Denúncia vazia

Denúncia deve apontar claramente acusações para garantir defesa

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11 de maio de 2004, 18h29

Os crimes imputados a um acusado têm de ser claramente descritos na denúncia. Assim, o réu pode ter ciência dos ilícitos aos quais responde para exercer seu direito ao contraditório e à ampla defesa. Caso contrário, há a anulação do processo.

O entendimento foi firmado, por maioria, pela 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal no julgamento do Habeas Corpus 83.301. (Leia voto do ministro Cezar Peluso abaixo). Na ocasião, ficaram vencidos os ministros Marco Aurélio e Joaquim Barbosa.

Peluso deferiu pedido de inépcia da denúncia proposto por empresários do Rio Grande do Sul. Segundo a defesa, a denúncia não descrevia o comportamento criminoso imputado aos empresários — o que só teria sido feito na apelação dirigida ao Tribunal Regional Federal.

Segundo o ministro, “qualquer mudança nos termos da imputação do fato criminoso ao réu implica necessidade de nova instrução, ou seja, o teor da acusação predefine sempre os rumos da instrução criminal e os passos da defesa”.

Para embasar seu entendimento, o ministro citou decisão já firmada em julgamento anterior no próprio STF: “Quando se trata de crime societário, a denúncia não pode ser genérica. Ela deve estabelecer o vínculo do administrador ao ato ilícito que lhe está sendo imputado. É necessário que descreva, de forma direta e objetiva, a ação ou omissão da paciente. Do contrário, ofende os requisitos do CPP, art. 41 e os Tratados Internacionais sobre o tema”.

Leia o voto do ministro Cezar Peluso

16/12/2003 PRIMEIRA TURMA

HABEAS CORPUS 83.301-2 RIO GRANDE DO SUL

VOTO – VISTA

1.O SR. MINISTRO CEZAR PELUSO – Insurge-se o impetrante contra acórdão do Superior Tribunal de Justiça que deu por precluso o poder de argüir inépcia da denúncia – a qual não descreveria o comportamento criminoso imputado ao ora paciente -, porque não exercido em primeiro grau, senão apenas na apelação dirigida ao Tribunal Regional Federal, que, conhecendo da questão, afastou, no entanto, a alegação de inépcia.

2.O artigo 41 do Código de Processo Penal, com grifos nossos, exige:

“A denúncia ou queixa conterá a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, a classificação do crime e, quando necessário, o rol das testemunhas.”

Como proposta de modelo de sentença condenatória, a denúncia, ou a queixa, fixa o núcleo substantivo da causa, governa o rumo de toda a instrução e, como objeto de resposta, delimita o campo do iudicium, como capítulo último da sentença, porque é ao redor da denúncia, ou da queixa, que se estrutura e desenvolve todo o processo, do seu início ao trânsito em julgado do provimento jurisdicional, seja em que instância for.

Esta verdade jurídica, que nasce já da percepção do processo penal como alvo das garantias constitucionais enfeixadas na cláusula do justo processo da lei, ou due process of law (art. 5o, incs. LIV e LV, da CF), e, ainda, como instrumento primário da tutela da liberdade e da dignidade da pessoa humana, encontra confirmação expressa em múltiplas normas do Código de Processo Penal.

O art. 156 atribui o ônus da prova da alegação sobre a existência ou inexistência de fato, a quem a fizer. Segundo o art. 188, o réu, após “cientificado da acusação” , deverá ser inquirido sobre “onde estava ao tempo em que foi cometida a infração e se teve notícia desta”, “se é verdadeira a imputação que lhe é feita” , bem como sobre “todos os demais fatos e pormenores que conduzam à elucidação dos antecedentes e circunstâncias da infração” (caput e incs. I, V e VII).

O art. 381, inc. I, impõe que a sentença contenha exposição da acusação.

O art. 384 consagra, em óbvia reverência ao princípio do devido processo legal, nas vertentes do contraditório e da ampla defesa, o nexo indissolúvel entre o teor da acusação, o curso da instrução, a plenitude da mesma defesa e os limites da sentença, quando determina reabertura da instrução, sempre que o juiz reconheça a possibilidade de nova qualificação jurídica do fato, à vista de prova de circunstância elementar não constante da denúncia, verbis:

“Se o juiz reconhecer a possibilidade de nova definição jurídica do fato, em conseqüência de prova existente nos autos de circunstância elementar, não contida, explícita ou implicitamente, na denúncia ou na queixa, baixará o processo, a fim de que a defesa, no prazo de 8 (oito) dias, fale e, se quiser, produza prova, podendo ser ouvidas até três testemunhas” (art. 384, caput. Grifei).

