Cachimbo da paz

Lula perdoa correspondente do jornal The New York Times

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14 de maio de 2004, 18h06

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva perdoou o correspondente do jornal The New York Times, Larry Rohter, autor da reportagem que insinua que Lula abusa de bebidas alcoólicas.

O anúncio foi feito pelo ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, em entrevista coletiva, em São Paulo. Segundo o ministro, em um ato de “extrema generosidade”, o presidente deu por encerrado o assunto.

Na tarde desta sexta-feira (14/5) os advogados do jornalista — Celso Mori, José Luís Aguiar de Medeiros e Marta Valente, do escritório Pinheiro Neto de Brasília — entregaram ao governo o pedido de reconsideração para que o Ministério da Justiça revalidasse o visto de permanência do correspondente no Brasil.

O conteúdo do pedido foi negociado, previamente, entre os advogados do jornalista e o ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos. O ministro convenceu o presidente Luiz Inácio Lula da Silva de que o texto equivale a uma retratação.

Na entrevista coletiva, o ministro leu trechos da carta que explica a “ausência de dolo” do jornalista. Rohter afirmou que não teve a intenção de ofender o presidente por quem tem “profundo respeito”.

Questionado se a reação do governo não teria sido exagerada, Thomaz Bastos respondeu: “Foi uma decisão dura, mas não mais dura que o artigo, um amontoado de má-fé”. Para o ministro, a retratação foi uma vitória do governo.

Segundo ele, esta foi uma boa saída para o caso, que serviu para mostrar a capacidade de reação do governo. “Se houve desgaste, o que é normal numa democracia, ele se dissipa agora”.

“A retratação foi a melhor solução. Não considero que a suspensão do visto tenha sido um erro. O governo dispunha de um arsenal de medidas e recorreu a uma medida dura, mas não cometeu erro”, disse Thomaz Bastos.

O ministro disse que só teve oportunidade de conversar com o presidente ao retornar ao Brasil da viagem à Suíça nesta sexta-feira (14/5). Disse que o presidente mostrou-se profundamente indignado com os termos da reportagem do jornal americano, mas que fez questão de renovar o grande respeito que tem pela liberdade de imprensa.

O ministro Francisco Peçanha Martins, do Superior Tribunal de Justiça, disse que a decisão do Palácio do Planalto faz cessar o processo que se encontrava em curso na Corte.

Ao tomar conhecimento da atitude do governo, o presidente nacional da OAB, Roberto Busato, disse que “depois de reiterados erros, de lado a lado, a negociação foi jurídica consagrando o que deveria ter acontecido desde o começo do episódio”. Para ele, o acontecimento guarda uma lição. “Um erro não pode ser reparado por um erro maior. Caberia ao jornalista do New York Times observar os princípios éticos ao escrever a reportagem. E caberia ao governo serenidade para repeli-la de forma altiva e soberana. A transigência das partes, por certo , foi motivada pela intervenção prudente e legal do ministro Peçanha Martins, do STJ e a participação do ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos”.

Leia a íntegra do pedido de reconsideração de Larry Rohter ao Ministro da Justiça:

Excelentíssimo Senhor Ministro de Estado da Justiça

Ministério da Justiça

Gabinete do Ministro

08001.004485/2004-44

Ref.: Determinação de cancelamento de visto temporário – Processo nº 08000.004044/2004-52

WILLIAM LAWRENCE ROHTER JR., cidadão estadunidense, casado, portador do RNE nº V256192D e do passaporte norte-americano nº 701289896, por seus advogados (procuração anexa), vem à presença de V.Exa., com respeito e acatamento sempre demonstrados, para apresentar seu

PEDIDO DE RECONSIDERAÇÃO, COM EFEITO SUSPENSIVO

Contra a determinação deste D. Ministério da Justiça de cancelar o visto temporário do Requerente , divulgada por meio de Nota à Imprensa emitida em 11 de maio de 2004, e publicada por despacho do Gabinete do Ministro no Diário Oficial da União do dia 13 de maio de 2004, Seção 1, pág. 47.

