Leilão na rede

Sites de leilão não são responsáveis pelos negócios que promovem

Autor

  • Marco Aurelio Brasil Lima

    é advogado em São Paulo sócio do escritório Godoi Brasil Advogados Associados pós-graduado em Direito Empresarial pela FGV-SP e professor de Comércio Eletrônico na Unigran.

29 de junho de 2004, 13h30

Um dos modelos de negócio nascidos na esteira da chamada “nova economia” (ou “economia digital”) que apresenta crescimento mais pujante e vistoso é o dos sites de compra e venda, popularmente conhecidos como “sites de leilão”.

A idéia é muito boa: no site qualquer pessoa encontra espaço para anunciar seus produtos à venda;.recebendo uma oferta por parte de um pretendente a comprador, acerta com este os detalhes da venda diretamente; ambos têm, então, um prazo para vir ao site e dizer como foi negociar a contraparte, dando um voto (ou qualificação), que pode ser positivo, neutro ou negativo. Cada voto é computado como um ponto, o que faz com que os negociantes melhor pontuados apresentem maior confiabilidade aos demais, fomentando mais negócios.

O modelo tem sido extremamente valioso para comerciantes alcançarem uma vitrine que jamais alcançariam com um negócio estabelecido física, e não “virtualmente”, e tudo a um custo bastante pequeno (geralmente 5% do valor dos produtos efetivamente vendidos).

Centenas de pessoas estão encontrando nesse modelo sua atividade principal, seu sustento mesmo. Não têm de arcar com os custos da manutenção de uma loja e são apresentados a compradores que jamais conheceriam não fosse essa ferramenta. Além deles, particulares interessados em comercializar eventualmente um ou outro produto que esteja sobrando em casa também lançam mão dos sites de compra e venda com grande sucesso. Negócios estão sendo fechados onde não seria possível sem os sites, o que equivale dizer que a economia está sendo aquecida, desenvolvimento está sendo gerado.

Recentemente, decisões judiciais desencontradas têm levantado uma interessante questão: qual a responsabilidade desses sites pelo que é negociado a partir de anúncios que eles veiculam? Podem eles ser considerados fornecedores de produtos à luz do Código de Defesa do Consumidor, passando a responder solidariamente junto aos vendedores quando, por exemplo, o comprador recebe produto diverso do que contratou, ou, apesar de haver pago, deixa de receber o produto? Penso que a resposta seja um sonoro não.

A natureza do negócio é assemelhada à dos classificados de jornais. O site está, assim como o jornal, disponibilizando espaço para que terceiros dele se valham, colocando conteúdo exclusivamente seu, sem interferência do veículo. A ninguém ocorre, por exemplo, responsabilizar o jornal caso o veículo nele anunciado revele possuir algum defeito após a compra do mesmo por um leitor.

O ponto determinante, parece-nos, está em que tanto o leitor do jornal que consulta a seção de classificados, quanto o internauta que procura na Internet o produto de que precisa, sabem perfeitamente que estão lendo anúncios com conteúdo de terceiro. Ambos sabem que os textos e imagens constantes dos anúncios são de responsabilidade exclusiva dos anunciantes. Os veículos atuam, pois, como meros aproximadores de pessoas, “vendendo” ao interessado não exatamente o produto, mas a informação sobre quem tem aquele produto para vender. O contrato de venda e compra propriamente dito é fechado entre os particulares diretamente, fora das raias do veículo.

A objeção que se faz à isenção de responsabilidade pura e simples no caso dos sites de compra e venda é que, diferentemente do observado no caso do classificado de jornal, o site recebe uma porcentagem do produto da negociação.

O raciocínio é tortuoso e sem respaldo legal. Na verdade, a forma de remuneração não desnatura o negócio. Ele continua sendo de aproximação entre vendedor e comprador, apenas. O site continua não estocando, não manipulando, não conferindo ou aferindo os produtos, não recebendo o valor da venda, enfim, não agindo como fornecedor de produtos, e é entre fornecedores de produtos (fabricante e comerciante) que a lei consumerista reconhece solidariedade.

Ora, solidariedade não se presume, decorre da lei ou da vontade das partes, como, aliás, bem observou a juíza Lais Helena Bresser Lang em sentença a processo que discutia o assunto, quando reconheceu isenção de responsabilidade do MercadoLivre.com – líder do segmento no Brasil – quanto à não entrega de produto adquirido por uma sua usuária (processo nº 002.03.049.124-1 da 1ª Vara Cível do Foro Regional de Santo Amaro-São Paulo-SP).

Ademais, nesse ponto o serviço do site de compra e venda é bastante semelhante ao do corretor de imóveis, que aproxima comprador e vendedor, recebe uma porcentagem do negócio e não é responsável pelo pagamento por parte do comprador ou pela qualidade do imóvel vendido. Esta analogia foi reconhecida em outro processo que isentou o site de responsabilidade, dessa vez da Primeira Turma Recursal do Rio de Janeiro-RJ (recurso nº 2003.700.006915-1, de autoria do Dr. Cleber Ghelfenstein).

É evidente que os sites não compactuarão com o uso de seu espaço por parte de estelionatários e maus comerciantes, interessados em lesar a boa fé dos compradores, já que isso representaria sua morte comercial. Manter uma comunidade segura é essencial ao desenvolvimento do site, atraindo mais usuários e estimulando mais negociações.

Assestar aos sites de compra e venda responsabilidade além do que a natureza de seu negócio pede seria não apenas uma violência jurídica, mas potencialmente inviabilizar um modelo de negócio exepcionalmente promissor, capaz de estimular desenvolvimento e gerar e distribuir riqueza. Fujamos disto!

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!