Justiça responsável

Em muitos casos, ato jurisdicional não é exercido como deveria.

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26 de junho de 2004, 11h09

Julgar não é lançar palavras concatenadas num texto sem conexão, espalhar conteúdo numa dimensão lógica de um raciocínio fútil, concluindo ou desfechando atividades decisórias.

Julgar não é afagar uma realidade desreal ou ilusória, extremar-se pelo imaginário ou até cinematográfico explanado pelo mundo televisivo, facultando exteriorizações mutantes de idéias e pensamentos incoadunáveis com a realidade hodierna.

Julgar não significa o “achar”, o “supor” ou o “imaginar”, verbos que nem sequer possuem uma lógica léxica, que não simbolizam, ao menos, atitudes concretas e sacramentadas, máxime quando aliadas a outras meras suposições sem fundamento.

Julgar não se adstringe ao ato propriamente dito de decidir, mas, acima de tudo, aplicar a lei e, principalmente, a Justiça, descortinando e buscando, sempre, a verdade real, respeitando, acima de tudo, os princípios constitucionais da ampla defesa, do contraditório e do devido processo legal.

O que se percebe atualmente, acerca de decisões definitivas e terminativas de mérito ou não, é que, em muitos casos, a atividade jurisdicional não é exercida como realmente deveria ser, ou seja, prolatam-se decisões e sentenças sem qualquer fundamentação lógica e jurídica, desmotivadas, esbarrando nos ditames da novel Constituição, art. 93, IX.

O que é, ainda, pior, com decisões divergentes de provas colhidas e existentes no corpo processual, muitas vezes pré-julgados parcialmente, esquecendo-se, por outro lado, de buscar o cerne da questão, ou seja, a verdade real, princípio de magnânimo valor para o deslinde da causa.

Citando Rudolf Von Ihering, no Livro “A Luta pelo Direito”, II parte, quanto à justiça e o direito, onde este está em patamar inferior àquela, “Nenhuma injustiça praticada pelo homem, por mais grave que seja, aproxima-se, pelo menos para o senso moral não corrompido, daquela que a autoridade investida em suas funções pela graça de Deus comete ao violar o direito (…). O guardião da lei transforma-se em assassino. Seu ato equivale ao do médico que envenena o paciente, ao do autor que estrangula o pupilo”.

O ilustre catedrático Calamandrei (1) ressalta a esperança de ver realizado o maior propósito, a Justiça, por aquele incumbido de fazê-la, a saber: “O Juiz é o direito feito homem. Só desse homem posso esperar, na vida prática, aquela tutela que em abstrato a lei me promete. Só se esse homem for capaz de pronunciar a meu favor a palavra da justiça, poderei perceber que o direito não é uma sombra vã.”

Ademais, deveria ser uma atitude da mais alta responsabilidade, concentração de espírito e inteligência, atenção constante e metódica, zelo e dedicação, em respeito, principalmente, à dignidade da pessoa humana.

Contudo, pasmem, vem passando a ser uma mera reunião de palavras e frases sem razão, descontínua e sem fundamentos, num texto inexpressivo, atentando, inclusive, contra preceitos e princípios constitucionais, como o do dever de motivação das decisões judiciais e do devido processo legal.

É com inteiro asserto que se ressalta aqui os ensinamentos de um eminente jurisconsulto, o professor Vladimir Aras, que assim verbaliza: “mais grave do que ofender uma norma é violar um princípio, aquela é o corpo material, ao passo que este é o espírito, que o anima. A letra mata; o espírito vivifica”. (Princípios do Processo Penal, in Revista de Direito Penal).

A questão em debate não seria nem a aplicação da letra morta e fria da lei, o que, de resto, já seria prejudicial, mas, sim, além disso, uma atividade, ou melhor, inatividade, desprovida de razões fáticas e jurídicas, inerte, até, do ponto de vista teleológico, incapacitada, em alguns casos, de produzir um resultado prático, diante de tamanha irregularidade, deixando-se de lado a relação factual para tentar alcançar, tão somente, a condenação, ou seja, a teoricamente reprovação do ato praticado, sem qualquer preocupação com as conseqüências nefastas de tal ato.

Além do mais, a magistratura deve ser abraçada como um sacerdócio, agraciando aqueles possuidores de uma inspiração divina, não apenas por uma mera questão econômico-social, mas, acima de tudo, consciente de cumprir o seu papel em prol da Justiça, como asseverou o Desembargador Dário Rocha, do Tribunal de Justiça de Pernambuco, a saber: “Não se esperam palmas por ser justo; em vez disso o prêmio pode ser, quando muito, um estrondoso silêncio”.

Não se pretende um alcance, em demasia, de rigores formais, um formalismo utópico sem praticabilidade, mas sim uma concatenação de idéias pela busca de soluções, diversas vezes alcançadas pela sensatez ou até mesmo com a utilização de um mínimo de bom senso, com o intuito e a certeza de estar se fazendo o melhor, ou seja, o mais justo. Assim deve ser o ato de julgar.

Nota

(1)CALAMANDREI, Piero, Eles, os juízes, vistos por um advogado, 4ªed. São Paulo: Editora Maritns Fontes, 1998, p.11/12

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