Domingo Legal

Promotora processa Gugu por danos morais e pede R$ 750 mil

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17 de junho de 2004, 15h32

A promotora de Justiça Deborah Pierri ajuizou Ação Civil Pública contra o apresentador Gugu Liberato, do SBT. Motivo: exibição de entrevista com supostos membros do PCC, no dia 7 de setembro do ano passado. A promotora quer que Gugu seja condenado a pagar, no mínimo, R$ 750 mil — quantia que deve ser destinada ao Fundo de Reparação de Direitos Difusos. A ação foi distribuída para a 6ª Vara Cível de São Paulo.

A promotora considera que o apresentador usou prática comercial abusiva e, por isso, quer que a Justiça arbitre o valor da indenização sobre a quantia obtida com merchandising no programa Domingo Legal. “Ele é verdadeiramente o beneficiário direto de merchandising feito em seu programa”, disse a promotora à revista Consultor Jurídico.

Deborah Pierri afirma que os consumidores foram expostos às imagens indevidamente veiculadas no programa dominical. A promotora quer que a Justiça determine que o SBT revele o valor de merchandising no dia do programa.

Leia o pedido da promotora:

EXMO. SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA VARA CÍVEL DO FORO CENTRAL DA CAPITAL.

“Para ser jornalista é preciso ter uma base cultural considerável e muita prática. Também é preciso muita ética. Há tantos maus jornalistas que quando não têm notícias, as inventam.” Gabriel García Márquez (1)

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO, por meio da Promotoria de Justiça do Consumidor da Capital, vem, respeitosamente, perante Vossa Excelência para, com supedâneo no art. 129, III, da Constituição Federal; nos arts. 81, parágrafo único, I, 82, I, ambos do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90); e ainda no 1º e 5º, da Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985, propor AÇÃO CIVIL PÚBLICA, em defesa dos interesses difusos, a ser processada pelo rito ordinário, em face de, ANTONIO AUGUSTO MORAES LIBERATO, jornalista, solteiro, brasileiro, portador da cédula de identidade RG. nº 8.757.214, com endereço comercial à Avenida das Comunicações, nº 4, Osasco, pelos fatos e fundamentos de direito a seguir aduzidos.

I. Dos fatos

O inquérito civil em anexo foi instaurado em face dos responsáveis pela veiculação do programa de televisão “Domingo Legal” , exibido pelo Sistema Brasileiro de Televisão – SBT, aos 07 de setembro de 2003, aproximadamente às 15:40 hs. em rede nacional.

Naquela data foi exibida fictícia entrevista, na qual supostos membros do Primeiro Comando da Capital (PCC), utilizando-se dos codinomes “Alfa” e “Beta”, um deles portando arma de fogo, passaram a proferir diversas ameaças de morte e seqüestro dirigidas a personalidades (apresentadores de programas de televisão, vice-prefeito da Capital e também à líder religioso).

As ameaças foram expressas nas seguintes frases: “a gente quer mostrar que quem manda é o PCC..”, “…existe alguma vantagem de você participar do PCC? – A vantagem é o seguinte, é o respeito que você tem onde você chega, você é bem recebido, entendeu…é como se você fosse um pai.”, “… a gente estamos aí de olho nisso aí. Vamos partir pro tudo ou nada, entendeu?”, “…porque o nosso negócio é esse, é se armar. Tá cada vez o armamento mais forte.”, e ainda “…o que vocês gostariam de falar para as autoridades que estão nos vendo nesse momento? – …pra mostrar para eles o poder que a gente tem que eles deixou. A gente alcançamos onde tamos nesse poder. E é o seguinte, tem muitos troxa aí, que estão falando muito aí. Tipo esse Datena aí e tal. E não vai ficar assim não. Eles tem família, tem neto, tem filho, e é o seguinte, vai ser só bala mesmo na cabeça. A gente não tá de brincadeira não, certo? E é só isso que eu tenho pra falar… esse Datena, esse Godói, esse vice-prefeito aí o Bicudo, tá tudo mundo, todo mundo tá na lista.” (sic).

A impropriedade do programa nesse particular foi grandiosa, pois segundo informações obtidas no site do SBT, o potencial lesivo poderia alcançar 150.000.000 (cento e cinqüenta milhões) de brasileiros, difusamente considerados em 98% do território nacional, como demonstrado à fls. 51 do Inquérito Civil. (2)

A iníqua conduta causou grande clamor popular de repercussão nacional, fatos comprovados em inúmeras reportagens nos mais diversos meios de comunicação.

