Dias contados

Aprovada expropriação de terras onde há trabalho escravo

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12 de maio de 2004, 19h27

A Proposta de Emenda Constitucional 438/2001, que expropria as terras em que for comprovada a exploração de trabalho escravo, foi aprovada nesta quarta-feira (12/5) pela Comissão Especial da Câmara dos Deputados.

O parecer do deputado Tarcísio Zimmermann (PT-RS), relator da PEC, foi acatado por unanimidade dos integrantes da Comissão. A proposta irá à votação do plenário, possivelmente na próxima semana.

A procuradora-geral do Trabalho Sandra Lia Simón considerou um alívio a aprovação da PEC e acredita que a medida trará resultados positivos no sentido de acabar com a impunidade. Na avaliação do coordenador de Combate ao Trabalho Escravo do MPT, Luís Antônio Camargo de Melo, a aprovação consensual da PEC 438/01 na Comissão Especial foi a melhor solução encontrada entre os parlamentares que divergiam sobre a matéria.

Para o presidente nacional da OAB, Roberto Busato, a aprovação da PEC “é um presente à sociedade brasileira na véspera do Dia da Abolição da Escravatura, pois a medida será a principal arma para coibir a prática do trabalho escravo no País”.

O advogado brasiliense Roberto Caldas, que representou o Conselho Federal da OAB junto às sessões da Comissão da Câmara que discutia a PEC, considerou a aprovação “uma vitória da democracia e da sociedade brasileira”. Para ele, a decisão da Comissão demonstrou também que “com diálogo acaba se chegando ao consenso”.

Roberto Caldas destacou também “a importante participação da sociedade civil em apoio à proposta de erradicação do trabalho escravo, assim como a atuação decisiva de vários artistas, dentre eles Marcos Winter e Lucélia Santos, em favor da urgente aprovação da PEC 438”.

Agora, segundo ele, é necessário manter a mobilização pela imediata aprovação da proposta no Plenário da Câmara, onde deverá começar a ser discutida na próxima semana, conforme prometeu o presidente da Casa, deputado João Paulo Cunha (PT-SP).

O diretor da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), juiz Flávio Dino, que representa a entidade no Conselho Nacional para Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae), considerou extremamente acertada a aprovação.

“Sem essa iniciativa, a alteração provocaria o retorno da PEC ao Senado, onde ela já foi aprovada, o que significaria começarmos todo um trabalho de muitos anos do zero”, destacou Dino. “Além disso, a tramitação separada e paralela vai permitir uma discussão específica sobre o problema no meio urbano, liberando a PEC 438 para resolve-lo campo, onde ocorrem 99,9% dos casos de trabalho escravo no Brasil”.

O juiz e conselheiro da Conatrae esteve na audiência de hoje pela manhã com o presidente da Câmara João Paulo Cunha, junto outras 19 entidades que compõem a Comissão, entre elas a OIT, OAB, ANPR, Anamatra, ANPT e o próprio Ministério do Desenvolvimento Agrário. (OAB, PGT e Ajufe)

Leia o memorial da Ajufe

PEC nº 438-A – Expropriação de glebas em casos de trabalho escravo

Comentários ao voto em separado – Dep. Asdrúbal Bentes

Flávio Dino, juiz federal da 23ª Vara do DF, professor da Universidade de Brasília (Unb), ex-presidente e diretor de assuntos legislativos da AJUFE, membro do CONATRAE

Quanto à incidência do princípio da isonomia – proprietários urbanos e rurais

Não há em nosso sistema constitucional um direito absoluto a tratamentos igualitários. Vedam-se somente distinções arbitrárias, conforme secular elaboração doutrinária. Os Tribunais brasileiros, a começar pelo STF, prestigiam essa visão, assentando:

Tratamento desigual a situações desiguais mais exalta do que contraria o princípio da isonomia (HC nº 68416/DF, rel. Ministro Paulo Brossard, DJ 30/10/92)

Princípio isonômico: a sua realização está no tratar iguais com igualdade e desiguais com desigualdade (RE nº 154027/SP, rel. Ministro Carlos Velloso, DJ 25/11/97)

No Brasil, a situação do trabalho escravo em propriedades urbanas e rurais é bastante diferenciada no “mundo dos fatos”. Basta que se analisem os dados estatísticos. Abundam exemplos de trabalhos escravo nas últimas e quase não há registros nas primeiras.

