Banco não pode ser vítima de calúnia, injúria ou difamação.
18 de maio de 2004, 19h12
Pessoa jurídica não pode ser vítima de crimes de calúnia, injúria e difamação. Com esse entendimento, o juiz Ivan Sartori, da 12ª Câmara do Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo, negou esta semana um pedido de queixa-crime ajuizado pelo Bradesco.
O banco acusa um de seus correntistas de ferir a honra da instituição em um site. O cliente, insatisfeito com os serviços prestados, criou uma página na Internet dizendo que o Bradesco “roubou e extorquiu” o dinheiro dele.
Segundo Sartori, o banco pode apenas “demandar no âmbito extrapenal a cessação das diatribes e/ou indenização”. O juiz afirma que “o ‘alguém’ a que se referem os dispositivos legais tem sentido restrito de forma a abarcar somente o ser humano, descabendo interpretação elástica em detrimento do agente, pena de maltrato a princípio comezinho de direito penal”.
Com a decisão, o banco poderá processar o cliente apenas na esfera cível. O site foi retirado do ar, antes mesmo que fosse julgada a medida cautelar pedindo a sua suspensão. O recurso foi ajuizado pelo Bradesco. Participaram do julgamento os juízes Antonio Manssur e Luis Ganzerla. Ainda cabe recurso.
Leia íntegra do voto
RECURSO EM SENTIDO ESTRITO nº 1393057/6
Comarca: GUARUJÁ – (Ação Penal nº 257/01)
Juízo de Origem: 3ª Vara
Órgão Julgador: Décima Segunda Câmara
Recorrente: BANCO BRADESCO S/A
Recorrido/Querelado: LUIS MANUEL DOS REIS PEREIRA
Relator
VOTO DO RELATOR
Recurso em sentido estrito contra decisão que, nos termos do art. 43, III, do CPP, rejeitou queixa-crime por calúnia, injúria e difamação perpetradas, em tese, contra pessoa jurídica, ao argumento de que impossível figure pessoa tal como sujeito passivo desses delitos.
Processou-se o reclamo regularmente, advindo contrariedade e sustentação judicial, insertas naquela preliminares de não conhecimento da insurgência, por falha de capitulação na queixa, aplicável que seria a Lei de Imprensa, bem como por viciado o instrumento de mandato, que não estaria a obedecer aos ditames legais.
O Ministério Público, em ambas as instâncias, é pelo desprovimento, trazendo a Procuradoria de Justiça, em bem cuidado parecer, prejudicial de extinção da punibilidade quanto à injúria, dada a prescrição.
É o relatório.
As preambulares da contrafala não colhem.
Por primeiro, ao revés do que ali se advoga, as argüições nada têm com o conhecimento do inconformismo, dês que a tempestividade e adequação recursais são patentes, a teor dos autos e do art. 581, I, do CPP.
Ademais, a procuração, como lavrada, é aceitável, em se mencionando nela o nome do querelado e os ilícitos que teria praticado (fl. 70).
Outrossim, ainda que, por epítrope, se aceite a incidência da Lei 5.250/67, por conta da expressão legal “serviços noticiosos” (art. 12, parágrafo único), interpretação escorreita conduz à tipificação alvitrada no exórdio acionário, cumprindo lembrar, de todo modo, que o réu se defende dos fatos e não da capitulação, sucedendo que nenhuma a eiva.
No tocante à pretensa injúria, diga-se, nada mais é de ser discutido aqui, coberto que esta o fato pela prescrição, como bem obtemperado no r. parecer ministerial superior, porquanto, vindo prevista para a infração pena máxima de seis meses de detenção, o lapso prescricional de dois anos (art. 109, VI, do CP) já decorreu desde os fatos e mesmo desde a distribuição da ação (fl. 04).
No cerne, melhor revendo a temática, agora como relator, filio-me à corrente segundo a qual pessoa jurídica não pode realmente ser sujeito passivo dos delitos contra a honra, sendo-lhe viável apenas demandar no âmbito extrapenal a cessação das diatribes e/ou indenização, nos termos da Súmula 227 do STJ.
É que o “alguém” a que se referem os dispositivos legais tem sentido restrito de forma a abarcar somente o ser humano, descabendo interpretação elástica em detrimento do agente, pena de maltrato a princípio comezinho de direito penal (STJ – RHC 7512/MG – 6a. Turma, rel. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro, DJU 31.8.98, p. 120; STJ – HC 7391/SP – 5ª. Turma, rel. Min. Edson Vidigal, DJU 19.10.98, p. 113; STJ – RHC 8859/RJ – 5a. Turma, rel. Min. Felix Fischer, DJU 13.12.99, p. 161, “in” Jurisprudência Criminal do STF e do STJ, Alfredo de Oliveira Garcindo Filho, ed. do autor, 6a. ed., Curitiba, p. 128).
Julio Fabbrini Mirabete leciona que, em se referindo “a lei, no tipo penal, a alguém, e estando a calúnia entre os ‘crimes contra a pessoa’, o entendimento é de que não é abrangida pelo Código a difamação contra pessoa jurídica..” (CP Interpretado, 1a. ed., 4a. tiragem, 2001, Atlas, p. 783).
Confira-se também o opimo acórdão lançado no mandado de segurança 388.782/1, impetrado nesta Corte pelo ora apelado (fls. 159/63 do segundo apenso).
O próprio Supremo Tribunal Federal vem decidindo serem impossíveis ao menos a injúria e a calúnia contra pessoa jurídica (INQO 800/RJ – Plenário, rel. Min. Carlos Velloso, DJU 19.12.94, p. 35181, repositório por primeiro citado, págs. 127/8).
Nem se invoque no caso a Lei de Imprensa (arts. 21, parágrafo 1o, letra “a”; e 23, III), a permitir tais crimes contra órgão ou entidade com função de autoridade pública, porque tal afrontaria o princípio já colacionado de que inviável o emprego da analogia ou assimilação em prejuízo do réu.
Não fosse suficiente, tem-se que, na esteira da manifestação da ilustrada Procuradoria de Justiça, tanto a calúnia como a difamação exigem a imputação de fato definido ou preciso (Mirabete, obra citada, págs. 774 e 785), não bastando palavras gravosas esparsas, como relatado na peça de incoação (fls. 04/5 e 06).
Por conseguinte, mesmo que, para argumentar, resultasse vencida a divergência acerca do sujeito passivo, nem estão caracterizados na espécie os ilícitos ainda não cobertos pela prescrição.
Mantém-se, destarte, o decidido.
Nega-se provimento.
IVAN SARTORI
Relator
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