Alcoolismo é doença

Quem sofre de alcoolismo não deve ser demitido por justa causa

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4 de maio de 2004, 9h59

O trabalhador não pode ser demitido por justa causa porque sofre de alcoolismo crônico. A decisão foi tomada pela Subseção 1 Especializada em Dissídios Individuais do Tribunal Superior do Trabalho, que acolheu os embargos de um ex-funcionário do Banco de Brasília (BRB).

Os ministros entenderam que não se aplica o artigo 482 da CLT — que inclui a “embriaguez habitual ou em serviço” entre os motivos para demissão por justa causa — ao caso. Isso porque o alcoolismo é reconhecido formalmente como doença pela Organização Mundial de Saúde e relacionado no Código Internacional de Doenças (CID) como “síndrome de dependência do álcool”.

O relator do processo, ministro João Oreste Dalazen, num longo e detalhado voto, ressaltou que o alcoolismo “é patologia que gera compulsão, impele o alcoolista a consumir descontroladamente a substância psicoativa e retira-lhe a capacidade de discernimento sobre seus atos”. Para o ministro, o trabalhador merece “tratamento e não punição”.

O bancário, admitido em 1990, foi demitido em 1997 por justa causa depois de vários anos de tentativas de tratamento para vencer o alcoolismo. Nesse período, esteve internado 15 vezes em clínicas de reabilitação, e em várias delas abandonou o tratamento antes da sua conclusão ou cometeu infrações que levaram a seu desligamento das clínicas.

Em sua ficha de acompanhamento social, o BRB registrou todos esses episódios, faltas injustificadas, comparecimento ao serviço sob efeito do álcool e problemas familiares. Finalmente, após instauração de processo administrativo motivado por vários dias consecutivos de faltas não justificadas, o banco o demitiu por justa causa.

O trabalhador não compareceu ao sindicato para a homologação da rescisão contratual. No cálculo das verbas rescisórias, o banco apurou um líquido negativo de R$ 2.350,00 e ajuizou reclamação trabalhista na 14ª Vara do Trabalho de Brasília pedindo a declaração da extinção do contrato de trabalho, a homologação judicial da rescisão e a condenação do empregado à devolução daqueles valores.

A Vara do Trabalho considerou o pedido improcedente. Em sua sentença, o juiz observou que “o alcoolismo, atualmente, é tido como uma doença pela própria Organização Mundial de Saúde”, e que “todas as faltas expostas como geradoras do despedimento motivado, na realidade, decorreram da doença a que (o trabalhador) está acometido”. Diante disso, considerou que “não seria razoável que o empregado fosse despedido em decorrência de atos causados pela sua doença e praticados inconscientemente, sem qualquer intenção ou culpa”.

O BRB recorreu ao Tribunal Regional do Trabalho de Brasília, que manteve a sentença. O banco recorreu então ao TST. A 5ª Turma da Corte Trabalhista acolheu os argumentos do banco, caracterizando a justa causa, por considerar que o caso se enquadrava na “embriaguez habitual em serviço”.

Com a decisão, o empregado ajuizou embargos em recurso de revista, pedindo que a sentença original fosse reestabelecida. O pedido foi acolhido pelos ministros.

Considerando a posição atual da Organização Mundial de Saúde em relação ao alcoolismo, o ministro Dalazen registrou que “o dramático quadro social advindo desse maldito vício impõe que se dê solução distinta daquela que imperava em 1943, quando passou a viger a letra fria e hoje caduca do art. 482, ‘f’, da CLT, no que tange à embriaguez habitual”.

A maioria dos integrantes da Subseção seguiu o voto do relator, que entendeu que “cumpre ao empregador, ao invés de dispensar o empregado por justa causa, encaminhá-lo para tratamento médico junto ao INSS, provocando o afastamento desse empregado do serviço e, por conseguinte, a suspensão do contrato de trabalho”.

Para o ministro Dalazen, “há aí certa incompreensão, ou, quando menos, falta de caridade, de magnanimidade para com situação grave, séria e dolorosa, do ponto de vista pessoal e social. Convém recordar que as empresas têm também responsabilidade social decorrente de mandamento constitucional”.

Embora ressaltando o valor dos esforços feitos pelo BRB no sentido de ajudar o trabalhador a superar a doença, o relator concluiu que “se o empregador optasse por se desvencilhar do empregado alcoolista – embora se me afigure uma opção pouco caritativa – o máximo que poderia fazer seria uma despedida sem justa causa”. (TST)

E-RR-586.320/1999

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