Ademais, a própria Constituição – conforme o texto elaborado pelo poder constituinte originário – já estabelece a base da distinção contida na PEC em análise. Verifique-se o atual art. 243 da Constituição. Ou a delimitação do que configura atendimento à função social da propriedade urbana (art. 182, § 2º, CF) e da propriedade rural (art. 186, CF).

Aí estão as bases fática e jurídica para o tratamento desigual, por meio do qual se realizará o princípio da isonomia.

Sobre as garantias do contraditório e da ampla defesa

A expropriação não será “automática”, nem virá por força de mero ato administrativo. Haverá processo judicial, com contraditório e ampla defesa (similar ao que prevê a Lei nº 8.257/91). Além disso, poderá o proprietário impugnar eventual decreto expropriatório por intermédio de ações judiciais autônomas (mandado de segurança, por exemplo), como é feito largamente nos casos de desapropriação para fins de reforma agrária.

A Justiça Federal fará o controle da legalidade do ato expropriatório, como ocorre com o atual art. 243 da Constituição (expropriação em casos de cultivo de plantas psicotrópicas). Transcrevemos alguns exemplos:

Acórdão Origem: TRIBUNAL – QUINTA REGIAO

Classe: AC – Apelação Civel – 189757

Processo: 9905534431 UF: PE Órgão Julgador: Segunda Turma

Data da decisão: 05/03/2002

Fonte DJ – Data::05/12/2002 – Página::617

Relator(a) Desembargador Federal Petrucio Ferreira

Decisão UNÂNIME

Ementa

ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. DIREITO CIVIL E CONSTITUCIONAL. APELAÇÃO CÍVEL. EXPROPRIAÇÃO. PLANTAÇÃO DE CANNABIS SATIVA. ABANDONO DAS TERRAS. CONFISCO DA PROPRIEDADE EM SUA INTEGRALIDADE. ALCANCE DO ARTIGO 243 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. CONFIRMAÇÃO DA DECISÃO MONOCRÁTICA.

1- DISPÕE O ARTIGO 243 DA CEF/88 QUE “AS GLEBAS DE QUALQUER REGIÃO DO PAÍS ONDE FOREM LOCALIZADAS CULTURAS ILEGAIS DE PLANTAS PSICOTRÓPICAS SERÃO IMEDIATAMENTE EXPROPRIADAS E ESPECIFICAMENTE DESTINADAS AO ASSENTAMENTO DE COLONOS, PARA CULTIVO DE PRODUTOS ALIMENTÍCIOS E MEDICAMENTOSOS, SEM QUALQUER INDENIZAÇÃO AO PROPRIETÁRIO E SEM PREJUÍZO DE OUTRAS SANÇÕES PREVISTAS EM LEI.

2- SE O CONSTITUINTE PRETENDESSE RESTRINGIR A EXTENSÃO EM NORMA QUE DISPÕE ACERCA DA EXPROPRIAÇÃO DE TERRAS ONDE ENCONTRADOS PLANTIOS DE CANNABIS SATIVA, TERIA UTILIZADO AS EXPRESSÕES USUAIS, COMO A PORÇÃO DA GLEBA ONDE FOREM LOCALIZADAS PLANTAS PSICOTRÓPICAS, DESIGNAÇÃO SEMELHANTE (PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS).

3- NÃO SE PODE PRESUMIR QUE O PROPRIETÁRIO DO IMÓVEL EM QUE ENCONTRADAS PLANTAS PSICOTRÓPICAS CONCORREU PARA A ILICITUDE. É IMPERIOSA A CABAL COMPROVAÇÃO DE SEU ENVOLVIMENTO, SEJA DE MODO DIRETO, SEJA POR NEGLIGÊNCIA NA VIGILÂNCIA DE SEUS DOMÍNIOS, SEJA, AINDA, POR MERA TOLERÂNCIA.