A repercussão negativa do referido programa sobre o patrimônio moral da sociedade brasileira foi revelada, exemplarmente, na representação do consumidor Nelson J. de Meirelles: “.. eu e minha família estávamos assistindo o Domingo Legal, quando entra no ar, aqueles que se dizia do PCC, que estava sendo entrevista, por repórter do SBT, sobe a respeito do seqüestro do Padre Marcelo, onde ele dizia, que só queria mostrar ao governo quem é que mandava aqui era eles, e exibia aquele revólver para o ar dizendo que ia matar o José Luiz Datena, que ia pegar o Hélio Bicudo, vice prefeito, e mais uns da lista, senadores e outros mais, que ele não queria dizer quem era, por isso ao ver aquela cena de terror, eu cheguei até ficar nervoso por causa daquelas cenas de ameaça que eles fazia…”, fls. 357 (grifei)


A suposta prática dos crimes de ameaças e a prática comercial desleal e abusiva foram mais longe, pois desencadeou resposta estatal, tanto que foi instaurado inquérito policial, e somente após longo e custoso procedimento foi descoberta a farsa, regida em última análise pelo réu.

Naquele procedimento, colheu-se declarações de Wagner Maffezoli, jornalista, chefe de reportagem do Programa Domingo Legal, que aludiu reportar-se diretamente ao réu, pois o cargo de diretor geral encontrava-se vago.

O mesmo repórter não negou a iniciativa de laborar na farsa, mas também informou, que o desenvolvimento da suposta entrevista foi noticiada ao apresentador do programa. o Sr. Antônio Augusto Liberato (fls. 100/101 do inquérito civil). (3)

A trama foi engendrada por diversas pessoas ligada à produção do programa, que cuidaram de contratar atores amadores, mediante paga, para que participassem da inverídica entrevista. (4)

Ressalte-se que os fatos apurados no inquérito policial deram origem ao processo criminal (2ª Vara Criminal de Osasco, processo nº 2622/2003), no qual o réu, entre outros, foi denunciado com incurso nos art. 16, inc. I c.c art. 18, parágrafo 2º, ambos da lei nº 5250/67, na forma do art. 70 do CP, em concurso material na forma do art. 69 com o art. 147 do Código Penal. (5)

Aliás, antes disso a fraude, consistente em divulgar notícias falsas, foi desvendada pelo perito Ricardo Molina, que num exame perfunctório, aludiu que a entrevista denotava montagem grosseira, como se verifica na reportagem publicada na Folha de São Paulo, no dia 16 de setembro de 2003 (fls. 13 do inquérito civil).

O réu Antonio Augusto Moraes Liberato tinha conhecimento do conteúdo do programa antes mesmo de ser veiculado , e com omissão dolosa não tomou qualquer iniciativa para poupar seus telespectadores, submetendo-os a tamanha iniqüidade.

Na verdade, desrespeitando os valores mínimos de ética e solidariedade, autorizou a transmissão da farsa.

Com efeito, as declarações prestadas pela jornalista Bárbara Maria Vallarino de Gancia perante a autoridade policial (fls. 179/180 do inquérito civil), evidenciaram que o réu autorizou de forma expressa a transmissão do programa, pois ratificou o conteúdo de sua matéria jornalística publicada no jornal Folha de São Paulo, aos 19 de setembro de 2003. (6)

A sua conduta, como regente do programa Domingo Legal, foi alvo de investigação pela Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática na Câmara dos Deputados (fls. 210/212 do inquérito civil).

Ressalte-se que, o programa apresentado pelo réu há muito encontra-se na pauta do Conselho de Acompanhamento da Programação, da Campanha “Quem Financia a Baixaria é Contra a Cidadania”, consoante observa-se no parecer da Sra. Ana Olmos, cujo trabalho, em resumo, cuidou de estabelecer que de 198 queixas recebidas, 157 se referiam ao Domingo Legal. Essas denúncias relatam descontentamento dos telespectadores face à apelação sexual, erotismo barato, pornografia, sensacionalismo e violência contra o próprio telespectador.

Com efeito, o réu, na busca pela audiência, age contrariamente aos interesses dos consumidores (telespectadores), abusando da confiança que lhe é depositada como celebridade, fato ressaltado no presente caso. (7)

Vale lembrar, que o maior beneficiário dos resultados do programa é o próprio réu, consoante se vê em trecho parcial do referido parecer: “Discutir com esta emissora e o grande anunciante do programa, que é o próprio Augusto Liberato, o alcance da influência de seus modelos apresentados para a infância e a juventude do país. Tentar ampliar os limites de sua percepção sobre o significado dos conteúdos que ele escolhe apresentar e a responsabilidade social que isso acarreta. Propor alterações no programa e prazo para que isto ocorra.” (fls. 184 do inquérito civil).

II. Do interesse difuso e a legitimidade do Ministério Público

A Constituição Federal em seu art. 129, III, atribui ao Ministério Público a função de promover a ação civil pública para a proteção de direitos difusos e coletivos.

