Controle Externo da Atividade Policial, a fim de ser ouvido no Procedimento Administrativo Investigatório Supletivo – PAIS, através do ofício 313/00 de 11 de abril de 2000 (fls. 03 e 57). Este procedimento tem por finalidade apurar fato que, em tese, configura crime, não esclarecido. Contra essa requisição, o recorrente impetrou HABEAS no TJ/DF (fls. 03). O mesmo foi indeferido (fls. 56). O recorrente impetrou HABEAS substitutivo de recurso ordinário no STJ (fls. 02/18). O STJ indeferiu (fls. 95).

Está na ementa: “………………………. Tem-se como válidos os atos investigatórios realizados pelo Ministério Público, que pode requisitar esclarecimentos ou diligenciar diretamente, visando à instrução de seus procedimentos administrativos, para fins de oferecimento de denúncia. ………………………..” (fls. 95). Contra essa decisão, interpôs o presente recurso (fls. 98/115). Nele, reproduz os argumentos deduzidos no HABEAS do STJ. Está nas razões: “………………………. No ofício notificação (Ofício nº 313/00-NICCEAP, do MPDF, de 11.04.2000, que veio desacompanhado de contrafé, e sem os requisitos do art. 352, do CPP, está evidentemente implícito, o crime de desobediência (art. 352, CPP) e a condução coercitiva (art. 218, CPP), posto que requisita a apresentação do corrente. … a Portaria n. 799, de 21.11.96, do chefe do MINISTÉRIO PÚBLICO DO DISTRITO FEDERAL, que criou e instalou o NÚCLEO DE INVESTIGAÇÃO CRIMINAL E CONTROLE EXTERNO DA ATIVIDADE POLICIAL, não foi publicada no diário oficial, contrariando os seguintes dispositivos legais que preconizam o PRINCÍPIO DA PUBLICIDADE: Art. 37, caput, CF; Art. 5º, I, ‘h’, LC 75/93; Art. 5º, V, ‘b’, LC 75/93; Art. 1º, LICC, DL 4657/42; Art. 6º, LICC, DL 4657/42. ……………………….. … a nossa tese é no sentido de que o Parquet não pode realizar, diretamente, tais investigações, mas requisitá-las à autoridade policial …” (fls. 100 e 105). O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL apresentou contra-razões (fls. 119/127). Leio: “………………………. … o acórdão impugnado não tratou, em momento algum, da legalidade ou ilegalidade da portaria do Ministério Público Federal e Territórios que criou o Núcleo de Investigação e Controle Externo da Atividade Policial. Tampouco mencionou a legalidade ou ilegalidade da notificação do Paciente para que comparecesse ao referido núcleo. … deveria o Recorrente ter oferecido embargos declaratórios para que o Colendo Superior Tribunal de Justiça se manifestasse sobre o tema. Não o tendo feito, a defesa deixou que a tal matéria precluísse, não podendo ser objeto de apreciação neste recurso. ……………………….. A intenção da defesa, ao alegar a ausência de publicidade da portaria que criou o Núcleo de Investigação e Controle Externo da Atividade Policial, é anular a notificação feita pelo membro do Parquet para que o Paciente comparecesse à sede do MPDFT para ser ouvido. … independentemente da legalidade ou ilegalidade da portaria em questão, a Lei Complementar nº 75/93 permite aos membros do Ministério Público da União ‘expedir notificação e intimações necessárias aos procedimentos e inquéritos que instaurar…’ (art. 8º, VII). … amparado o ato notificatório em Lei Complementar, torna-se inócua a discussão a respeito da publicidade da portaria de criação do núcleo de controle da atividade policial. Com relação aos poderes investigatórios do Ministério Público, ressalta-se que o inquérito policial tem como destinatário o membro do Parquet, porquanto o Ministério Público é o titular da ação penal pública. … pode o Parquet ‘notificar testemunhas e requisitar sua condução coercitiva, no caso de ausência injustificada; requisitar informações, exames, perícias e documentos de autoridades da Administração Pública direta ou indireta; requisitar informações e documentos a entidades privadas; realizar inspeções e diligências investigatórias, expedir notificações e intimações necessárias aos procedimentos e inquéritos que instaurar’ (incisos I, II, IV, V, VI, VII, do art. 8º, da LC 75/93).