4- O EXPROPRIADO ABANDONOU O IMÓVEL RURAL EXPROPRIADO, NÃO SENDO ENCONTRADO NO ENDEREÇO INDICADO, SENDO CITADO POR EDITAL E TENDO SIDO DECRETADA A SUA REVELIA. TAL CIRCUNSTÂNCIA DEMONSTRA QUE NÃO HOUVE INTERESSE EM PRESERVAR, EM SEU PATRIMÔNIO, O BEM EXPROPRIADO, OMITINDO-SE EM SEU DEVER DE EMPRESTAR-LHE A FUNÇÃO SOCIAL ADEQUADA.

5- ESTANDO A DECISÃO PROFERIDA PELO JUÍZO SINGULAR, RICA NA FUNDAMENTAÇÃO LÓGICA E JURÍDICA, IMPÕE-SE A CONFIRMAÇÃO DO REFERIDO DECISUM.

6- APELAÇÃO IMPROVIDA

Data Publicação 05/12/2002

Acordão Origem: TRIBUNAL – QUINTA REGIAO

Classe: AC – Apelação Civel – 181603

Processo: 9905421831 UF: PE Órgão Julgador: Primeira Turma

Data da decisão: 14/12/2000 Documento: TRF500045410

Fonte DJ DATA:06/04/2001 PAGINA:276

Relator(a) Desembargador Federal Castro Meira

Decisão UNÂNIME

Ementa

CONSTITUCIONAL. EXPROPRIAÇÃO DE IMÓVEL RURAL. CULTIVO DE PLANTAS

PSICOTRÓPICAS. ART. 243 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. NÃO COMPROVAÇÃO

DO ENVOLVIMENTO DOS POSSUÍDORES DO IMÓVEL. INCABIMENTO DA

EXPROPRIAÇÃO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. REDUÇÃO.

– PARA A CONCRETIZAÇÃO DA EXPROPRIAÇÃO PREVISTA NO ART. 243, DO CONSTITUIÇÃO VIGENTE, EXIGE-SE, ALÉM DA EXISTÊNCIA DA CULTURA ILEGAL, QUE FIQUE COMPROVADA A PARTICIPAÇÃO CONSCIENTE DO PROPRIETÁRIO, SEJA CULTIVANDO DIRETAMENTE A PLANTA PROIBIDA, TOLERANDO COM A PRÁTICA DE TAL CULTIVO, OU, AINDA, OMITINDO-SE NO SEU DEVER DE VIGILÂNCIA E GUARDA DO BEM IMÓVEL, PARA EVITAR O PLANTIO ILÍCITO.

– NÃO RESTOU DEMONSTRADO, AO LONGO DA INSTRUÇÃO PROCESSUAL, QUALQUER ENVOLVIMENTO, DOLOSO OU CULPOSO, DOS POSSUIDORES DO IMÓVEL COM O PLANTIO DA CULTURA ILEGAL. NA REALIDADE, EVIDENCIA-SE QUE OS EXPROPRIADOS, PEQUENOS AGRICULTORES QUE SOBREVIVEM BASICAMENTE DA CHAMADA CULTURA DE SUBSISTÊNCIA, SE VIRAM FORÇADOS A ABANDONAR A POSSE DA SUA TERRA EM DECORRÊNCIA DE FATORES

SÓCIO-ECONÔMICOS E CLIMÁTICOS, SOBEJAMENTE CONHECIDOS POR AQUELES QUE TÊM ALGUMA FAMILIARIDADE COM A REALIDADE DO SERTÃO NORDESTINO.

– REDUÇÃO DA VERBA HONORÁRIA QUE SE IMPÕE. FIXAÇÃO EM R$ 2.000, 00, (DOIS MIL REAIS), DE ACORDO COM OS CRITÉRIOS OBJETIVOS ESTABELECIDOS PELO ART. 20, PARÁGRAFO 4º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL.