Na esfera infraconstitucional pode ser citada a Lei 7.347/85, em especial o art. 1º, incisos II e IV, cuja previsão é de que a ação civil pública tem por objeto a responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados aos consumidores e a qualquer outro interesse difuso e coletivo.

Não há que se negar que número indeterminado de pessoas foi exposto a conduta indevida do réu, pois a divulgação da falsa violência causou temor e clamor popular.

Vale lembrar, que mais de um milhão de pessoas foram expostas à prática abusiva perpetrada pelo réu já que como aponta reportagem da Folha de São Paulo, do dia 15 de setembro de 2003, o programa atingiu o pico de 29 pontos do Ibope, sendo que cada ponto equivale a 47,5 mil domicílios (fls. 11 do inquérito civil).


A violação aos ditames do artigo 221 da Constituição Federal, já seria o bastante para o ajuizamento de ação civil pública reparadora da conduta potencialmente lesiva.

A comunicação, enquanto direito difuso, foi alvo de pesquisa de um dos mais brilhantes juristas de nosso país. Para José Carlos Barbosa Moreira: “O interesse (que o art. 220, parágrafo 3º, n. II, da Constituição visa a preservar) em defender-se “de programas ou programações de rádio e televisão que contrariem o disposto no art. 221” enquadra-se com justeza no conceito de interesse difuso. A tal locução, internacionalmente empregada na doutrina em sentido nem sempre unívoco, agora corresponde, no Brasil, definição legal, à semelhança do que se dá com a expressão interesse coletivo, que não rara aparecia na literatura para designar – junto com aquela outra, e de maneira promíscua, ou pelo menos sem diferenciação precisa – o tipo de interesse caracterizado, do ponto de vista subjetivo, pela pertinência a uma série ao menos relativamente aberta de pessoas e, ao ângulo objetivo, pela unidade e indivisibilidade do respectivo objeto, com a conseqüência de que a de toda a série de interessados, e a lesão de um só é por força, ao mesmo tempo, lesão de todos.” (8)

É a ação civil pública o instrumento adequado para a responsabilização do réu, enquanto transgressor das normas constitucionais que regulam a comunicação social, pois sua conduta atingiu em cheio as expectativas da sociedade, especialmente, desrespeitosa aos valores éticos que permeiam as sociedades livres, justas e solidárias. (9)

Ética e respeito à família seguramente não é o que se viu nas mensagens da jaez daquela tratada no presente libelo, em que cenas de incitação à violência com ameaças ao Estado de Direito foram veiculadas em pleno domingo à tarde.

III. Da aplicação do Código de Defesa do Consumidor

Ao caso se aplicam as regras do Código de Defesa do Consumidor.

Com efeito, em sentido genérico, a relação de consumo caracteriza-se por abarcar o exame de três elementos: as partes envolvidas, o objeto e o destino final a este cometido pelos sujeitos.

Nas palavras do ilustre magistrado Fábio Podestá: “A caracterização da relação de consumo deve ser perfilhada pela separação de três elementos essenciais, quais sejam o subjetivo (partes envolvidas), o objetivo (produtos e serviços) e o teleológico (destinatário final)”. (10)

Sabemos que consumidor não é somente aquele descrito no art. 2º da Lei Federal nº 8.078/90, mas também, as vítimas de evento decorrentes de ato ou fato envolvendo relação de consumo, assim como todas as pessoas determináveis ou não expostas às práticas comerciais (CDC, art. 29) (11), marcadamente aquelas consideradas hipossuficientes.

Obviamente, quando o assunto é comunicação de massa, não se concebe que seus atores tenham por objetivo um número limitado de pessoas: a própria definição do instituto implica no reconhecimento de que as atividades das empresas estão direcionadas à população, buscando atingir número indeterminável de pessoas.

Leve-se em conta, que a ordem econômica brasileira tem como um de seus pilares o consumo (CF, art. 170, V) e que as buscam as empresas, de modo persuasivo, oferecer produtos e serviços no mercado, procurando incutir nas pessoas o desejo de consumir, por intermédio de apelos emocionais.

Nesse contexto, não é demais afirmar que há tempos a comunicação de massa alçou patamar de verdadeira indústria, na qual o produto é a própria informação, o entretenimento, dentre outros. (12)

As informações passadas, deliberadamente pelo réu por meio do Programa Domingo Legal descrito anteriormente, configuram-se em verdadeiro produto posto à disposição dos milhares de receptores da mensagem, enquanto destinatários finais à luz do que dispõe o art. 29 do Código de Defesa do Consumidor. (13)

Aliás, em termos potenciais, conforme informações extraídas de sítio na Internet do próprio veículo (SBT), poder-se-ia afirmar que, aproximadamente, 150 (cento e cinqüenta) milhões de brasileiros foram expostos à conduta irresponsável do réu. Contudo, não é menos certo que seria impossível, em sede de proteção coletiva, identificar perfeitamente o consumidor final lesado.