A Constituição Federal, art. 129, I, diz competir, privativamente, ao Ministério Público promover a ação penal pública. Esta atividade depende, para o seu efetivo exercício, da colheita de elementos que demonstrem a certeza da existência do crime e indícios de que o denunciado é o seu autor. A obtenção destes elementos pode ser feita diretamente pelo Ministério Público, pela Polícia Judiciária ou por outros Órgãos que, em razão de suas atividades, possa colher elementos embasadores de uma ação penal. Entender-se que a investigação dos fatos delituosos é atribuição exclusiva da polícia, na verdade, inverteria os papéis constitucionalmente definidos, tornando as polícias, civil e federal, no âmbito das suas atribuições, em verdadeiros titulares da ação penal, na medida em que o Ministério Público somente poderia denunciar aqueles fatos ilícitos que as polícias entendessem por bem investigar, cabendo-lhes decidir, em última análise, em quais casos, quando e como, o Ministério Público poderia agir. ………………………..” (fls. 120/122). A PGR opinou no sentido do não provimento do recurso (fls. 142).

É o relatório.

Voto: O RECURSO tem por objetivo modificar a decisão do STJ que reconheceu validade à requisição expedida pelo MINISTÉRIO PÚBLICO/DF. Essa requisição pretendia fazer o RECORRENTE comparecer ao Núcleo de Investigação Criminal e Controle Externo da Atividade Policial, a fim de ser ouvido em Procedimento Administrativo Investigatório Supletivo (PAIS). Analiso os fundamentos.

1. FALTA DE PUBLICIDADE DA PORTARIA. A falta de publicidade da Portaria nº 799, de 21 de novembro de 1996, que criou o Núcleo de Investigação Criminal e Controle Externo da Atividade Policial, no âmbito do MINISTÉRIO PÚBLICO, embora suscitada perante o STJ, não foi examinada (fls. 03 e 24). Leio, no parecer do MINISTÉRIO PÚBLICO: “………………………. …o acórdão impugnado não tratou, em momento algum, da legalidade ou ilegalidade da portaria do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, que criou o Núcleo de Investigação e Controle Externo da Atividade Policial. Tampouco mencionou a legalidade ou ilegalidade da notificação do Paciente para que comparecesse ao referido núcleo. … deveria o Recorrente ter oferecido embargos declaratórios, para que o Colendo Superior Tribunal de Justiça se manifestasse sobre o tema. Não o tendo feito, a defesa deixou que a tal matéria precluísse, não podendo ser objeto de apreciação neste recurso. ………………………..” (fls. 120). Confirmo no Voto do Relator, Ministro GILSON DIPP: “………………………. Trata-se de habeas corpus contra decisão do e. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, que denegou ordem impetrada em favor do paciente, visando ao trancamento do procedimento administrativo contra ele instaurado pelo Ministério Público local, para a apuração de crime que, em tese, o paciente teria cometido. Em razões, reitera-se alegação de ausência de justa causa para constranger o paciente e comparecer ao Núcleo de Investigação a fim de depor. Sustenta-se, da mesma forma, que o procedimento instaurado pelo Ministério Público seria inconstitucional, afrontando ao Princípio do Devido Processo Legal, eis que a apuração do fato caberia à Polícia, por meio de inquérito policial. ………………………..” (fls. 85).

O RECORRENTE não lançou mão dos embargos para sanar a omissão. Ressuscitar a matéria, agora, caracterizaria supressão de instância. Precedentes: HC 66.825, CARLOS MADEIRA; HC 71.603, HC 73.390 e HC 70.734, CARLOS VELLOSO; HC 76.966, MAURÍCIO CORRÊA; HC 79.948, NELSON JOBIM e HC 81.458, SEPÚLVEDA PERTENCE. Ocorreu a preclusão. 2. FALTA DE LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO. Quanto à falta de legitimidade do MINISTÉRIO PÚBLICO para realizar diretamente investigações e diligências em procedimento administrativo investigatório, com fim de apurar crime cometido por funcionário público, no caso DELEGADO DE POLÍCIA, a controvérsia não é nova. Faço breve exposição sobre sua evolução histórica. Em 1936, o Ministro da Justiça VICENTE RÁO, tentou introduzir, no sistema processual brasileiro, os juizados de instrução. A Comissão da Segunda Secção do Congresso Nacional do Direito Judiciário, composta pelos Ministros BENTO DE FARIA, PLÍNIO CASADO e pelo Professor GAMA CERQUEIRA, acolheu a tese no anteprojeto de reforma do Código de Processo Penal. Ela, entretanto, não vingou. Na exposição de motivos do Código de Processo Penal o Ministro FRANCISCO CAMPOS ponderou acerca da manutenção do inquérito policial. Leio, em parte, a ponderação:

