Assinatura virtual

Empresas devem permitir assembléias com voto eletrônico

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8 de maio de 2004, 13h50

O desenvolvimento científico e técnico, que, a partir da segunda metade do século XVIII, desencadeou a “revolução industrial”, modificou, profunda e radicalmente, o processo produtivo e econômico e transformou, consideravelmente, a vida social, intelectual e política da Inglaterra e, depois, no decorrer do século XIX, dos principais países europeus. Ele não foi, entretanto, capaz de alterar a arraigada prática de exigir-se a assinatura dos indivíduos na formalização de contratos ou para sacramentar acordos de vontade ou deixar patente suas manifestações volitivas.

No século XIX, no apogeu do estado liberal, em que a autonomia de vontade e a força obrigatória dos contratos fazia surgir vínculos perenes, autêntica “lei entre as partes”, a aposição da assinatura dos contratantes nos instrumentos públicos ou particulares, pessoalmente ou por seus legítimos representantes, manteve-se imprescindível, formalidade essencial e absolutamente indispensável sem a qual a avença sequer teria existência jurídica.

No século XX, em especial a partir dos anos 50, não obstante o debilitamento dos cânones do liberalismo econômico e, com ele, o enfraquecimento da vontade do indivíduo na formação e aperfeiçoamento dos atos e negócios jurídicos, particularmente devido aos estreitos limites criados por leis de ordem pública, e, ademais, apesar do advento e a expansão dos meios de comunicação nas duas últimas décadas do século passado, a obrigatoriedade da assinatura, em papéis e documentos, de toda e qualquer espécie e para todo e qualquer fim, permaneceu intocada, salvo em casos especialíssimos, v.g., emissão de cheques e de cautelas ou de certificados de ações, em que a autenticação por processos mecânicos ou eletrônicos passou a ser usual.

Fiel à tradição, a excelente Lei de Sociedades por Ações brasileira, quando elenca as formalidades essenciais referentes à “legitimação e representação” do sócio na assembléia geral (art. 127) e à lavratura de ata (art. 130), exige que o acionista assine, respectivamente, o Livro de Presença e a ata dos trabalhos e deliberações da assembléia.

Estamos nos Tempos Pós-Modernos, globalizados, criativos e andróginos, de Domenico De Masi, em que o tempo deve ser otimizado, pois “estamos caminhando em direção a uma sociedade fundada não mais no trabalho, mas no tempo vago”; na era da “empresa flexível” e da “terceira onda”, de que fala Alvin Toffler, em que a técnica e a tecnologia revolucionaram “o mercado das comunicações superindustrial”; na era das logomarcas, em que “a marca x não é um produto, mas um meio de vida, uma atitude, um conjunto de valores, uma expressão, um conceito”, segundo Naomi Klein, difundida por todo globo terrestre pela mídia impressa e televisiva.

Estamos na era da governança corporativa, em que os direitos e interesses dos acionistas devem ser preservados, mas, por igual, garantido o seu pleno exercício. Na era do conhecimento, da informática e da comunicação, em que desapareceram as fronteiras e as distâncias e as notícias e as imagens de fatos e situações, onde quer que ocorram, são transmitidas em “tempo real”.

Nesse contexto, pergunto: não chegou o momento de inovar, sem prejuízo da segurança, para permitir que os milhares, por vezes milhões, de acionistas anônimos das companhias abertas nacionais, espalhados por todas as regiões, possam, querendo, participar das deliberações das assembléias gerais das sociedades das quais são co-proprietários, proferindo votos e formulando protestos e impugnações por comunicação eletrônica no legítimo exercício de seus direitos e prerrogativas de sócios, o que, em última análise, se traduzirá em efetiva colaboração na gestão social e na fiscalização dos atos dos administradores?

No momento em que as teleconferências e as videoconferências se disseminam, a ponto de propiciar que uma junta médica de renomados neurocirurgiões, instalada em determinado continente, participe de delicada cirurgia de um paciente em estado gravíssimo em outro continente, separados por vasto oceano e milhares de quilômetros, não é hora de pensar-se no voto por e-mail e por outros meios eletrônicos, eliminando-se as barreiras que impedem os acionistas de se fazerem ouvir, tal como recomendado pelo estudo realizado em 1997 pelo Centre for European Policy Studies, conforme relatado por Stephen M. Davis?

Por fim, a indagação: como votar por comunicação eletrônica se a assinatura do acionista no Livro de Presença é formalidade essencial, que não pode ser substituída por uma firma digital, possível em documentos eletrônicos?

As respostas vêm da pena de Bernardo P. Carlino, autor do livro Firma Digital y Derecho Societário e do 11º Congresso Internacional Interdisciplinar La Justicia y la Abogacía frente al siglo XXI (Buenos Aires, 1994), que pregam o voto por correspondência e por e-mail. Tal facilidade já é permitida na Espanha (Real Decreto Legislativo 1564/1989, de 22.12, art. 105, nº 4), na França (Code de Commerce, art. L225-107, alterado pela Lei nº 2001-420, de 15.05.2001), na Itália (Decreto Legislativo nº 06, de 17.01.2003, art. 2370), entre outros, e, inclusive, no Brasil (Instrução CVM nº 391, de 16.07.2003, que prevê o voto dos cotistas dos Fundos de Investimentos em Participações por comunicação eletrônica).

Observe-se que, hoje, no país, diversas empresas já oferecem serviços de autenticação digital e assinatura digital, bem como a Medida Provisória n° 2.200-2, de 24 de agosto de 2001, visando garantir a autenticidade, a integridade e a validade jurídica de documentos em forma eletrônica, além da realização de transações eletrônicas seguras, instituiu a Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil).

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