Volta ao cargo

Ministro do STF assegura cargo a prefeito afastado no Paraná

Autor

22 de junho de 2004, 20h47

O prefeito de Abatia, no Paraná, Edeval Soares Nogueira, já pode voltar a exercer o seu mandato. Ele havia sido afastado da prefeitura pela Comarca de Ribeirão do Pinhal, que também decretou a indisponibilidade de seus bens.

O ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, deferiu liminar, nesta terça-feira (22/6), que assegura a Nogueira o imediato retorno ao cargo de prefeito de Abatiá.

O prefeito havia ajuizado Reclamação, no início do mês, argumentando que a decisão desrespeita entendimento do STF. Segundo ele, ao julgar liminar na Ação Direta de Inconstitucionalidade 2797, bem como a Reclamação 2381, o Supremo suspendeu a vigência da Lei nº 10.628/02, que alterou a redação do artigo 84 do Código de Processo Penal sobre a prerrogativa de foro de determinadas autoridades, incluindo os prefeitos municipais.

No despacho, o ministro Celso de Mello diz que, de acordo com a decisão tomada pelo STF nas duas questões, quando se tratar de prefeito municipal, compete ao Tribunal de Justiça a atribuição de processar e julgar a ação civil pública por improbidade administrativa, “até que o Plenário do Supremo Tribunal Federal reconheça, em caráter definitivo, a constitucionalidade, ou não, da Lei nº 10.628/02”.

O ministro disse ainda considerar altamente duvidosa a legitimidade da lei que cria prerrogativas de foro para autoridades e ex-autoridades do governo, “especialmente se ela for analisada na perspectiva das atribuições jurisdicionais deferidas, a esta Suprema Corte, pela própria Constituição considerando-se, de um lado, razões de ordem doutrinária”.

RCL nº 2657

Leia a íntegra do despacho

MED. CAUT. EM RECLAMAÇÃO 2.657-4 PARANÁ

DECISÃO: Trata-se de reclamação, com pedido de medida liminar, com a qual se busca restaurar a autoridade de decisão plenária proferida pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Rcl 2.381-AgR/MG, Rel. Min. CARLOS BRITTO, postulando-se, em conseqüência, a invalidação de processo instaurado perante magistrado de primeira instância, alegadamente incompetente para apreciar ação civil pública por improbidade administrativa ajuizada contra Prefeito Municipal, condição ostentada pelo ora reclamante.

Pleiteia-se, ainda, já em sede liminar, a imediata recondução do ora reclamante ao exercício do mandato de Chefe do Poder Executivo local, propugnando-se, de outro lado, considerada a regra estabelecida pela Lei nº 10.628/2002, o reconhecimento de que assiste, ao Tribunal de Justiça, tratando-se de Prefeito Municipal, competência originária para processar e julgar a causa em questão.

Passo a apreciar, preliminarmente, a admissibilidade, ou não, no caso ora em exame, da utilização do instrumento reclamatório.

Como se sabe, uma das funções processuais da reclamação consiste em garantir a autoridade das decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, consoante tem sido enfatizado pela jurisprudência desta Corte.

Esse instrumento formal de tutela, “que nasceu de uma construção pretoriana” (RTJ 112/504), busca, em essência, fazer prevalecer, no plano da hierarquia judiciária, o efetivo respeito aos pronunciamentos jurisdicionais emanados desta Suprema Corte (RTJ 149/354-355, Rel. Min. CELSO DE MELLO):

“Reclamação e preservação da autoridade das decisões do Supremo Tribunal Federal.

O eventual descumprimento, por juízes ou Tribunais, de decisões emanadas do Supremo Tribunal Federal, especialmente quando proferidas com efeito vinculante (CF, art. 102, § 2º), ainda que em sede de medida cautelar, torna legítima a utilização do instrumento constitucional da reclamação, cuja específica função processual – além de impedir a usurpação da competência da Corte Suprema – também consiste em fazer prevalecer e em resguardar a integridade e a eficácia subordinante dos comandos que emergem de seus atos decisórios. Precedentes. Doutrina.”

(RTJ 179/995-996, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Pleno)

A destinação constitucional da via reclamatória, portanto – segundo acentua, em autorizado magistério, JOSÉ FREDERICO MARQUES (“Instituições de Direito Processual Civil”, vol. IV/393, 2ª ed., Forense) -, além de vincular esse meio processual à preservação da competência global do Supremo Tribunal Federal, prende-se ao objetivo específico de salvaguardar a extensão e os efeitos dos julgados desta Suprema Corte.

