Memória coletiva

Brasileiros lembram mais de maníaco do parque que da Anaconda

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10 de maio de 2004, 19h13

Os crimes cometidos pelo motoboy Francisco de Assis Pereira, conhecido por maníaco do parque, que confessou ter estuprado e assassinado 11 mulheres em 1998, estão mais presentes na memória da população brasileira do que casos como a recente Operação Anaconda, que desvendou um esquema de corrupção envolvendo de juízes a policiais federais que atuavam em São Paulo.

A conclusão é resultado de uma pesquisa encomendada pelo Conamp — Associação Nacional dos Membros do Ministério Público — ao Ibope, para descobrir o grau de credibilidade do Ministério Público perante a sociedade. Uma das perguntas constantes na pesquisa, que foi estimulada (os entrevistados recebiam uma lista e tinham de escolher os itens dos quais mais se lembravam), era o conhecimento que os participantes tinham de casos em que a entidade teve atuação.

Dentre as 13 opções de casos apresentadas, a mais citada, com 75% dos votos, foi o crime de Assis Pereira, seguido pelo que envolve o cantor Belo – acusado de participar do tráfico de drogas–, com 74%. Outros casos, investigações de grande impacto no cenário político e social do país, como o Jogo do Bicho e a Operação Anaconda, foram citados em 50% e 45% das vezes, e ocupam o 7º e 8º lugar da pesquisa, respectivamente.

Uma das explicações para o fenômeno é que os crimes cometidos por cidadãos comuns causam mais comoção na opinião pública do que os feitos por membros de organizações ou entidades políticas. A opinião é da professora de ciências políticas da Universidade de São Paulo e membro do Centro Brasileiro de Estudos do Poder Judiciário (Cebepej), Maria Tereza Sadek.

“O grau de identificação da população com casos ligados à vida privada é muito maior”, diz Maria Tereza. “As pessoas se sentem ameaçadas pelo maníaco do parque, mas não temem o juiz Nicolau dos Santos Neto (que ocupa o 3º lugar da pesquisa, citado por 69% dos entrevistados)”.

Outro motivo, segundo ela, para a pequena referência a casos como a Operação Anaconda, é a grande quantidade de crimes envolvendo instituições estatais. O volume demasiado de crimes públicos faz com que eles tenham pouco tempo de permanência na memória coletiva.

O que também conta é que nos crimes comuns, a população tem maior facilidade em enxergar o bem e o mal de maneira maniqueísta. “É muito mais simples para as pessoas compreender um crime em que os papéis são bem definidos, que possuam apenas um nome e algumas vítimas. A assimilação é mais fácil porque os fatos são mais polarizados”, diz a professora do departamento de antropologia da USP, Ana Lúcia Pastore Schritzmeyer.

Já o delito organizado envolve um conjunto de pessoas acusadas, que também podem ser vítimas em algum aspecto, e diversos crimes paralelos. Sem contar que nas instituições públicas o bem e o mal convivem lado a lado, o que dificulta a percepção popular.

Tanto que os seis casos mais citados pelos entrevistados na pesquisa envolvem crimes com um único protagonista — maníaco do parque, cantor Belo, escândalo do juiz Nicolau dos Santos Neto, caso Jorgina (Máfia da Previdência), corrupção cometida pelo ex-prefeito de São Paulo, Celso Pitta, e assassinato do ex-prefeito de Santo André, Celso Daniel.

Outra questão, segundo ela, é a percepção dos resultados nos casos públicos e privados. “O maníaco do parque, por exemplo, está preso até hoje, e o histórico dos crimes cometidos por ele se desenrolou quase como num folhetim, com começo, meio e fim culminando na punição, na vingança. Por outro lado, a maioria dos envolvidos em grandes escândalos da vida pública não foi punida até hoje”, disse.

Neurônios

A questão que as pessoas podem levantar é: “será que vale a pena gastar neurônios para entender o que está acontecendo se muito provavelmente vai terminar tudo como estava?”, diz Ana Lúcia.

Isso se dá porque o sistema de Justiça brasileiro ainda carrega o estigma de ser um Poder que cede a interesses do regime político. Não se acredita que ela vá atuar em questões de interesse público de forma límpida e neutra, sem servir a interesses privados e de elite, de acordo com ela.

“Ao escolher entre ficar na compreensão rasante e no entendimento mais aprofundado, a sociedade em geral, num país em que a educação está em segundo plano, prefere ficar na superfície”, diz.

Ana Lúcia destaca, ainda, a temática dos crimes dos dois primeiros colocados na pesquisa — Maníaco do Parque e Belo. Segundo ela, casos que tenham conotação sexual e envolvam drogas, por exemplo, são muito emblemáticos, ganham grande destaque na mídia e são tiros certeiros no interesse de determinadas camadas da população.

Opinião semelhante tem o promotor do Ministério Público de São Paulo, Roberto Livianu. Para ele, a fixação do caso do maníaco do parque na memória dos brasileiros se deve ao tipo de crime que foi cometido. “O Brasil não tem história de crimes em série e crimes de violência como o cometido por ele mexe com o sentimento popular”, diz Livianu. No caso do cantor Belo, ele destaca o fato de estar no alvo “uma celebridade”.

Educação se aprende na escola

A cobertura da mídia e o entendimento que a população em geral tem das instituições públicas são cruciais para entender o resultado da pesquisa, segundo a coordenadora do Núcleo de Estudos da Violência da USP e doutora em psicologia social pela Universidade de Londres, Nancy Cárdia .

Familiares da vítima, pessoas ligadas ao acusado e o passo a passo das investigações de casos como o do maníaco do parque são em geral acompanhados de perto pela mídia e exaustivamente noticiados pela televisão e pelo rádio. Crimes como o articulado pela Operação Anaconda, no entanto, não ganham espaço no noticiário pela complexidade dos fatos.

“Como você vai apresentar um caso tão complexo em tão pouco tempo, para uma população que não aprendeu o funcionamento das instituições públicas na escola?”, questiona Nancy. “Quem mais trata de crimes como o da Operação Ancaconda são os jornais e as revistas”, que são consumidas por uma parcela muito pequena da sociedade.

Veja o ranking dos casos mais citados pela população

Maníaco do Parque — 76%

Caso do cantor Belo — 74%

Caso Juiz Nicolau — 69%

Máfia da Previdência – Caso Jorgina — 55%

Caso Pitta — 54%

Caso Celso Daniel — 50%

Jogo do Bicho — 50%

Operação Anaconda — 45%

Máfia dos Combustíveis — 43%

Propinoduto — 20%

Escândalo dos Gafanhotos — 20%

Escândalo da Mandioca — 18%

Caso Arcanjo — 18%

Nenhum deles — 4%

Não sabe/Não opinou — 4%

* A pesquisa completa do Ibope pode ser encontrada no site da Conamp

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