Preto no branco

Leia íntegra da notificação judicial da Microsoft contra presidente do ITI

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28 de junho de 2004, 21h08

A Microsoft protocolou, dias atrás, notificação judicial com pedido de explicações ao presidente do ITI — Instituto Nacional de Tecnologia da Informação — Sérgio Amadeu (leia íntegra abaixo).

A empresa de Bill Gates alegou que algumas declarações de Amadeu à revista CartaCapital na entrevista “O Pingüim Avança” poderiam ser enquadradas como crime de difamação.

Em frase atribuída ao presidente do ITI pela revista, ele compara a estratégia da empresa de ofertar a gestores do poder público o sistema operacional Windows sem a cobrança imediata do pagamento das licenças de uso à “prática de traficante”.

Confira na íntegra a interpelação judicial contra Sérgio Amadeu

“Excelentíssimo Senhor Doutor Juiz de Direito da Vara Criminal da Comarca de Barueri, Estado de São Paulo

MICROSOFT INFORMÁTICA LTDA, sociedade constituída e existente de acordo com as leis do Brasil, com sede na Cidade de São Paulo, na Avenida das Nações Unidas, 12901, Torre Norte, 27º andar, inscrita no C.N.P.J. Sob nº 60.316.817/0001-03, por seu representante legal (Doc. Nº 01) e

advogados infra-assinados (Doc. Nº 02), vem, respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, promover contra SÉRGIO AMADEU DA SILVEIRA, brasileiro, Presidente do Instituto Nacional de Tecnologia da Informação (“ITI”), com endereço na SCN Quadra 04, Bloco B, Pétala D, sala 1102, Edifício Centro Empresarial Varig, CEP: 70710-500 – Brasília/DF, o presente:

PEDIDO DE EXPLICAÇÕES

com fulcro no artigo 25 e seguintes da Lei Federal nº 5.250, de 09 de fevereiro de 1967 – Lei de Imprensa – e pelos moldes de fato e de direito a seguir expostos:

I – DA COMPETÊNCIA EXCLUSIVA DESTE ILUSTRE JUÍZO PARA CONHECER, PROCESSAR E JULGAR O PRESENTE PEDIDO DE EXPLICAÇÕES

1.- Nos expressos termos do artigo 42 da Lei de Imprensa, que é taxativo, o Juízo competente para conhecer, processar e julgar o Pedido de Explicações é do lugar onde foi impresso o jornal ou periódico, no caso presente, no local onde foi impressa a revista Carta Capital que veiculou a matéria tida pela Requerente como incriminada. Confira-se:

Artigo 42 – “Lugar do delito, para determinação da Competência Territorial será aquele em que impresso o jornal ou periódico, e o do local do estúdio do permissionário ou cessionário do serviço de radiofusão, bem como o de administração principal da agência noticiosa. Parágrafo Único: “Aplica-se nos crimes de imprensa o disposto no art. 85 do Código de Processo Penal.”

2 – A jurisprudência pacífica de nossos Tribunais ratifica o que está consignado na Lei Especial, conforme os julgados inseridos nas revistas: JUTACRIM 68/181; 67/225; 78/412; Ri 555/343; 559/379; 556/315; 578/361; 656/269; 603/365 e etc…

3 – Consoante se verifica no expediente da revista em questão ela é impressa na Avenida Marcos Penteado Uchôa Rodrigues, 400, Santana de Parnaíba/SP – Plural Editora e Gráfica, pertencente a esta Comarca de Barueri.

4 – Por ser assim, esse Juízo deve processar e julgar o presente Pedido de Explicações.

II – DOS FATOS

5 – Aos 17 de março de 2004, foi publicada, na Revista Carta Capital, sob o título “O pinguim avança”, matéria jornalística tratando do crescimento de empresas privadas que passam a adotar os softwares livres e da intenção do Governo Federal em lançar campanha publicitária a favor destes mesmos softwares.

6 – nessa matéria jornalística veiculada, o Senhor Sérgio Amadeu, ora Requerido, ao exercício de cargo público de Presidente do Instituto Nacional de Tecnologia da Informação (ITI), com o objetivo de disseminar os softwares livres entre os Ministérios, Empresas Públicas e Autarquias, deu declarações agressivas e despidas de quaisquer respaldos técnicos sobre a utilização de softwares desenvolvidos pela Microsoft, ora Requerente.

III – DAS REFERÊNCIAS E DAS ALUSÕES FEITAS À EMPRESA REQUERENTE, PELO REQUERIDO, DAS QUAIS SE INFERE DIFAMAÇÃO

7 – Com o propósito ainda não esclarecido, o Requerido, na condição de Presidente do ITI, concedeu entrevista à revista Carta Capital, na qual fez referências e impulações de caráter ofensivo à Requerente, valendo-se de frases e expressões que se infere difamação, nos termos do artigo 21 da Lei nº 5.250/67, que são as seguintes:

“ Na defesa do software livre, Amadeu não poupa críticas à Microsoft, a quem acusa de “prática de traficante” por oferecer o sistema operacional Windows e alguns governos e prefeituras para instalação em programas de inclusão digital. “Isto é presente de grego, uma forma de assegurar massa crítica para continuar aprisionando o País”.