E, no § único, prevê, ainda, aditamento da denúncia, ou da queixa, com faculdade de manifestação da defesa e de prova contraditória subseqüente, se a possibilidade de nova qualificação jurídica do fato importar aplicação de pena mais grave, verbis:


Se houver possibilidade de nova definição jurídica que importe aplicação de pena mais grave, o juiz baixará o processo, a fim de que o Ministério Público possa aditar a denúncia ou a queixa, se em virtude desta houver sido instaurado o processo em crime de ação pública, abrindo-se, em seguida, o prazo de 3 (três) dias à defesa, que poderá oferecer prova, arrolando até três testemunhas” (art. 384, § único, grifei).

Ambas essas normas evidenciam que qualquer mudança nos termos da imputação do fato criminoso ao réu implica necessidade de nova instrução, ou seja, o teor da acusação predefine sempre os rumos da instrução criminal e os passos da defesa.

Nem poderia ser diferente. Tendo o processo caráter dialético, ou agônico, todos os movimentos de contradição lingüística ou real à acusação, nos quais se radica a substância do exercício da ampla defesa, somente podem dar-se perante acusação determinada e conhecida. Não é outra a razão por que o art. 386 relaciona as causas típicas da sentença absolutória às vicissitudes processuais da valoração jurídica do fato atribuído ao réu:

Art. 386. O juiz absolverá o réu, mencionando a causa na parte dispositiva, desde que reconheça:

I – estar provada a inexistência do fato;

II – não haver prova da existência do fato;

III – não constituir o fato infração penal;

IV – não existir prova de ter o réu concorrido para a infração penal; (…)” (grifamos).

Como poderá a defesa perseguir a absolvição, se não tiver ciência nítida do fato que é imputado ao réu?

Resta indagar qual é o título jurídico da sentença condenatória.

Ninguém tem dúvida de que o réu é condenado pela prática do fato narrado na denúncia, ou na queixa, e contra cuja imputação devem ter-lhe sido garantidas todas as oportunidades, legais e justas, de se defender, e não, por conta doutro fato que, revelado apenas pelas entranhas da prova judicial, não constituiu objeto de acusação formal e específica, mas que, se houvera constituído, poderia ser contraditada segundo as regras do justo processo da lei.

3.Essas são breves razões por que me parece insustentável a afirmação, posta no acórdão do Tribunal Regional Federal, de que seria “lícito postergar o detalhamento da participação dos supostos agentes para o curso da instrução penal” , sem dar tino de que, com ela, de todo se inviabiliza o exercício da defesa e se reconhece, sem rebuços, que a denúncia não encerra imputação de nenhum fato determinado, capaz de caracterizar a participação dos réus na suposta empreitada criminosa.

4.À vista da decisiva importância da denúncia, ou da queixa, como ato lingüístico que predetermina o conteúdo da ação penal e os rumos do processo, até quanto às variáveis dos procedimentos, e, portanto, a amplitude do exercício da defesa, penso, escorado em ADA PELLEGRINI GRINOVER, ANTONIO SCARANCE FERNANDES e ANTONIO MAGALHÃES GOMES FILHO, que “a narração deficiente ou omissa, que impeça ou dificulte o exercício da defesa, é causa de nulidade absoluta, não podendo ser sanada porque infringe os princípios constitucionais”. (1)

Porque está em franca hostilidade com as garantias constitucionais do justo processo da lei (due process of law), sobretudo com as exigências do contraditório e da ampla defesa (art. 5o, incs. LIV e LV, da CF), as quais envolvem possibilidade de intervenções processuais oportunas e eficazes, essa nulidade radical e absoluta não é alcançada da preclusão, em não se lhe aplicando as regras subalternas previstas no art. 572 do Código de Processo Penal. É que nenhuma norma de escalão inferior pode, sob pretexto de preclusão temporal, convalidar sentença condenatória proferida ao cabo de processo em que, por deficiência da denúncia, ou da queixa, se haja subtraído ao réu condição essencial para o exercício do contraditório e da ampla defesa.