“………………………. … O preconizado juízo de instrução, que importaria limitar a função da autoridade policial a prender criminosos, averiguar a materialidade dos crimes e indicar testemunhas, só é praticável sob a condição de que as distâncias dentro do seu território de jurisdição sejam fácil e rapidamente superáveis. …”. Prossigo. A POLÍCIA JUDICIÁRIA é exercida pelas autoridades policiais, com o fim de apurar as infrações penais e a sua autoria (CPP, art. 4º). O inquérito policial é o instrumento de investigação penal da POLÍCIA JUDICIÁRIA. É um procedimento administrativo destinado a subsidiar o MINISTÉRIO PÚBLICO na instauração da ação penal. A legitimidade histórica para condução do inquérito policial e realização das diligências investigatórias, é de atribuição exclusiva da polícia. Nesse sentido, leio em ESPÍNOLA FILHO: “… a investigação da existência do delito e o descobrimento de vários participantes de tais fatos, reunindo os elementos que podem dar a convicção da responsabilidade, ou irresponsabilidade dos mesmos, com a circunstância, ainda, de somente nessa fase se poderem efetivar algumas diligências de atribuição exclusiva da polícia, …” (grifei) Com essa orientação, há precedente de NELSON HUNGRIA, neste Tribunal (RHC 34.827).


Leio, em seu Voto:

“…………………………… o Código de Processo Penal … não autoriza, sob qualquer pretexto, semelhante deslocação da competência, ou, seja, a substituição da autoridade policial pela judiciária e membro do M.P. na investigação do crime … …………………………”. Até a promulgação da atual Constituição, o MINISTÉRIO PÚBLICO e a POLÍCIA JUDICIÁRIA tinham seus canais de comunicação na esfera infraconstitucional. A harmonia funcional ocorria através do Código de Processo Penal e de leis extravagantes, como a Lei Complementar 40/81, que disciplinava a Carreira do MINISTÉRIO PÚBLICO. Na Assembléia Nacional Constituinte (1988), quando se tratou de questão do CONTROLE EXTERNO DA POLÍCIA CIVIL, o processo de instrução presidido pelo MINISTÉRIO PÚBLICO voltou a ser debatido. Ao final, manteve-se a tradição. O Constituinte rejeitou as Emendas 945, 424, 1.025, 2.905, 20.524, 24.266 e 30.513, que, de um modo geral, davam ao MINISTÉRIO PÚBLICO a supervisão, avocação e o acompanhamento da investigação criminal. A Constituição Federal assegurou as funções de POLÍCIA JUDICIÁRIA e apuração de infrações penais à POLÍCIA CIVIL (CF, art. 144, § 4º). Na esfera infraconstitucional, a Lei Complementar 75/93, cingiu-se aos termos da Constituição no que diz respeito às atribuições do MINISTÉRIO PÚBLICO (art. 7º e 8º). Reservou-lhe o poder de requisitar diligências investigatórias e instauração do inquérito policial (CF, art. 129, inciso VIII) Ainda assim, a matéria estava longe de ser pacificada.

