Buraco negro

OAB e CNBB lutarão contra retrocesso na lei eleitoral

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16 de maio de 2004, 16h00

A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) vão lançar nesta segunda-feira (17/5) uma ofensiva contra o retorno da impunidade de crimes eleitorais no país. As entidades se mobilizam contra o projeto de lei do senador César Borges (PFL-BA) em trâmite no Congresso Nacional, que modifica o artigo 41-A da lei eleitoral (9.504/97).

A legislação em vigor permite à Justiça punir, de forma imediata, denúncias envolvendo a compra de voto. O senador pefelista defende em sua proposta que o político corrupto tenha o diploma cassado apenas depois de o processo ter esgotado todos os recursos possíveis, ou seja, quando a sentença condenatória tiver transitado em julgado.

O projeto do senador entra em rota de colisão com a lei 9.840/99, que incluiu o artigo 41-A na lei eleitoral e prevê punição ao “candidato que doar, oferecer, prometer, ou entregar ao eleitor, com o fim de obter o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública, desde o registro da candidatura até o dia da eleição”. A pena prevista é a cassação do registro, do diploma e multa.

“A CNBB valoriza a Lei 9.840 porque enxerga nela a participação popular”, diz o vice-presidente da CNBB, dom Antônio Celso Queiroz, bispo da Diocese de Catanduva. “Nos comprometemos com a moralidade pública e estamos preocupados com a possibilidade de que esse dispositivo venha a ser alterado”, afirma. A lei 9.840 foi a primeira aprovada no Congresso de iniciativa popular, incentivada pela OAB e CNBB .

O presidente nacional da OAB, Roberto Busato, lembra que foram coletadas, na época, mais de 1 milhão de assinaturas de eleitores em todo o país. “Se tirarmos os benefícios da lei (9.840) que veio devido à necessidade de efetividade da decisão (em primeira instância), nós vamos premiar a impunidade. Ninguém mais vai perder o mandato por causa de corrupção eleitoral”, diz o presidente nacional da OAB.

O ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Fernando Neves, afirma que “condicionar a eficácia da decisão ao seu trânsito em julgado será terminar com a possibilidade de afastar da disputa ou da função pública o candidato corruptor, uma vez que os recursos previstos na legislação e a competência dos advogados farão com que a decisão dos juízes eleitorais só venha a transitar em julgado após a realização das eleições e a conclusão dos mandatos”.

A Comissão de Constituição e Justiça do Senado busca uma solução de consenso entre a legislação vigente e a proposta de Borges, que não implique desmoralização da lei eleitoral. A Comissão vai realizar nos próximos dias audiência pública para nortear o seu parecer. Serão convidados para falar na CCJ do Senado os presidentes da OAB, Roberto Busato, da CNBB, dom Geraldo Majella; do STF, Nelson Jobim, o presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República-ANPR, Nicolao Dino e o ex-ministro do TSE, Torquato Jardim.

Presidente da OAB diz que projeto ‘premia a impunidade’

O presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, Roberto Busato, afirma que está preocupado com o projeto de lei do senador César Borges (PFL), que tramita no Congresso Nacional. Ele diz ser totalmente contra a proposta que pretende alterar a legislação eleitoral atual e “premiar a impunidade”. Busato, que participou de várias reuniões na última semana para discutir o assunto, acredita que o artigo 41-A da lei eleitoral (9.504/97), que permite à Justiça punir a compra de votos ainda durante o mandato, deve ser preservado. “Trata-se de um dos principais instrumentos da sociedade brasileira no campo da moralidade pública e combate à corrupção eleitoral”, diz.

Borges pretende que a punição para crimes eleitorais só seja aplicada após sentença transitada em julgado, na última instância. Para Busato, desta forma o projeto retira os efeitos mais importantes da lei 9.840, ao admitir que a punição para o delito da compra de voto pode ficar eventualmente para depois do mandato. O presidente nacional da OAB afirma que qualquer medida que pretenda alterar a atual legislação em vigor é um “retrocesso”.

Leia abaixo os principais trechos da entrevista ao jornalista Rodrigo Lima, do jornal Diário da Região, de São José do Rio Preto (SP).

Qual a preocupação da OAB em relação a este projeto de lei do senador César Borges?

O projeto pretende dar efeito suspensivo para os recursos que sejam interpostos em relação às decisões eleitorais. É justamente o artigo que, por iniciativa popular, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) colheram mais de 1 milhão de assinaturas visando dar efetividade às decisões (em primeira instância) sem depender do trânsito em julgado. Esse foi o fundamento.

São os princípios do combate à corrupção previstos na lei 9.840/99?

A OAB enxerga com muita preocupação porque a lei eleitoral tem de ter uma efetividade imediata, porque se trata de mandato. O mandato tem um tempo certo e, se a lei não tiver efetividade, nós, com essa gama de recursos que existem, estaríamos perpetuando o processo até o final do mandato. O que tornaria a impunidade novamente existente no País, o que se conseguiu evitar com a aprovação de lei (9.840) de iniciativa popular. A lei eleitoral tem toda a imediata efetividade de que se trata o mandato, que é atacado (hoje) pela legislação no combate da corrupção eleitoral. Na última quarta-feira reunimos senadores, a CNBB e o ministro do STF Nélson Jobim que estão preocupados com a perda de efetividade das decisões da Justiça Eleitoral.