Se estas premissas encontram-se bem reforçadas, não é difícil imaginar que o consumidor não é apenas o indivíduo diretamente visado, mas todos os integrantes da sociedade atingidos pela prática comercial, especialmente quando demonstrada a respectiva abusividade. (14)

Nem se argumente, que a ausência de remuneração direta é fato impeditivo ao reconhecimento da aplicabilidade do CDC ao presente caso.

Aliás, leciona Cláudia Lima Marques: ”Frise-se assim que a expressão utilizada pelo art.3º, do Código de Defesa do Consumidor para incluir todos os serviços de consumo é “mediante remuneração”. O que significaria esta troca entre a tradicional classificação dos negócios “onerosos” e “gratuitos”. Parece-me que a opção pela expressão “remunerado” significa uma importante abertura para incluir os serviços de consumo remunerado indiretamente, isto é, quando não é o consumidor individual que paga, mas a coletividade (facilidade diluída no preço de todos) ou quando ele paga indiretamente o “benefício gratuito” que está recebendo” (15)


E ainda: “Hoje, pois, juridicamente, a alegada gratuidade dos serviços não significa falta de remuneração. Também economicamente esta denominada “gratuidade” é ilusória. “.(16)

Ressalte-se que a publicidade nem sempre se destina apenas a uma técnica de exclusiva venda, mas também é utilizada para dar prestígio à marca, o que se configura na tipologia como publicidade institucional. Nas palavras de Torben Vestergaard, a publicidade institucional ou a chamada publicidade de prestígio seria aquela em que as empresas não anunciam produtos, mas sim um nome ou imagem, visando criar uma receptividade duradoura junto ao grande público.

Lembra Luís Carlos Lopes, que “apesar do acesso à transmissão da TV aberta ser gratuito por toda à parte, ela só pode funcionar por meio de investimentos estatais, empresariais e pela adesão dos anunciantes.” (17)

Para esse estudioso a TV constitui um negócio e como toda e qualquer empresa, tem nos interesses econômicos um de seus móveis.

Aponta ainda Lopes: “Este artefato possibilitou a construção de um novo negócio do capital de um sistema de produção diverso dos da primeira revolução industrial, caracterizado pela oferta de um mercado especial, de um novo tipo de mercadoria, vendável de modo indireto: os bens simbólicos de massa. Diferentemente de outras mercadorias, o que é vendido pela TV são imagens e sons, representações da sociedade e da natureza, agora vistas de modo indireto, tal como propugnava Debord.” (18)

Na mesma linha de raciocínio está Maria Luiza Andrade Figueira de Saboia Campos que em sua tese de doutorado afirma: “O serviço de difusão de informações ou programas – de rádio ou de televisão, revistas ou jornais, filmes ou vídeos – é denominado produto (sentido latíssimo), para efeitos de identificação de sua finalidade mercadológica e verificação do conteúdo lesivo da mensagem sujeita a ofender direitos da personalidade, crenças pessoais, crença religiosa, à integridade e à privacidade, causando danos morais que dão, certamente, origem à obrigação de reparar o telespectador, o leitor, o espectador ou o ouvinte, todos considerados consumidores para fins de proteção legal.” (19)

Para respaldar esse entendimento, cuidou Zelmo Denari de apontar a peculiar relação entre a comunicação social e o Código de Defesa do Consumidor, lembrando o célere caso conhecido como “A guerra dos mundos” divulgada pelo rádio por uma das maiores personalidades da mídia do século findo, “De fato os meios de comunicação podem ser responsabilizados por danos decorrentes de vícios de qualidades dos fatos jornalísticos. O célere relato da invasão da terra por marcianos – divulgação há mais de um decênio por Orson Welles, através do rádio- provocou pânico e justificado temor a considerável parcela da população norte americana. Muito embora não tenhamos o registro de todos os acidentes de consumo causados pela divulgação do inverídico e fantasioso relato, todos estariam, hodiernamente, sob a tutela das normas e sujeitos à sanções previstas nas modernas leis de defesa do consumidor.” (20)

É salutar a lição de Herman Benjamin ao conceituar juridicamente o consumidor: “todo aquele que, para seu uso pessoal, de sua família, ou dos que se subordinam por vinculação doméstica ou protetiva a ele, adquire ou utiliza produtos, serviços ou quaisquer outros bens ou informação colocados à sua disposição por comerciantes ou por qualquer outra pessoa natural ou jurídica, no curso de sua atividade ou conhecimentos profissionais.” (21)

Nesta medida, pode-se afirmar que os telespectadores do Programa Domingo Legal se adequam ao conceito de consumidor, na medida em que se utilizam o produto programação e informação para seu uso pessoal ou de sua família, sendo destinatários finais e estando em uma posição de vulnerabilidade em face do fornecedor.