E a fortiori não o poderia ser aqui, pela singularidade mesma que lhe reconheceu ao caso o Tribunal Regional Federal, ao tentar estender o manto curto da licitude a processo em que, relegando-se, contra a Constituição e a lei, a tarefa de apuração e identificação dos comportamentos que, omitidos nas descrições da denúncia, teriam concretizado a participação dos réus nos hipotéticos fatos criminosos ali narrados, defesa específica contra a ilegalidade de condenação sem acusação prévia só poderia exercitar-se de maneira útil, após a edição da sentença que lhes atribuiu a prática de atos não constantes da inicial, nem de eventual aditamento. Antes disso, não podiam defender-se do que não sabiam, nem argüir nulidade da sentença que lhes deu a saber!


5.Por outro lado, em conformidade com a orientação proposta pelo Ministro Relator, examino desde logo a questão de fundo, relativa à deficiência da denúncia. E, neste ponto, também dou razão aos impetrantes.

6.A denúncia, transcrita na inicial do writ e com cópias reprográficas nos autos (fls. 50 e ss.), ressente-se da atribuição de fatos determinados e típicos ao paciente.

Embora a pretensão punitiva seja de condenar o paciente pelos crimes descritos nos arts. 21, § único, e 22 da Lei nº 7.492/86, (2) não cuidou a denúncia de descrever, na forma circunstanciada exigida pelo art. 41 do Código de Processo Penal, os fatos que teria ele praticado e, em confronto com tais normas, conduziriam à adequação típica. O que fez foi só descrever comportamentos “atribuídos” às empresas “Aurora” e “Fasolo”. Veja-se:

“2. No dia 26.12.89, o auditor Fiscal do Tesouro Nacional, atuante no porto de Rio Grande, Dorival Aparecido Vicente, ao proceder a exame de rotina em mercadoria importada pela empresa AURORA (….)” (fls.51, grifei);

“5. Em perícia realizada na mercadoria apreendida foi constatado que as características descritas na Guia de Exportação da empresa FASOLO não concordavam com as características do couro analisado (…).

Em relação à Guia de Importação, também houve declaração falsa por parte da empresa AURORA (…)” (fls. 52, grifei);

“6. Essas declarações falsas prestadas nas guias de exportação (FASOLO) e de importação (AURORA), enquadram-se nas penas previstas no artigo 21, parágrafo único da Lei n. 7.492/86 (…)” (fls. 52, grifei);

“7. Os denunciados também praticaram o crime previsto no artigo 22 da Lei n. 7.492/86, ao realizarem operações de câmbio não autorizadas, com o fim de promover evasão de divisas do País.

A empresa importadora requereu autorização para efetuar a importação de couro europeu, mais caro que o nacional, mas na realidade importou produto brasileiro. Ao ser efetivado o câmbio, a diferença entre os dois preços finais, que montaria em cerca de US$40.000, iria ilegalmente para fora do país. Portanto, a autorização dada pelo órgão competente para que a importação se realizasse, baseou-se em erro. Erro esse decorrente das falsas declarações prestadas pela empresa.

(…)

O mesmo delito foi praticado pela empresa FASOLO, pois ao exportar sua mercadoria por preço equivalente a (….) evitou que entrassem divisas no país (…)” (fls. 55, grifei).

Cuida-se, como se vê logo, de fatos narrados com minudência e propriedade. Mas tal propriedade e minudência já não se encontram nem descobrem na imputação da autoria a nenhuma pessoa física.

7.Como o sabe toda a gente, “empresas” não cometem crimes. Em nosso sistema penal, a despeito do que estatui a Lei nº 9.605/98, vige o princípio “societas delinquere non potest”, sendo a responsabilidade penal pessoal e, mais que isto, subjetiva.

Ora, por jungir-se a tal modelo de responsabilidade e ao que preceitua o art. 41 do Código de Processo Penal, cumpria ao Ministério Público descrever, à denúncia, os comportamentos, comissivos ou omissivos, que, imputados a pessoas físicas, se subsumissem às normas penais que reputou por elas violadas. Mas desse ônus não se desincumbiu o representante do Ministério Público, porque atribuiu comportamentos supostamente criminosos só às empresas.

Apenas ao cabo da denúncia consta singela referência às pessoas físicas:

“11. As cópias do Contrato Social e respectivas alterações da empresa AURORA, juntadas aos autos, como também as declarações do próprio denunciado, demonstram que era responsável pela gerência da firma o sócio ANTOINE JACQUES HADDAD (…), na condição de sócio-gerente.