“Para Amadeu, este ano será decisivo para vencer ‘a estratégia do medo, da incerteza e da dúvida’, como ele classifica o modelo de negócios da Microsoft” (grifos nossos)

8 – Como se demonstrará a seguir, além de absurdas e delituosas, as declarações prestadas pelo Sr. Presidente do ITI extrapolam proibições e descumprem deveres inerentes ao cargo público que o Requerido exerce.

9 – E, por tipificar difamação as declarações em questão, configurados estão os pressupostos exigidos pelo artigo 25 e parágrafos da lei 5250/67 para o ajuizamento deste Pedido de Explicações.

IV – DO DIREITO

10 – As expressões ofensivas lançadas pelo requerido na entrevista concedida insurgem na aplicação da regra normativa prevista no artigo 12 da Lei de Imprensa, que impõe a aplicação da legislação especial citada quando houver excesso na liberdade de manifestação e pensamento, por meios de informação e divulgação.

11 – A manifestação esposada no contexto da entrevista concedida pelo Requerido, “prática de traficante”, ofende o preceito primário da norma tipificadora do delito de difamação, sedimentada no artigo 21 da Lei Federal 5250/67.

12 – Consiste a difamação na imputação a alguém de fato ofensivo à sua reputação. Aceita pacificamente pela doutrina e pelo pretório brasileiro, a pessoa jurídica figura como sujeito passivo do crime de difamação, vez que a reputação vem inserida da honra objetiva, similitude de imagem, atributos cultivados pela pessoa e reconhecidos pelo conjunto social.

13 – Nesse sentido, Julio Fabbrini Mirabete, in Manual de Direito Penal, editora Atlas, 16º edição, páginas 161 e 162, ensina que:

“Quanto à Lei de Imprensa, nossos tribunais têm decidido pela admissibilidade do crime de difamação tendo como sujeito passivo uma pessoa jurídica”.

14 – A jurisprudência de nossos tribunais ratifica o entendimento da doutrina conforme se vê nos julgados abaixo transcritos:

“Inquestionável, pela Lei de Imprensa, ser pessoa a pessoa jurídica passível, de crime contra a honra, controvertendo-se apenas a compatibilidade de tal ou qual das figuras penais (calúnia, difamação, injúria) com a referida sujeição passiva”. (STF – RHC – Rel. Rafael Mayer – RT 561/414)

“Lei de Imprensa – crimes contra a honra – Pessoa Jurídica – difamação e injúria – a pessoa jurídica pode ser sujeito passivo de crimes contra a honra. Embora tal atrubuto seja próprio da pessoa humana, não se poderá negar a pessoa jurídica um patrimônio moral que consubstancia bom nome, respeitabilidade e confiança. Abalo do tal patrimônio, as consequ~encias inevitáveis seriam o descrédito, a ruína, a falências ou a concordata”. (TACRIM – SP – AC 367/767 – Rel. Gilberto Gama)

“Crime contra a honra – pessoa Jurídica – sujeito passivo – Possibilidade – As pessoas jurídicas podem ser sujeitos passivos de crime contra a honra, exceto o de calúnia – posto que não se cometeu delitos – pois sua reputação e credibilidade são passíveis de abalo, com reflexos em sua vida econômica”. (TACRIM – SP – AC 428-169 – Rel. Silvio Rigo)

15 – Assim, demonstrada a possibilidade de a pessoa jurídica ser vítima de crimes contra a honra, notadamente difamação, surge-lhe a faculdade de exercer o direito previsto no artigo 25 da Lei 5.250/67 (“Lei de Imprensa”) e seus parágrafos:

“ art. 25 – Se de referência, alusões ous frases, se infere calúnia, difamação ou injúria, quem se julgar ofendido poderá notificar judicialmente e responsável, para que, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, as explique. § 1º – Se neste prazo o notificante não dê explicação, ou a critério do juiz, essas não são satisfatórias, responde pela ofensa. § 2º – A pedido do notificante, o juiz pode determinar que as explicações dadas sejam publicadas ou transmitidas, nos termos do art. 29 e ss.”

16 – Malgrado a expressão lançada prontamente ensejar a intervenção jurisdicional, a matéria jornalística não seguiu um padrão de perguntas e respostas, inserindo opiniões do Requerido.

17 – posto isto, requer-se que o notificado responda as questões inseridas no rol abaixo, nos termos do artigo 25 da Lei de Imprensa e ao final Vossa Excelência identifique o juízo de valor atribuído às respostas apresentadas, caso essas sejam dadas e, em ocorrendo a retratação, que se aplique o disposto no § 2º do referido artigo 25, fazendo com que tal retratação seja publicada na mesma seção da revista Carta Capital, onde foi publicada a matéria ofensiva, a dispêndio do requerido.

Rol de Perguntas:

1 – O Requerido manifestou-se sobre software livre para a revista Carta Capital, em matéria publicada na edição de nº 282 de 17 de março de 2004?

2 – O Requerido referiu-se à atividade da requerente Microsoft como “prática de traficante”?

3 – O que significa para o Requerido “prática de traficante”?

4 – Como o Requerido interpreta a expressão “traficante”?

5 – O que significa a expressão proferida pelo Requerido “estratégia do medo, da incerteza e da dúvida” contida na matéria publicada?

6 – Existe algum liame lógico e/ou intenção do Requerido em tipificar a conduta da requerente de “prática de traficante” com a expressão lançada na sequência da sua entrevista “estratégia do medo”?

Termos em que, Pede Deferimento.

São Paulo, 7 de junho de 2004

Beatriz M. A. Camargo Kestener

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