No caso em tela, a informação deturpada e inverídica teve sua transmissão autorizada pelo réu no exercício de sua profissão de apresentador e jornalista e utilizando-se da sua posição destacada de celebridade.

É o seu agir é ato típico de fornecimento, pois obteve remuneração de forma indireta, isto é, apesar de não cobrar determinada quantia pecuniária diretamente de seus telespectadores – consumidores, seu ganho se revela é obtida por meio das empresas que anunciam seus produtos durante a programação.

Contudo, lembremo-nos, que segundo os relatos da ilustre relatora Ana Olmos, o réu, por si ou por suas empresas, de fato, é um dos maiores anunciantes do próprio programa Domingo Legal.

Outro indicativo de benefício próprio foi destacado em reportagem da Folha de São Paulo, de 23 de setembro de 2003. Portanto, logo após a veiculação da suposta entrevista: ‘’O maior prejuízo foi do próprio Gugu Liberato. Pelo contrato que mantém com o SBT, o apresentador tem direito à receita de todas as ações de merchandising que faz dentro do ‘’Domingo Legal” (fls. 443). (22)


Captando público e índices de audiência, não somente o próprio SBT cativa mais anunciantes, mas, igualmente, o próprio réu vê crescer a sua participação lucrativa. (23)

Pelo que se nota, não está se atribuindo ao réu a qualidade de simples preposto do SBT, já que existe uma ação no âmbito federal demandando a emissora de televisão, mas sim pelo seu enquadramento como ente que compõe a cadeia de fornecimento de produtos ou serviços.

Sobre isso confira-se o entendimento de Cláudia Lima Marques: “O art. 3º. do Código de Defesa do Consumidor bem especifica que o sistema de proteção do consumidor considera como fornecedores a todos os que participam da cadeia de fornecimento de produtos (nominados expressamente “toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, distribuição ou comercialização dos produtos”) (,,,)”.(24)

A sua participação na cadeia de fornecimento ainda é mais notável, no exame dos documentos extraídos do sítio www.gugu.com.br , (fls. 445/449 do IC).

Com efeito, naquele sítio há um link destinado aos empresários que desejam anunciar seus produtos no programa Domingo Legal. (25)

Nota-se, então, que o réu aproveitando-se de sua imagem e credibilidade junto aos telespectadores, utiliza seu programa, com ampla penetração em todas as classes sociais para auferir maior lucro, atraindo os anunciantes por meio de sua considerável audiência e garantia da divulgação e fixação da marca do produto anunciado. (26)

O consumidor certamente é atraído pela imagem de seu “ídolo” , que no caso de modo egoístico, preferiu autorizar a veiculação de imagens grosseiras a pretexto de produzir matéria jornalística, apenas para sua satisfação nos resultados econômicos.

Não se olvide que dentre os vários princípios adotados pelo Código de Defesa do Consumidor, destaca-se, especialmente, um dos objetivos da denominada Política Nacional das Relações de Consumo, consubstanciado no atendimento das necessidades dos consumidores, no respeito à sua dignidade, bem como, na proibição eficiente de todo e qualquer abuso praticado no mercado de consumo (cf. o art. 4º da Lei Federal nº 8.078/90).

No âmbito das práticas comerciais, espera-se que a publicidade seja veiculada segundo o princípio da perfeita identificação, uma vez que o legislador não aceitou, em nome do princípio da lealdade, o uso da publicidade clandestina (art. 36 do Código de Defesa do Consumidor). (27)

No caso em tela, patente a natureza enganosa e abusiva da referida prática comercial (28) , pois não somente fez comunicação falsa que induziu os consumidores em erro, como também explorou o medo mais do que previsível quando o tema é a violência, sem contar com o desrespeito aos valores essenciais da sociedade, em manifesto ato de ofensa ao patrimônio imaterial da coletividade.

O réu violou diversos direitos constitucionais e princípios que devem pautar a relação de consumo, especialmente a boa-fé e credibilidade depositada pelos milhares e inexperientes consumidores, daí porque, mister a propositura da presente ação, até porque, mesmo tendo sido chamado pelo Ministério Público a compor termo de acertamento de conduta permaneceu inerte. (29)

È a defesa de milhões de brasileiros que estamos assumindo com a presente demanda, pois o réu agiu de modo antiético e ilícito e por isso deve ser pessoalmente responsabilizado. (30)

De fato, a ausência de qualquer freio moral ou de respeito aos valores sociais por parte do Requerido implica em ação excessiva e imoderada, sendo certo que, ao veicular entrevista com supostos membros do PCC, que afrontou a boa-fé de milhares de consumidores e fê-lo com finalidade absolutamente deturpada e desviada dos padrões que devem reger sua atividade.