Quanto à empresa FASOLO S.A., segundo cópias das Assembléias realizadas juntadas ao Inquérito (…), eram responsáveis pela empresa, FRANCISCO RENAN ORONOZ PROENÇA, na condição de diretor presidente (…) bem como ARMANDO FASOLO FILHO como diretor (…).

12. Assim agindo, praticaram os denunciados as condutas previstas nos artigos 21, parágrafo único e 22, caput da Lei 7.492/86” (fls. 108. Grifos nossos).

Como é vistoso, não se atribui aí, a esse nem àquele, nenhum comportamento criminoso! O que esse fecho da inicial imputa aos denunciados é só a responsabilidade pela administração da empresa, não a prática, sequer no exercício da mesma administração, de algum particular comportamento típico. Ser administrador de empresa não é por si só, escusaria dizê-lo, coisa criminosa, de modo que, porque o fosse em certas circunstâncias, deveriam ter sido descritas, na denúncia, de forma minudente, ações e/ou omissões mediante as quais cada administrador teria, nessa condição, infringido ambas aquelas normas. A denúncia diz apenas: “Assim agindo…”. Assim, como?


Cumpria, pois, estivessem descritas, com todas suas circunstâncias, as eventuais ações ou omissões que, praticadas, pessoal, consciente e finalisticamente, pelo primeiro réu, na específica qualidade de administrador das empresas, se amoldariam aos tipos penais. Ou, de forma mais descongestionada, cumpria à denúncia responder à seguinte questão: “o que fez ou deixou de fazer FRANCISCO RENAN ORONOZ PROENÇA?”

Da sua leitura, nada se sabe, senão apenas que era diretor presidente de uma delas, a qual teria perpetrado ações criminosas contra o sistema financeiro nacional, sem que se logre entrever ou vislumbrar sequer a razão jurídica que teria levado o acusador a creditar-lhe ao ora paciente a autoria dos supostos crimes.

8.A responsabilidade pessoal postulada por nosso sistema jurídico-penal significa que só se caracteriza essa forma agravada de responsabilidade, diante da existência de determinado fato imputável a uma pessoa física, a título de dolo ou culpa. Ou seja, tal responsabilidade pressupõe nexo psíquico que ligue o fato ao seu autor:

“In linea di principio, si può dire che i nessi psichici attraverso i quali l’uomo ‘partecipa’ alla realtà del mondo esteriore, nella quale si collocano anche i suoi comportamenti sono la conoscenza e la volontà. La conoscenza, quale apprendimento della realtà circostante e rappresentazione del proprio comportamento, consente all´uomo di orientare sé e la sua condotta nel mondo. La volontà consente all´uomo di collocarsi nel mondo, nel senso di rapportarsi con la realtà esterna nel modo previamente ritenuto più confacente ai propri scopi” (FRANCESCO PALAZZO, “Introduzione ai Principi del Diritto Penale”, Torino, Giappichelli, 1999, p. 54-55).

O princípio da responsabilidade penal pessoal contrapõe-se a uma série de “residui di incivilità”, como, p. ex., a responsabilidade objetiva, isto é, “l’inflizione della pena a chi non abbia in alcun modo contribuito alla realizzazione del fatto” (GIORGIO MARINUCCI e EMILIO DOLCINI, “Corso di Diritto Penale”, Milano, A. Giuffrè, 2ª ed., 1999, p. 318). Ou, como ensina JUAREZ TAVARES, “o processo de imputação deve ter como ponto de gravidade a consideração de que só será possível atribuir-se o injusto a alguém quando sua realização possa ser afirmada como obra sua e não de terceiros” (“Teoria do Injusto Penal”, BH, Ed. Del Rey, 2a ed. , 2002, p. 252. Grifos nossos).

Ao desatender ao ônus de atribuir ao ora paciente ato ou atos concretos que teriam de algum modo concorrido para a realização dos fatos criminosos, era inevitável fosse o órgão acusador obrigado a atribuir os mesmos fatos ao ora paciente a título de responsabilidade objetiva.