– APELAÇÃO IMPROVIDA. REMESSA OFICIAL PROVIDA EM PARTE.

Data Publicação 06/04/2001

Acerca da necessidade de exaurimento da instância penal

A regra no Direito brasileiro é a autonomia das instâncias cível e penal. A comunicabilidade é a exceção. O pressuposto e a finalidade das sanções cíveis e penais são diversos. Por exemplo, considere-se que a responsabilidade civil ambiental é objetiva, enquanto que a penal é subjetiva, de modo que um cidadão pode ser obrigado a indenizar um dano ambiental e ser absolvido do crime que lhe corresponderia. Do mesmo modo ocorre com ações judiciais por improbidade administrativa (cíveis) e ações penais. Ademais, lembremos dos muitos casos em que as Casas Parlamentares cassaram mandatos de deputados ou senadores por fatos que, posteriormente, examinados pelo Judiciário, não foram vistos como crimes…

Essa autonomia de instâncias punitivas é tradicional e salutar, pois evita sanções injustas e desproporcionais. Demais disso, minimiza situações de impunidade absoluta, por força da atuação paralela e concomitante de diferentes esferas do Estado (repita-se: com pressupostos e finalidades diferentes).

No caso específico da expropriação regulada pelo art. 243 da Constituição, já foi decidido:

Acordão Origem: TRIBUNAL – QUINTA REGIAO

Classe: AC – APELAÇÃO CIVEL – 13308

Processo: 9205054046 UF: PE Órgão Julgador: PRIMEIRA TURMA

Fonte DJ DATA:07/04/1995 PAGINA:

Relator(a) JUIZ FRANCISCO FALCÃO

Ementa

CONSTITUCIONAL. CULTIVO DE PLANTAS PSICOTROPICAS. EXPROPRIAÇÃO DE GLEBAS. ART. 243 DA CF/88. JURISDIÇÕES CIVIL E PENAL. INDEPENDENCIA.

– A EXPROPRIAÇÃO DE GLEBAS NAS QUAIS É ENCONTRADO CULTIVO DE

PLANTAS PSICOTROPICAS TEM NATUREZA PUNITIVA, MAS INDEPENDE DE AÇÃO PENAL. PROCESSA-SE NO JUIZO CIVEL E DEVE LEVAR EM CONTA O PRINCIPIO DA PROPORCIONALIDADE.

– O DESEJO DE PROMOVER A REFORMA AGRARIA, COM O ASSENTAMENTO DE

COLONOS, NÃO AUTORIZA VIOLAÇÃO DO TEXTO CONSTITUCIONAL, QUE

DETERMINA A EXPROPRIAÇÃO DAS GLEBAS ONDE FOREM LOCALIZADAS CULTURAS ILEGAIS DE PLANTAS PSICOTROPICAS, E NÃO DE TODA A AREA DE TERRAS PERTENCENTES AO RESPONSAVEL POR AQUELAS CULTURAS.

– O ART. 243 DA CF/88 ALBERGA NORMA AUTO-APLICAVEL, E ASSIM PODIA

SER APLICADO MASMO ANTES DA LEI 8257, DE 26/11/91, E

INDEPENDENTEMENTE DE AÇÃO PENAL.

Data Publicação 07/04/1995

Relator Acórdão JUIZ HUGO MACHADO

Da observância ao princípio da proporcionalidade

Duas consequências do princípio jurídico da proporcionalidade: devem ser evitadas punições desarrazoadas e em medida superior ao necessário para o atendimento ao interesse público. No caso das propriedades rurais, estas são, simultaneamente, local e instrumento do crime. Daí se justifica a medida sancionadora.

Ainda sob esta ótica, a PEC em votação trará uma regulação mais compatível com um adequado balanceamento de valores sociais. Afinal, não há dúvida de que escravizar seres humanos agride mais diretamente a vida em sociedade do que o cultivo ilegal de plantas psicotrópicas. Estas talvez não sejam sequer colhidas ou comercializadas, enquanto que a escravização produz danos certos e irreversíveis para suas vítimas.

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