O seu agir – covarde , buscando farsantes para difundir a violência e o medo, teve por único fim manter a clientela, transmitindo cenas inadequadas ao horário de domingo à tarde, expondo famílias, incluindo jovens e crianças, a cenas grotescas, com forte influência sobre os consumidores, (fls. 450).

A influência não é hipotética, pois o poder da publicidade e da comunicação de massa indiscutivelmente é fator condicionante do comportamento dos consumidores. (31)

Cumpre afiançar que a Lei Federal nº 8.078/90 tutela não apenas a integridade econômica, mas, também – e principalmente – a incolumidade física e moral dos consumidores, como se observa, dentre outros, de seus arts. 6º, VI, 12 e 14.

IV. Da responsabilidade objetiva do réu

Inicialmente, considere-se o disposto no Código Civil (art. 927), que traça a responsabilidade e a conseqüente obrigação de indenizar àquele que causa dano por ato ilícito.


Inovando o sistema anterior, cuidou o legislador ordinário de também estabelecer a possibilidade de responsabilização independente de culpa (CC, art. 927, § único).

Conjugando-se o referido dispositivo com o art. 186 do mesmo Estatuto, podemos afirmar, que a responsabilização pode ser ainda que de modo exclusivo aos casos de causação de dano moral.

Por essas premissas, não há que se negar que surgiu para o réu o dever de indenizar em face de sua conduta, lesiva à moral dos telespectadores, bem como sua dignidade e integridade.

Entende Agostinho Alvim: “Acentuou-se, por isso, que a reparação não resulta de procedimento contrário a lei, mas de qualquer conduta desviada dos bons costumes e das normas de vida social, princípio que, com ductilidade, se aperfeiçoa à mudança das exigências da atividade moderna.” (32)

A conduta do réu certamente transgrediu os bons costumes e a norma da vida social, diante do fato de terem se utilizado da violência e do terror a que submeteram seus telespectadores, unicamente com o intuito de captar maior índice de audiência.

Vale lembrar, a insatisfação dos telespectadores-consumidores com o referido programa, que muitas vezes veicula cenas de cenas de violência, apelação sexual, erotismo barato e pornografia, encontra-se demonstrada pela 157 (cento e cinqüenta e sete) reclamações encaminhadas ao Conselho de Acompanhamento da Programação de Rádio e TV (CAP), campanha “Quem financia a baixaria é contra a cidadania”.

Além disso, o réu deve ser responsabilizado pela divulgação de informações falsas, que instigadora de violência, em manifesto desrespeito aos princípios da boa fé e da transparência que devem pautar as relações de consumo.

No presente caso não há necessidade de se demonstrar a culpa do réu, já que o Código de Defesa do Consumidor, tem como regra geral a responsabilidade objetiva dos consumidores. (33)

Sobre o tema, mais uma vez invocamos as lições de Maria Luiza Andrade Figueira de Saboia: “A responsabilidade objetiva se apóia no raciocínio de que a idéia de indenização deve desvincular-se da idéia de culpa. Desenvolve o conceito de risco como substituto da culpa, e se estabelece que aquele que cria o risco e produz perturbações nas relações normais de direito deve arcar com as conseqüências advindas em caso de dano.”” (34)

Mesmo dispensando-se a demonstração da culpa do réu é conveniente ressaltar que, de fato, isso ocorreu com a transmissão do referido programa, como será demonstrado a seguir.

A declaração da jornalista Bárbara Gancia (fls. 254/255 do inquérito), como já mencionado, apontou que o réu autorizou pessoalmente a exibição da reportagem como os membros do PCC, tendo afirmado, inclusive, que o diretor do programa ficou em dúvida quanto à transmissão das imagens iníquas, mas o réu, de modo deliberado, o incentivou a veicular as imagens tais como estavam.

Na mesma linha está a declaração de Wagner Maffezoli (fls. 99/101).

Para corroborar esse depoimento, forçoso ressaltar que muito antes dos acontecimentos do dia 07 de setembro, o réu havia afirmado em matéria publicada na Folha de São Paulo seu interesse pelo jornalismo investigativo e de que ele próprio é responsável pela edição de seu programa. Aponta a reportagem: “Gugu Liberato pauta, edita, produz e apresenta o seu programa. Mais do que isso: faz a direção, ao vivo, enquanto apresenta. Derruba e muda quadros “ao quente”” e ainda: “Eu vou partir para o jornalismo investigativo. Tem muita coisa por aí que eu acho estranha, que eu resolvi investigar.” (fls. 442).

