Investigação criminal

MP não tem a mínima condição de substituir a Polícia

Autor

  • Jacinto Nelson de Miranda Coutinho

    é professor titular de Direito Processual Penal da UFPR chefe do Departamento de Direito Penal e Processual Penal da UFPR representante da Área do Direito junto à Capes e Conselheiro Federal da Ordem dos Advogados do Brasil pelo Paraná.

20 de maio de 2004, 12h11

Não há qualquer dúvida sobre a inconstitucionalidade da apuração das infrações penais pelos órgãos do Ministério Público. Afinal, é problema de legalidade e não seria razoável admitir a dita apuração contra disposição expressa da Constituição da República. Ora, se a Constituição dispõe sobre a atribuição do órgão estatal para tal função (como deve ser, em se tratando de atividade de um órgão estatal, que age conforme disposto em lei), não haveria qualquer fundamento — que não inconstitucional — admitir ‘contra legem’.

Quem está a admitir — não são nem todos os integrantes do MP –, em geral usa um argumento de lógica: ‘a fortiori’. Com ele, imagina ser possível usar a parêmia ‘qui potest plus potest minus’, o que é um absurdo diante da estrutura primária da hermenêutica. Afinal, argumentos de lógica são úteis quando não se tem lei tratando da matéria ou se tem um vazio na lei que assim o faz.

No caso, não se trata disto, muito pelo contrário: não só está expresso na Constituição da República como, para tanto, chega-se a usar o substantivo ‘exclusividade’ (art. 144, § 1º, III), para não deixar margem à dúvida. Enfim, quem tem atribuição com exclusividade, tem ‘toda’ a atribuição, o que significa dizer: é exclusiva dele e excludente dos demais. Pregar contra só é possível com jogo retórico.

O argumento de que a Polícia é ineficiente deve ser tomado com muito cuidado. Em primeiro lugar, porque ela, a Polícia, nem sempre é ineficiente, em que pese tenha, antes de tudo, um grande fardo para carregar, ou seja, ainda não conseguiu se livrar da ‘política’ e, assim, padece de grandes males. Não foi por outro motivo, dentre outros, que se deu ao Ministério Público, na Constituinte, a atribuição de fazer o ‘controle externo’ da Polícia (art. 129, VII, CR).

Assim, em segundo lugar, é preciso indagar se tal função tem sido, desde 1988, exercida a contento, ou seja, se se fez, de fato, o precitado ‘controle externo’, de modo a permitir à Polícia atuar com eficiência e eficácia. Sem tal resposta, disparar o argumento contra ela — e todos os seus integrantes — soa a algo aleivoso, não fosse injusto, como quem quer salvar sua ‘limpeza’ jogando a sujeira para baixo do tapete.

O argumento não é jurídico, mas vale ser destacado, por uma questão de lealdade: o Ministério Público não tem a mínima condição de substituir a Polícia na função investigatória. A instituição nunca foi aparelhada para tanto e não é provida de condições materiais tendentes a tal fim, o que, por si só, remeteria a que se pensasse em uma reforma constitucional capaz de dotá-la dos meios adequadas, se fosse o caso. Se isso não ocorrer (o MP já apoiou Projeto de emenda em tal sentido, que tramita no Congresso Nacional como uma das formas mais evidentes de que não tem tal atribuição), a tendência é o MP escolher os casos penais que quer investigar, ou seja, algo teratológico.

O pior, porém, é que, de pronto, a instituição não tem como proteger seus integrantes de eventuais agressões que podem decorrer das ditas investigações. Se isso se passar em Comarca distante das capitais, ainda com mais razão. Depois, não se pode chorar e fazer discursos emocionados nas beiras dos túmulos, porque palavras não trazem de volta homens de bem, como se passou na Itália com Livatino, Chinnici, Falcone ou Borsellino: é só perguntar às famílias.

Algo do gênero não se admite e, se se tem razão suficiente para nisso se pensar e prever, há que se projetar alguma coisa diversa, como fez o Constituinte de 88. Essa gente que está a defender a investigação de infrações penais pelo MP só não pode dizer, depois, não saber disso.

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    Jacinto Nelson de Miranda Coutinho é professor titular de Direito Processual Penal da UFPR, chefe do Departamento de Direito Penal e Processual Penal da UFPR, representante da Área do Direito junto a Capes e Conselheiro Federal da Ordem dos Advogados do Brasil pelo Paraná.

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