I – DOS FATOS

1. O Requerente encontra-se no país na qualidade de correspondente estrangeiro do jornal norte-americano The New York Times (“NYT”), como atesta o cartão de identidade emitido em seu nome pelo Ministério das Relações Exteriores. Para tal fim, apresentou à Coordenação Geral de Imigração do Ministério do Trabalho e Emprego pedido de concessão do visto temporário com base no artigo 13, VI, da Lei nº 6.815/80, e no artigo 22, VI, do Decreto nº 86.715/81, o qual foi deferido em 26.02.1999.

2. Mediante despacho da Coordenação Geral de Imigração, publicado no Diário Oficial da União, tal pedido foi deferido, tendo o Requerente ingressado no País com visto temporário com prazo de 4 (quatro) anos.

3. Tendo em vista a proximidade da data de vencimento de seu visto temporário, o Requerente apresentou à Coordenação Geral de Imigração o respectivo pedido de prorrogação. Este pedido ainda está em tramitação.

4. Em 11 de maio de 2004, sobreveio a referida Nota à Imprensa, determinando o cancelamento do visto temporário do Requerente , formalizado pelo despacho publicado no Diário Oficial da União de 13 de maio de 2004, o que motivou o presente pedido.

II – DAS RAZÕES PARA A RECONSIDERAÇÃO

5. O Requerente é jornalista do conceituado jornal NYT desde 1984, tendo sido designado para trabalhar no Brasil em razão de sua excelência profissional. Dita excelência é corroborada pela accitação e reconhecimento sempre demonstrados pela empresa jornalística onde trabalha, e pelo reconhecimento sempre demonstrados pela empresa jornalística onde trabalha, e pelo reconhecimento de expressivos representantes da classe, tendo o Requerente sido merecedor do prêmio “Embratel”, concedido em 2003, por ter sido o correspondente estrangeiro que melhor desempenhou suas atividades no exterior sobre assuntos brasileiros. O Requerente igualmente foi agraciado pelo prêmio Maria Moors Cabot, no ano de 1998, que é o maior prêmio nos Estados Unidos para os jornalistas em exercício profissional na América Latina.

6. O Requerente desenvolve suas atividades profissionais de jornalista acompanhando e divulgando notícias sobre o Brasil e demais países da América Latina, há praticamente 32 anos, inicialmente como jornalista da Sucursal da Rede Globo em Nova York, após como correspondente da revista Newsweek e, por fim, nos últimos cinco anos, como correspondente do NYT. Nesse período, o Requerente enviou incontáveis matérias sobre o Brasil, nas mais diversas áreas, quer sejam políticas, econômicas, sociais e culturais. Apenas nos últimos cinco anos, cerca de 300 matérias do Requerente foram divulgadas no exterior pelo NYT.

7. A respeito do que menciona o artigo em questão, o Requerente declara jamais ter tido a intenção de ofender a honra do Excelentíssimo Senhor Presidente da República, a quem já pôde até mesmo entrevistar em algumas ocasiões, e reafirma seu grande afeto pelo Brasil e seu profundo respeito às instituições democráticas brasileiras, incluindo a da Presidência da República. Na opinião do Requerente, o artigo limita-se a veicular comentários, não contendo nenhum juízo de valor do próprio Requerente , que de todo modo reitera que o texto não foi escrito para ofender o Sr. Presidente, embora as repercussões e polêmicas posteriores à reportagem possam ter lhe custado constrangimentos, os quais o Requerente lamenta.

8. Por fim o Requerente manifesta sua preocupação por entender que a versão de seu texto para o português não é fidedigna, o que pode ter causado a ampliação do mal entendido.

III – DO PEDIDO

Em razão do acima exposto, o Requerente requer que V. Exa, se digne a:

(i) aceitar o efeito suspensivo do presente Pedido de Reconsideração, com base no art. 61 parágrafo único da Lei 9.784/99, vez que no caso há possibilidade de prejuízo de difícil e incerta reparação, ordenando a suspensão da determinação ao Departamento de Polícia Federal para notificar o Requerente a deixar o território naciona no prazo de oito dias e

(ii ) reconsiderar a determinação do cancelamento do visto temporário do

Requerente .

Nestes termos

P. deferimento

Brasília, 14 de maio de 2004

Celso Cintra Mori

OAB/SP nº 23.639

Marta Mítico Valente

OAB/SP nº 75.951

OAB/DF nº 879-A Sup.

João Luís Aguiar de Medeiros

OAB/RJ nº 60.298

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