Esse saudoso e eminente jurista, ao justificar a necessidade da reclamação – enquanto meio processual vocacionado à imediata restauração do “imperium” inerente à decisão desrespeitada -, assinala, em tom de grave advertência, a própria razão de ser desse especial instrumento de defesa da autoridade decisória dos pronunciamentos do Supremo Tribunal Federal (“Manual de Direito Processual Civil”, vol. 3/199-200, item n. 653, 9ª ed., 1987, Saraiva):


“O Supremo Tribunal, sob pena de se comprometerem as elevadas funções que a Constituição lhe conferiu, não pode ter seus julgados desobedecidos (por meios diretos ou oblíquos), ou vulnerada sua competência. Trata-se (…) de medida de Direito Processual Constitucional, porquanto tem como causa finalis assegurar os poderes e prerrogativas que ao Supremo Tribunal foram dados pela Constituição da República.” (grifei)

Mostra-se irrecusável concluir, desse modo, que o descumprimento, por quaisquer juízes ou Tribunais, de decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal autoriza a utilização da via reclamatória, também vocacionada, em sua específica função processual, a resguardar e a fazer prevalecer, no que concerne à Suprema Corte, a integridade, a autoridade e a eficácia subordinante dos comandos que emergem de seus atos decisórios, consoante adverte a própria jurisprudência deste Tribunal (Rcl 1.722/RJ, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Pleno).

Impõe-se, no entanto, para que se legitime o acesso à via reclamatória, que se demonstre, de maneira efetiva, a ocorrência de desrespeito ao julgamento emanado do Supremo Tribunal Federal.

A análise dos presentes autos parece evidenciar que teria ocorrido, na espécie ora em exame, possível situação configuradora de desrespeito à autoridade da decisão proferida por esta Suprema Corte.

Com efeito, e como precedentemente salientado, a presente reclamação foi ajuizada com o objetivo de fazer preservar a autoridade da decisão que o Supremo Tribunal Federal proferiu no exame da Rcl 2.381-AgR/MG, Rel. Min. CARLOS BRITTO, quando esta Corte advertiu que, enquanto não sobrevier o julgamento final da ADI 2.797/DF, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE (e não se registrar a eventual declaração de inconstitucionalidade do art. 84, § 2º, do CPP, na redação dada pela Lei nº 10.628/2002), nenhum órgão do Poder Judiciário poderá deixar de aplicar o referido diploma legislativo, considerada a relevantíssima circunstância – sempre enfatizada pela jurisprudência deste Tribunal (RTJ 66/631 – RTJ 131/470-476, v.g.) e reafirmada pelo magistério da doutrina (ALEXANDRE DE MORAES, “Constituição do Brasil Interpretada”, p. 1.338-1.339, 2ª ed., 2003, Atlas; PINTO FERREIRA, “Comentários à Constituição Brasileira”, vol. 4/40, 1992, Saraiva; LÚCIO BITTENCOURT, “O Controle Jurisdicional da Constitucionalidade das Leis”, p. 91/96, 1997, Série Arquivos do Ministério da Justiça; CASTRO NUNES, “Teoria e Prática do Poder Judiciário”, p. 589/592, Capítulo II, item n. 6, 1943, Forense; JOÃO BARBALHO, “Constituição Federal Brasileira”, p. 225, edição fac-similar, 1992, Senado Federal, Brasília) -, de que se presumem constitucionais, ainda que “juris tantum”, os atos emanados do Poder Público.

Isso significa, portanto, tendo-se presente o contexto ora em exame, que, tratando-se de Prefeito Municipal, compete, originariamente, ao Tribunal de Justiça, a atribuição de processar e julgar a ação civil pública por improbidade administrativa, até que o Plenário do Supremo Tribunal Federal reconheça, em caráter definitivo, a constitucionalidade, ou não, da Lei nº 10.628/2002 (ADI 2.797/DF).

Cumpre assinalar, por necessário, que, a partir do julgamento da Rcl 2.381-AgR/MG, Rel. Min. CARLOS BRITTO, esse entendimento tem sido observado por eminentes Juízes desta Suprema Corte (Rcl 2.509-MC/BA, Rel. Min. GILMAR MENDES – Rcl 2.623/PR, Rel. Min. ELLEN GRACIE – Rcl 2.652-MC/MG, Rel. Min. GILMAR MENDES – Rcl 2.669-MC/BA, Rel. Min. GILMAR MENDES).

