Sequelas do golpe

Militante torturado durante golpe militar pede indenização no STJ

Autor

30 de junho de 2004, 11h29

A 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça vai decidir se um ex-militante político deve receber indenização por danos morais e materiais por ter sido perseguido, torturado e preso no Golpe Militar de 1964, durante operação desencadeada pelo DOI-Codi conhecida como “Operação Catarina”.

A relatora do caso é da ministra Eliana Calmon. A questão permanece sem julgamento definitivo porque há um impasse em relação à prescrição ou não do direito reclamado pelo ex-militante. Por enquanto, o recurso está empatado.

Segundo o site do STJ, quando o processo foi levado à sessão pela primeira vez, após o voto da relatora, o ministro Franciulli Netto pediu vista do processo. A relatora entende que o pedido está prescrito.

Mas, para o ministro Franciulli Netto, o ex-militante só perdeu o direito à indenização por danos materiais. Ou seja, não cabe a prescrição para os danos morais. O julgamento da matéria foi novamente interrompido pelo pedido de vista do ministro João Otávio de Noronha.

O recurso foi movido pela União contra determinação do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (RS), que afastou a hipótese de prescrição qüinqüenal (prazo de cinco anos para prescrever), reformando a sentença de primeiro grau.

O ex-militante pede indenização por danos emergentes correspondentes a US$ 400 mil, além de pensão mensal de R$ 2,4 mil até os 80 anos. Também quer receber como lucros cessantes o valor de 380 salários mínimos.

Os desembargadores federais entenderam que a Lei 9.140/95 teria reaberto o prazo prescricional para o ajuizamento da ação reparatória em casos relacionados com atividades políticas no período de 2 de setembro de 1961 a 15 de agosto de 1979. Para o TRF-4, a Medida Provisória 2.151-3/2001 definiu o regime legal aplicável ao anistiado político, declarando quais seriam os beneficiados e os critérios de indenização.

Assim, o próprio direito à declaração de anistiado somente teria surgido com o reconhecimento dessa condição, fosse pela medida provisória, por ato administrativo ou judicial específico — portanto correria a partir daí o prazo prescricional.

Por sua vez, a União argumenta que todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda prescreve em cinco anos. E cita julgados do Supremo Tribunal Federal e súmula do próprio STJ que defendem a prescrição qüinqüenal. Dessa forma, garante estar prescrita a ação, pois o prazo deve ser contado, quando muito, da data da edição de decreto estadual (Decreto 577/91) que abriu os arquivos públicos do Paraná. A partir desse ato, foi possível obter os documentos necessários para a comprovação do direito do ex-militante, essenciais para se interpor a ação. O governo sustenta ainda que a Lei 9.140/95 e a MP 2.151-3/2001 não têm a faculdade de reabrir o tempo prescricional.

A ministra Eliana Calmon acolheu os argumentos da União e entendeu que a citada lei não se aplica ao caso. Quanto à MP 2.151-3/2001, ele afirmou que a norma foi revogada por outra MP, a 65/2002. A relatora ainda citou que a “Constituição de 1988 restabeleceu a normalidade da vida política nacional, deixando os cidadãos brasileiros à vontade para recorrer ao Judiciário”.

Entretanto, continuou a ministra, para muitos faltava a prova material da condição de vítima do Governo Militar, o que pôde ser feito quando do Decreto estadual 577/91. Mas, mesmo podendo entrar com ação desde junho de 1991, o ex-militante propôs a ação somente em 21 de julho de 1997. Por esse motivo, a relatora votou pela restauração da sentença de primeiro grau — que decidiu por vencido o tempo de cinco anos em que a ação poderia ter sido proposta.

Com interpretação diferente, o ministro Franciulli Netto votou pela prescrição somente no que se refere aos danos patrimoniais. “Em se tratando de lesão à integridade física, que é um direito fundamental, ou se deve entender que esse direito é imprescritível ou a prescrição deve ser a mais ampla possível, que, na ocasião, nos termos do artigo 177 do Código Civil então vigente, era de 20 anos”, afirmou.

O ministro citou julgamento da 1ª Turma do STJ em que, em questão relativa à responsabilidade civil do Estado por prática de tortura no período militar, decidiu-se pela não prescrição qüinqüenal em caso de indenização por danos morais, por se tratar de defesa dos direitos fundamentais.

Mas, para o ministro, o mesmo entendimento não cabe aos efeitos patrimoniais, para os quais deve ser observado o prazo prescricional estabelecido pelo Decreto 20.910/32 — que, no caso em questão, deve ser contado a partir de junho de 1991.

Assim, a ministra Eliana Calmon e o ministro Franciulli Netto divergem somente em relação à prescrição da ação por danos morais. Os dois estão de acordo quanto à prescrição qüinqüenal para a ação por danos patrimoniais.

O processo deverá ser julgado, com a apresentação do voto de vista do ministro João Otávio de Noronha apenas no próximo semestre, quando voltam a ser feitas as sessões da 2ª Turma.

Resp 475.625

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!