Na referida reportagem Antônio Augusto Moraes Liberato pondera que sua formação profissional é de jornalista, e que após inserir um conteúdo jornalístico em seu programa obteve resultados positivos coma a elevação da audiência do programa Domingo Legal. Esclarece o réu, ao ser argüido sobre se foi o jornalismo que contribuiu para a audiência de seu programa decolar: “O jornalismo contribuiu de forma preponderante. O jornalismo hoje é a característica maior do nosso programa. As pessoas estão percebendo que, se acontecer alguma coisa importante, ela estará lá. “ (fls. 442).

Não foi por outra razão, que o réu foi denunciado como incurso nas práticas delituosas já descritas, lembrando-se que os tipos penais, previstos na Lei 5.250/67 (Reguladora da liberdade de manifestação do pensamento e da informação), visam tutelar os valores pertencentes a toda sociedade, em especial a honra e a dignidade da pessoa humana.

Diante de tais assertivas é possível afirmar que o réu foi o responsável direto pela transmissão do programa, difundindo o terror e amedrontando milhões de pessoas.

Em virtude do desrespeito aos direitos básicos do consumidor assegurados pelo CDC, em especial o da informação adequada e clara (art. 6º, III) e da proteção contra a publicidade enganosa e abusiva (art. 6º, IV), causando danos aos consumidores é que afirmamos o dever de indenizar.


De qualquer modo, relembrando os ditames dos artigos 186 e 187 do Código Civil, afirma-se que o réu agiu de modo irresponsável quanto aos seus deveres de prestar informação verídica e honesta, extrapolando a liberdade que é consagrada aos comunicadores, maculando a verdade, ferindo a confiança dos telespectadores e ultrapassando os limites da liberdade de informação, em total desrespeito a função social, atingindo a dignidade da pessoa humana e outros direitos assegurados pela Constituição Federal, daí porque tem o dever de indenizar o dano moral difusamente considerado. (35)

V. A responsabilização do réu e a ação civil pública proposta pelo Ministério Público Federal.

É sabido, que perante a 10ª. Vara Cível Federal tramita ação civil pública (2003.61.00.026412-1), proposta pelo Ministério Público Federal em face do SBT e da própria União (fls. 373 e ss. do inquérito civil), na qual a causa de pedir é o zelo pelo serviços de relevância pública, especialmente aqueles prestados pelos meios de comunicação social, que não foram observados pela concessionária de serviço público.

A responsabilidade do canal de televisão foi afirmada enquanto pessoa jurídica responsável por atos de seus prepostos, enquanto que a União está no pólo passivo daquela demanda como órgão concedente, responsável pela outorga feita ao SBT.

Os fundamentos da referida ação guardam relação com os dispositivos constitucionais que regulam os meios de comunicação.

O pedido, além da indenização por dano moral, envolve suspensão e cancelamento da concessão.

Esse não é o caso da presente demanda, pois aqui não estamos atribuindo ao réu sua condição de simples preposto, mas muito mais do que isso, afirmamos a sua condição de fornecedor a que se refere o artigo do Código de Defesa do Consumidor.

Com efeito, a responsabilização do réu, além de elemento integrante da cadeia de fornecimento, envolve a sua condição de celebridade (36), pois cativou e cativa os consumidores, inspirando-lhes confiança, que por ele não foi considerada, em manifesta violação do princípio básico da eticidade e boa-fé.

Relembre-se que o réu participa na comercialização dos produtos anunciados em seu programa de modo ativo, o que lhe garante o status de fornecedor, e não mero e simples preposto do Sistema Brasileiro de Televisão.

Com efeito, o telespectador consumidor mantendo-se fiel ao seu ídolo “GUGU LIBERATO”, acredita no que lhe é transmitido, porque confia na celebridade.

Aliás, aproveitando-se de sua popularidade o réu incentiva as empresas a anunciarem seus produtos no Programa Domingo Legal, oferecendo sua imagem para afirmação dos anunciantes como meio de convencimento do público consumidor.

Para respaldar esse entendimento, anote-se os ensinamentos de Paulo Jorge Scartezzini Guimarães sobre a influência das celebridades nas decisões dos consumidores: “Trata-se dos artistas, pessoas públicas famosas, ou dos especialistas de produtos e serviços, que, sem dúvida, exercem grande influência sobre os consumidores ou sobre determinado grupo deles, dando-lhes, às vezes, uma falsa segurança sobre as qualidades do produto ou serviço, seja por afirmações, conselhos, recomendações, seja pela simples vinculação de sua imagem ou nome do bem ou serviço. Assume, assim, a celebridade, diante do consumidor, uma posição de “garante”.” (37)

No caso em tela, os telespectadores que assistem, freqüentemente, o Domingo Legal com sua família, durante à tarde, se sentiram atemorizados com as cenas, do dia 07 de setembro de 2003, em que foi transmitida a imagem de supostos membros do PCC até mesmo com arma de fogo. Isso pode ser demonstrado pela representação de Nelson Joaquim Meireles, que solicitou que fossem tomadas as devidas providências.

