Ficção em questão

Crônica não é um ataque pessoal à juíza de Osasco

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12 de maio de 2004, 16h19

Sou cronista colaborador da revista eletrônica jus.com.br há algum tempo. Em meus textos literários satirizo o cotidiano forense e os atores da cena jurídica. Todos meus personagens são fictícios e as situações inusitadas que descrevo são invenções criativas.

Apesar da CF/88 outorgar aos cidadãos brasileiros a liberdade de consciência, de criação e de publicação de textos literários, há algum tempo tenho sofrido uma verdadeira perseguição por ousar “criar” juizes e promotores caricatos, maldosos, incompetentes, desonestos e vingativos.

Já fui convocado a prestar esclarecimentos perante o Corregedor Geral de Justiça do Estado de São Paulo, que me interrogou sobre os fatos narrados numa das crônicas como se a mesma se referisse a um acontecimento real. Pouco depois fui representado na OAB /SP pelo Procurador Geral do Estado de São Paulo porque uma Promotora entendeu que minha crônica teria sido escrita especificamente para ofendê-la. Felizmente a OAB/SP arquivou o caso acolhendo minha defesa.

Desde 2003 estou respondendo a processo criminal ajuizado pelo Ministério Público Paulista a requerimento da Juíza Ligia Donati Cajon, porque teria imputado a ela fato definido como crime. O crime que me imputam está capitulado na Lei de Imprensa.

Entendendo que a Lei de Imprensa não se aplicava a texto divulgado na Internet e que não havia justa causa para a ação penal porque meu texto não cita especificamente o nome da Juíza, o lugar e o tempo em que os fatos teriam ocorrido, meu advogado, Dr. Andres Castagnet, impetrou um Habeas Corpus que foi denegado pelo TACRIM/SP. O recurso interposto ao STJ foi improvido.

Aliás, o STJ considerou que a matéria era tão relevante que divulgou uma nota oficial a imprensa sobre o julgamento antes mesmo de meu advogado ser intimado do Acórdão. O endereço eletrônico de referida matéria é http://www.stj.gov.br/webstj/Noticias/detalhes_noticias.asp?seq_noticia=10548&pag=np&si=22129.

Segundo a mesma meu recurso foi rejeitado porque:- “O relator do processo na Quinta Turma, ministro Gilson Dipp, explica, em seu voto, que Fábio Ribeiro foi denunciado por supostamente ter praticado calúnia, delito previsto na Lei de Imprensa. O pedido de trancamento da ação se baseou em ausência de justa causa. Em outras palavras, que não foram especificadas a calúnia contida no texto publicado na rede mundial, a intenção de calúnia por parte de Fábio Ribeiro nem a forma como os elementos de prova da suposta calúnia se dirigem à juíza Lígia Cajon.

Para o relator, tais hipóteses, entretanto, não foram verificadas no caso em questão, pois inexiste imprecisão quanto aos fatos atribuídos a Fábio Ribeiro, devidamente amparados em elementos de prova. Também não se aplica o segundo argumento, de inaplicabilidade da Lei de Imprensa, por se tratar de texto veiculado na Internet.

Conforme Gilson Dipp, o principal é que o caso atende verdadeiramente aos requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal (CPP), segundo o qual “a denúncia ou queixa conterá a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, a classificação do crime e, quando necessário, o rol das testemunhas”.

Desconsiderando o aborrecimento pessoal de ser exposto ao linchamento público, devo reconhecer que a matéria é relevante e merece toda a atenção que o STJ deu ao caso. Entretanto, na qualidade de réu no processo criminal referido na matéria não posso deixar de anotar uma ironia. Até hoje o STJ só apreciou dois casos relativos a aplicação da Lei de Imprensa a texto divulgado na Internet. Mas a solução dado ao outro não foi similar.

O Desembargador Ernani Vieira de Souza também respondia por crime de imprensa perante o mesmo STJ e teve decretada a prescrição de seu processo. Segundo o Ministro Relator que funcionou naquele caso ocorreram questões alheias à sua vontade, quais sejam, sucessivos pedidos de vistas que impediram a apreciação da Queixa Crime antes da prescrição (Ação Penal nº 163 MT 1999/0114699-2, acórdão proferido em 01/04/2002).

Diante do decurso do lapso temporal prescrito em Lei o Poder Judiciário deve decretar a prescrição. Portanto, a correção da decisão é inquestionável. Todavia, a conduta das pessoas que fizeram os pedidos de vistas mencionados no Acórdão é estranha e merece atenção. Afinal, em tese, se alguém usa artifício processual com o intuito de induzir a prescrição da pretensão punitiva pode ter cometido crime. Mas é claro que o STJ não considerou esta hipótese, de maneira que nada foi ou será feito para punir os eventuais culpados.

Não me incomodo em ser processado ou em ter que me defender. Ao contrário, como advogado e cidadão brasileiro tenho consciência de meus direitos e obrigações e certamente serei forçado a me submeter ao império da decisão do Poder Judiciário, seja ela condenatória ou absolutória.

Na verdade é a diferença de tratamento dado aos dois casos envolvendo a Lei de Imprensa que desperta indignação e sugere o Controle Externo do Judiciário. Afinal, ninguém pode se considerar acima da Lei, nem mesmo o Poder Judiciário, cujos membros são cidadãos e também devem responder pelos seus atos.

Não pretendo recorrer da decisão do STJ. Acompanharei o processo em primeira instância e minha defesa está a cargo do meu advogado. A única coisa que posso adiantar é a seguinte: a revista jus.com alerta os leitores acerca do caráter literário das minhas cronicas. Não ofendi a autora da representação que originou a ação penal.

A conduta de meu personagem na crônica “Recurso Especial” é duvidosa e possivelmente inadequada. Assim, ao referir-se ao personagem como “Juiz da 7ª Vara Cível” pretendi apenas criar uma ironia refinada. O número 7 representa simbolicamente o bom, o belo e o justo, portanto, o contrário daquilo que o personagem teria feito.

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