O que o senhor acha do argumento usado pelo senador de que o acusado de crime eleitoral perde o amplo direito de defesa previsto na Constituição Federal?

Nós entendemos que o Brasil não pode retroceder no processo legal. Todas as pessoas devem responder ao devido processo legal, porém, a legislação eleitoral tem de ser tratada de forma diferenciada em relação ao seu tempo de cumprimento das decisões. Não se pode pegar o processo normal e comparar o efeito do processo de crime eleitoral. Eu disse até ao senador Ramez Tebet (PMDB), que estava falando nesse sentido, (o seguinte): ‘Senador, o senhor tem uma expectativa de vida de 80 anos hoje no Brasil. Então, uma decisão que demore 10, 15 e 20 anos ainda pode lhe atingir vivo. Mas, uma decisão envolvendo o mandato eleitoral, normalmente é de quatro anos. E uma decisão dessas tem de vir em um tempo muito menor do que um processo natural. E, veja bem, se houver injustiças ou abusos por parte do Judiciário em relação a um político que está sendo julgado, ele pode conseguir efetivo suspensivo (da sentença) por meio de uma medida cautelar, demonstrando o efetivo prejuízo que está tendo. Então, não deve voltar ao tempo anterior em que o processo não se terminava nunca durante o mandato. Ninguém perdia o mandato. Isso é verdade. Se tirarmos os benefícios da lei que veio devido à necessidade de efetividade da decisão (em primeira instância), vamos premiar a impunidade. Ninguém mais vai perder o mandato por causa de corrupção eleitoral’.

A lei 9.840 é responsável por coibir os casos mais imediatos, como a compra de votos?

São esses casos que podem ficar impunes. Se houver uma grande indisposição em relação àquela pessoa que está sendo julgada por parte da Justiça, sempre existe a possibilidade de uma medida cautelar para conseguir o efeito suspensivo dessa decisão. Então, não é que o político fica completamente sem direito no processo legal. Se ele usar de artimanha para fazer sua defesa sem o mandado, evidentemente ele (o político acusado) vai pensar duas vezes.

O projeto de lei do senador contribui para impunidade dos candidatos que não merecem concluir o mandato? Em algumas circunstâncias, até usam o Judiciário para terminar seus respectivos mandatos?

Vai acontecer isso, porque não se pode abusar da advocacia, que usa de artimanhas para manter o político. O advogado, tendo o recurso legal, será obrigado a recorrer a favor do seu cliente. Com os recursos, o mau político que praticou a corrupção eleitoral vai conseguir, por meio de seu advogado, protelar a decisão do processo até o fim do seu mandato. E é próprio da legislação eleitoral a não existência do efeito suspensivo das suas decisões, e assim também é o estatuto da OAB. A matéria eleitoral não tem efeito suspensivo devido à efetividade imediata.

Em quais instâncias estão sendo julgados os crimes eleitorais? O limite é o Tribunal Regional Eleitoral (TRE) ou sobe ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE)?

Hoje, as decisões ainda chegam até ao TSE. A Justiça Eleitoral tem agindo com destreza, principalmente o TSE.

A que o senhor atribui o desconforto de representantes do Judiciário para falar sobre esse projeto de lei?

Quem participa das decisões da Justiça envolvendo as matérias eleitorais sabe que, se houver o efetivo suspensivo (da atual legislação eleitoral), ninguém mais será punido. O político corrupto não será punido. Vamos generalizar a corrupção. Evidentemente, aquele político decente, que não usa de artifícios para conseguir sua eleição, vai ter de fazer (atos ilegais) porque terá de equiparar em força com o mau político que compra voto, que faz promessas, que usa o poder econômico para influenciar o cidadão na hora do voto. Então, a aprovação dessa lei é voltar no tempo, para o processo político completamente pervertido.

Quais foram os motivos que levaram a OAB a encampar esse posicionamento contra a proposta do senador César Borges?

A OAB, junto com a CNBB, entende que tem uma responsabilidade social muito importante. Nós entendemos que temos a obrigação de manter essa lei de iniciativa popular. A Ordem e a CNBB estão altamente envolvidas nisso e nós tivemos naturalmente o alinhamento por parte do Judiciário. Nós devemos continuar nesta batalha porque a Justiça Eleitoral precisa de instrumentos moralizadores nas eleições, principalmente nas eleições municipais. É neste período que acontece mais problemas envolvendo a corrupção eleitoral.

Existe espaço hoje para os políticos que dependem de meios ilícitos para se eleger?

O cidadão está consciente da sua participação ativa nas eleições. Temos encontrado respaldo da população (para nossas atividades) em geral. Tanto a OAB como a CNBB. Até mesmo os senadores que discutiram a idéia (o projeto de lei de César Borges). A Justiça Eleitoral está procurando, dentro da sua jurisprudência, discutir a moralidade nas eleições.

A OAB vai participar então das articulações políticas para barrar o projeto de lei, que segundo o senhor “premia a impunidade”?

Sem dúvida. Vamos participar até o fim.

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