Cabe referir, neste ponto, por oportuno, que, em caso idêntico ao que ora é examinado, no qual também ocorrera a suspensão preventiva de Prefeito Municipal (Lei nº 8.429/92, art. 20, parágrafo único), decretada, em sede de ação civil de improbidade administrativa, por autoridade judiciária de primeira instância, o eminente Ministro CEZAR PELUSO, em recentíssima decisão, assim se pronunciou:

“(…). O caso é de liminar.

O acórdão impugnado hostiliza, deveras, a autoridade de decisão da Corte, que, no julgamento da Rcl nº 2.381-AgR (rel. Min. CARLOS BRITTO, DJ de 02.04.2004), deu, contra o voto do Min. MARCO AURÉLIO, pela vigência do art. 84, § 2º, do CPP, com a redação da Lei nº 10.628, de 2002, até que sobrevenha decisão final da ADI nº 2.797, na qual se negou pedido de liminar. Concluiu, a respeito, o voto do Min. Relator:

‘a ação de improbidade deverá ser proposta perante o tribunal competente para processar e julgar criminalmente o funcionário ou autoridade no caso de prerrogativa de foro em razão do exercício de função pública’.

Porque a pendência doutra demanda, em juízo de primeira instância, contra deputado federal, desrespeitou tal precedente, o Min. GILMAR MENDES deferiu medida liminar, suspendendo o processo e avocando os autos (Rcl nº 2.509). É o que, mutatis mutandis, convém à hipótese. (…).”


(Rcl 2.645-MC/ES, Rel. Min. CEZAR PELUSO – grifei)

Pessoalmente, entendo revelar-se altamente duvidosa a legitimidade jurídico-constitucional da Lei nº 10.628/2002, especialmente se for ela analisada na perspectiva das atribuições jurisdicionais deferidas, a esta Suprema Corte, pela própria Constituição, considerando-se, para esse efeito, de um lado, razões de ordem doutrinária (ALEXANDRE DE MORAES, “Constituição do Brasil Interpretada”, p. 2.681/2.683, item n. 17.3, 2ª ed., 2003, Atlas; RODOLFO DE CAMARGO MANCUSO, “Ação Popular”, p. 120/130, 1994, RT; HUGO NIGRO MAZZILLI, “O Inquérito Civil”, p. 83/84, 1999, Saraiva; MARCELO FIGUEIREDO, “Probidade Administrativa”, p. 91, 3ª ed., 1998, Malheiros; WALLACE PAIVA MARTINS JÚNIOR, “Probidade Administrativa”, p. 318/321, item n. 71, 2001, Saraiva; MARINO PAZZAGLINI FILHO, “Lei de Improbidade Administrativa Comentada”, p. 173/175, item n. 3.5, 2002, Atlas; JOSÉ AFONSO DA SILVA, “Curso de Direito Constitucional Positivo”, p. 558, item n. 7, 23ª ed., 2004, Malheiros, v.g.), e tendo em vista, de outro, que a competência do Supremo Tribunal Federal – precisamente por revestir-se de extração constitucional – submete-se, por isso mesmo, a regime de direito estrito (RTJ 43/129 – RTJ 44/563 – RTJ 50/72 – RTJ 53/766 – RTJ 94/471 – RTJ 121/17 – RTJ 141/344 – RTJ 171/101-102, v.g.), não podendo, desse modo, ser ampliada, nem restringida, por legislação meramente comum (ordinária ou complementar), sob pena de frontal desrespeito ao texto da Lei Fundamental da República.

Impende assinalar que a discussão em torno da validade constitucional, ou não, da Lei nº 10.628/2002 – consideradas as premissas em que esse debate se trava, versando a possibilidade, ou não, de a lei ordinária ampliar a competência do Supremo Tribunal Federal (e de outras Cortes judiciárias cujas atribuições também se achem unicamente definidas em sede constitucional) – confere impressionante atualidade ao precedente histórico que a Suprema Corte dos Estados Unidos da América firmou no caso “Marbury v. Madison”, em 1803, quando aquela Alta Corte enfaticamente assinalou que o delineamento constitucional de suas atribuições originárias foi concebido pelos “Founding Fathers” com o claro propósito de inibir a atuação do Congresso dos Estados Unidos da América, impedindo-o de proceder, em sede de legislação meramente ordinária, a indevidas ampliações da competência daquele Tribunal, fazendo, do rígido círculo traçado pelo Artigo III da Constituição americana, um instrumento de proteção do órgão de cúpula do Poder Judiciário, em face do Poder Legislativo daquela República.