Leio: “……………………….. … Proposta de Emenda Constitucional em trâmite no Congresso Nacional brasileiro, relacionada com a questão do controle externo da atividade policial, … a de n. 109, também de 1995, de autoria do Deputado Federal Coriolano Sales, que se propõe a alterar a redação dos incs. I e VIII, do art. 129, da Constituição da República. A exemplo da anterior, em 03 de junho de 1997, esta também foi apensada à Proposta de Emenda Constitucional 059/95. Com a alteração da redação do inc. I, do citado art. 129, da Constituição da República, a Proposta pretende incluir a instauração e direção do inquérito como uma das funções institucionais do Ministério Público. ………………………… Em março de 1999, o Senador Pedro Simon apresentou nova Proposta de Emenda Constitucional, sob o n. 21, acrescentando parágrafo único, ao art. 98, da Constituição da República, disciplinando que nas infrações penais de relevância social, a serem definidas em lei, a instrução será feita diretamente perante o Poder Judiciário, sendo precedida de investigações preliminares, sob a direção do Ministério Público, auxiliado pelos órgãos da polícia judiciária.” Prossigo eu. O Tribunal enfrentou a matéria (RE 233.072, NÉRI DA SILVEIRA). Na linha do Voto que proferiu na ADIn 1.571, o Relator entendia que o MINISTÉRIO PÚBLICO tinha legitimidade para desenvolver atos de investigação criminal. Divergi. Leio, em parte, o que sustentei em meu Voto. “……………………….. … quando da elaboração da Constituição de 1988, era pretensão de alguns parlamentares introduzir texto específico no sentido de criarmos, ou não, o processo de instrução, gerido pelo MINISTÉRIO PÚBLICO. Isso foi objeto de longos debates na elaboração da Constituição e foi rejeitado. … o tema voltou a ser discutido quando, em 1993, votava-se no Congresso Nacional a lei complementar relativa ao MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃO e ao MINISTÉRIO PÚBLICO DOS ESTADOS, em que havia essa discussão do chamado processo de instrução que pudesse ser gerido pelo MINISTÉRIO PÚBLICO. Há longa disputa entre o MINISTÉRIO PÚBLICO, a POLÍCIA CIVIL e a POLÍCIA FEDERAL em relação a essa competência exclusiva da polícia de realizar os inquéritos. Lembro-me que toda essa matéria foi rejeitada, naquele momento, no Legislativo … …………………………”. Acompanharam-me os Ministros MARCO AURÉLIO e CARLOS VELLOSO, compondo a maioria. Redigi o acórdão.

Está na ementa: “………………………. O Ministério Público (1) não tem competência para promover inquérito administrativo em relação à conduta de servidores públicos; (2) nem competência para produzir inquérito penal sob o argumento de que tem possibilidade de expedir notificações nos procedimentos administrativos; (3) pode propor ação penal sem o inquérito policial, desde que disponha de elementos suficientes. Recurso não conhecido.” A polêmica continuou. O CONTROLE EXTERNO DA POLÍCIA, concedido ao MINISTÉRIO PÚBLICO pela Constituição foi regulamentado pela Resolução nº 32/97, do CONSELHO SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. A Constituição Federal dotou o MINISTÉRIO PÚBLICO do poder de requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial (CF, art. 129, inciso VIII). A norma constitucional não contemplou, porém, a possibilidade do mesmo realizar e presidir inquérito penal. Nem a Resolução 32/97. Não cabe, portanto, aos seus membros, inquirir diretamente pessoas suspeitas de autoria de crime. Mas, requisitar diligência à autoridade policial. Nesse sentido, decidiu a Segunda Turma (RECR 205.473, CARLOS VELLOSO).

Leio na ementa: “……………………….. I. – Inocorrência de ofensa ao art. 129, VIII, C.F., no fato de a autoridade administrativa deixar de atender requisição de membro do Ministério Público no sentido da realização de investigações tendentes à apuração de infrações penais, mesmo porque não cabe ao membro do Ministério Público realizar, diretamente, tais investigações, mas requisitá-las à autoridade policial, competente para tal (C.F., art. 144, §§ 1º e 4º). Ademais, a hipótese envolvia fatos que estavam sendo investigados em instância superior. …………………………” Do Voto de VELLOSO destaco: “……………………….. … não compete ao Procurador da República, na forma do disposto no art. 129, VIII, da Constituição Federal, assumir a direção das investigações, substituindo-se à autoridade policial, dado que, tirante a hipótese inscrita no inciso III do art. 129 da Constituição Federal, não lhe compete assumir a direção de investigações tendentes à apuração de infrações penais (C.F., art. 144, §§ 1º e 4º). …………………………”

Prossigo. O RECORRENTE é DELEGADO DE POLÍCIA. Autoridade administrativa, portanto. Seus atos administrativos estão sujeitos aos órgãos hierárquicos próprios da Corporação, Chefia de Polícia, Corregedoria etc. 3. DECISÃO. Dou provimento ao RECURSO. Anulo a requisição expedida pelo MINISTÉRIO PÚBLICO, por faltar-lhe legitimidade. Em conseqüência, anulo o próprio expediente investigatório criminal instaurado por ele, para ouvir o RECORRENTE. * acórdão pendente de publicação

RHC 81326

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!