Deveras, à medida que a denúncia não atribui ao ora paciente contribuição pessoal para a prática dos fatos supostamente criminosos ali narrados, só se pode concluir que a atribuição, ou seja, o enlace entre o fato e o agente, é de natureza objetiva e, como tal, frontalmente contrário ao nosso sistema jurídico-penal positivo, formado, neste ponto, pelas normas insertas no art. 5o, incs. XLV e XLVI, da Constituição Federal, nos arts. 13, 18, 20 e 26 do Código Penal e, quanto aos crimes contra o sistema financeiro nacional, no art. 25 da Lei nº 7.492/86.

O caso põe em expressiva evidência a instrumentalidade do processo penal relativamente ao direito penal material: a responsabilidade penal pessoal e subjetiva postula denúncia que atribua a autor determinado a prática de atos concretos como obras suas, por aderência psicológica (dolosa ou culposa).

9.São essas, em resumo, as razões por que ouso discordar da orientação dominante acerca da admissibilidade da chamada denúncia “genérica”, (3) designadamente a que deixa de imputar comportamentos típicos a autores individualizados, nos ditos “crimes societários”, categoria, aliás, desconhecida do nosso ordenamento jurídico-penal.

À base dessa orientação, insustentável à luz dos princípios elementares do justo processo da lei (due process of law), encontra-se uma razão utilitária e subversiva dessas garantias constitucionais do processo penal: a pretensa dificuldade de se averiguar a autoria nos crimes praticados sob as vestes da pessoa jurídica. De modo que, por contornar mero problema de prova prévia, se aniquilam princípios caríssimos ao Direito Penal e ao Estado Democrático de Direito, quais sejam, da responsabilidade penal pessoal, da culpabilidade e do justo processo da lei.

Peço vênia para prestigiar entendimento já adotado desta Corte, verbis:

“HABEAS CORPUS. PENAL. PROCESSO PENAL TRIBUTÁRIO. DENÚNCIA GENÉRICA. RESPONSABILIDADE PENAL OBJETIVA. INÉPCIA.

Nos crimes contra a ordem tributária a ação penal é pública. Quando se trata de crime societário, a denúncia não pode ser genérica. Ela deve estabelecer o vínculo do administrador ao ato ilícito que lhe está sendo imputado. É necessário que descreva, de forma direta e objetiva, a ação ou omissão da paciente. Do contrário, ofende os requisitos do CPP, art. 41 e os Tratados Internacionais sobre o tema. Igualmente, os princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório. Denúncia que imputa co-responsabilidade e não descreve a responsabilidade de cada agente, é inepta. O princípio da responsabilidade penal adotado pelo sistema jurídico brasileiro é o pessoal (subjetivo). A autorização pretoriana de denúncia genérica para os crimes de autoria coletiva não pode servir de escudo retórico para a não descrição mínima da participação de cada agente na conduta delitiva. Uma coisa é a desnecessidade de pormenorizar. Outra, é a ausência absoluta de vínculo do fato descrito com a pessoa do denunciado. Habeas deferido” (HC nº 80.549, 2ª Turma, rel. Min. NELSON JOBIM, vu, j. 20.03.2001. Grifos nossos. No mesmo sentido, HC nº 79.399, rel. Min. NELSON JOBIM, j. 26.10.1999).

10.Concedo, pois, a ordem, extensiva ao co-réu, para anular processo a partir da denúncia, inclusive.

Notas de Rodapé:

1) “As Nulidades no Processo Penal”. São Paulo: Revista dos Tribunais, 7ª ed., 2001, p. 97. Grifamos.

2) “Art. 21. Atribuir-se, ou atribuir a terceiro, falsa identidade, para realização de operação de câmbio:

Pena – Detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem, para o mesmo fim, sonega informação que devia prestar ou presta informação falsa.

Art. 22. Efetuar operação de câmbio não autorizada, com o fim de promover evasão de divisas do País:

Pena – Reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa.

Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem, a qualquer título, promove, sem autorização legal, a saída de moeda ou divisa para o exterior, ou nele mantiver depósitos não declarados à repartição federal competente”. (grifos nossos).

3) Inúmeros os acórdãos neste sentido. Permito-me indicar, ilustrativamente, os seguintes: HC nº 82.242, rel. Min. GILMAR MENDES, 17.09.2002; HC nº 82.246, rel. Min. ELLEN GRACIE, j. 15.10.2002; HC nº 74.791, rel. Min. ILMAR GALVÃO, 09.05.97; HC nº 74.813, rel. Min. SYDNEY SANCHES, 09.09.1997.

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