Vale mencionar, neste ponto, a observação feita por BERNARD SCHWARTZ (“A Commentary on the Constitution of the United States”, Part I, p. 367, n. 143, 2ª ed., 1963, The Macmillan Company, New York), a propósito do alto significado político-jurídico de que se revestiu a decisão proferida em “Marbury v. Madison”:

“Even more important, as a consequence of the original jurisdiction of the highest Court being derived from the basic document itself, is the placing of such jurisdiction beyond Congressional control. This has been settled ever since Marbury v. Madison. The statute held unconstitutional there was one which was construed as vesting the Supreme Court with the original jurisdiction to issue writs of mandamus. Chief Justice Marshall rejected the contention that, since the organic clause assigning original jurisdiction to the high bench contained no express negative or restrictive words, the power remained in the legislature to assign original jurisdiction in that Court in cases other than those specified. On the contrary, said Marshall, a negative or exclusive sense must be given to the cases of original jurisdiction spelled out in Article III.

The statute at issue in Marbury v. Madison, was ruled invalid because it sought to give the Supreme Court original jurisdiction in a case not specified by Article III. Under Marbury v. Madison, then, the Congress may not enlarge the original jurisdiction of the high bench. But the reasoning of that great case applies with equal force to legislative attempts to restrict the Supreme Court’s original jurisdiction. The constitutional definition of such jurisdiction deprives Congress of any power to define it. The legislative department may neither extend nor limit the terms of the organic grant.” (grifei)

É importante rememorar, neste ponto, que o Supremo Tribunal Federal, em decisão proferida em 17 de agosto de 1895 (Acórdão n. 5, Rel. Min. JOSÉ HYGINO), já advertia, no final do século 19, não ser lícito ao Congresso Nacional, mediante atividade legislativa comum, ampliar, suprimir ou reduzir a esfera de competência da Corte Suprema, pelo fato de tal complexo de atribuições jurisdicionais derivar, de modo imediato, do próprio texto constitucional, proclamando, então, naquele julgamento, a impossibilidade de tais modificações por via meramente legislativa, “por não poder qualquer lei ordinária augmentar nem diminuir as attribuições do Tribunal (…)” (“Jurisprudência/STF”, p. 100/101, item n. 89, 1897, Rio de Janeiro, Imprensa Nacional – grifei).

Não obstante a minha pessoal convicção em torno da questionável constitucionalidade da Lei nº 10.628/2002, não posso deixar de considerar e de respeitar, em atenção ao princípio da colegialidade, notadamente a partir do julgamento plenário da Rcl 2.381-AgR/MG, Rel. Min. CARLOS BRITTO, a orientação jurisprudencial que esta Corte Suprema firmou no tema ora em análise, como o evidenciam as decisões anteriormente mencionadas.

Sendo assim, em respeito ao postulado da colegialidade e tendo em consideração os julgamentos mencionados, defiro o pedido de medida liminar, nos exatos termos em que deduzido pela parte reclamante (item n. V, fls. 08), sustando, em conseqüência, até final julgamento da presente reclamação, a eficácia das decisões ora questionadas, assegurando, ainda, a Edeval Soares Nogueira, o imediato retorno ao exercício do mandato de Prefeito Municipal de Abatiá/PR.

Comunique-se, com urgência, transmitindo-se cópia desta decisão aos eminentes Magistrados referidos no item n. 2 deste ato decisório, bem assim ao Senhor Presidente da Câmara Municipal de Abatiá/PR.

2. Requisitem-se informações ao MM. Juiz de Direito da Vara Única da comarca de Ribeirão do Pinhal/PR (Processo nº 069/2004 – Ação Civil Pública – fls. 83/96), bem assim ao eminente Desembargador Antônio Lopes de Noronha, Relator do Agravo de Instrumento nº 156.427-2, ora em tramitação perante o E. Tribunal de Justiça do Estado do Paraná (fls. 161/166).

Publique-se.

Brasília, 21 de junho de 2004.

Ministro CELSO DE MELLO

Relator

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!