Mas, como já dissemos, a criação grosseira da suposta entrevista foi um meio de alavancar os índices de audiência e com isso manter cativo o consumidor, criando um círculo vicioso em benefício próprio e de seus anunciantes.

Como já foi dito, a informação falsa dá ensejo à indenização, é o que conclui Paulo Jorge Scartezzini Guimarães: “Ora, o nosso Código de Defesa do Consumidor, em seus arts. 36 e 37, juntamente com os princípios previstos nos primeiros sete artigos, prevêem que todos aqueles que participam de uma relação de consumo têm de agir de forma honesta e transparente, visando, com isso, à prevenção de danos aos consumidores. Quem violar esse dever de proteção – por exemplo, as celebridades – e praticar um dos atos vedados pela norma – publicidade ilícita- estará obrigado a indenizar.” (38)

Portanto, são com essas premissas que afirmamos a responsabilidade do réu perante aos telespectadores – consumidores.


VI. Da prática lesiva aos direito e interesses dos consumidores

A conduta do réu afastou-se não somente da ética e dos ditames traçados pelo CDC, pois a Constituição Federal, já em seu preâmbulo, afiança que a finalidade do Estado Brasileiro é, entre outras, a de assegurar a liberdade e o bem estar, como valores supremos de uma sociedade fraterna e pluralista, fundada na harmonia social.

A liberdade assegurada pelo constituinte não é parâmetro isolado, pois um dos fundamentos do Estado Democrático é a cidadania e a dignidade humana.

Na medida em que se assegura o direito à informação plural e veraz, o amplo acesso aos meios de comunicação de todas as correntes políticas e sociais e o livre fluxo das informações necessárias a formação da personalidade política, social e o desenvolvimento pessoal e cultural dos indivíduos, estar-se-á garantindo um dos pilares fundamentais da cidadania.

Aliás, o desrespeito do réu aos direitos fundamentais é notável, pois a Carta Maior garante a todos os cidadãos a inviolabilidade de sua intimidade, especialmente quando se imagina que inúmeros lares foram atingidos pelas cenas de terror e ainda mais nas milhares de crianças e adolescentes, que pelo horário em que foi transmitidas as imagens, foram ofendidos no seu direito a tranqüilidade.

Vale lembrar, que a liberdade e o respeito à dignidade são valores supremos e infinitamente superiores à busca frenética da audiência e dos resultados econômicos que possam estar dentre os objetivos empresariais.

A dignidade da pessoa humana é valor supremo, de amplos sentidos normativo-constitucional, enfeixando em si todos os direitos fundamentais tutelados pela Constituição.

O respeito a esses valores refere-se à própria existência humana e é revestido de importante cunho social, consubstanciado em inúmeras normas que preconizam os direitos fundamentais à existência digna, à educação, ao desenvolvimento da pessoa e a seu preparo para o exercício da cidadania.

De outro lado, não se pode negar que o agir do réu ofendeu à integridade psíquica dos consumidores, causando-lhes medo e terror, pois a forma como a suposta entrevista foi apresentada, sem dúvida alguma, provocou, em milhares de telespectadores, o sentimento de impotência e de abandono ante a violência que campeia a nossa sociedade.

Não podemos olvidar não somente a integridade dos consumidores foi afetada, pois o réu olvidou-se que todos os consumidores têm direito fundamental à informação verdadeira e também o de se proteger contra práticas comerciais desleais e abusivas. (39)

Com efeito, a história do direito à informação é longa, conforme relata Airton Seclanender (40), culminando com a conjugação de dois importantes institutos, que por certo não se excluem, quais sejam o direito à liberdade de expressão e o direito à informação.

Sobre a combinação desses dois fatores, ressalte-se a posição de Assevera Jean Rivero (41) que a liberdade de imprensa – entendida como aquela dos que querem se exprimir –, consagrada a partir de 1789, mudou com o advento do rádio e da televisão: a liberdade de expressão é um meio a serviço de outra liberdade mais fundamental, qual seja, a possibilidade do receptor de formar a sua própria opinião. E esta liberdade pressupõe uma outra, que não apenas se limita ao contato com opiniões diversificadas, mas implica no conhecimento da própria realidade sobre a qual tais opiniões se assentaram.

Não se pode negar a influência dos novos meios de comunicação de massa (rádio e televisão) – cuja penetração social era inimaginável nas primeiras fases do Estado de Direito – na formulação mais recente do direito à informação como um direito bifronte: o direito a exprimir idéias e opiniões e o direito a receber informações; o direito do emissor e também o direito do receptor e, acima de tudo, um direito autônomo em relação ao direito de expressão ou de imprensa.

O réu como homem de mídia não comungou dos princípios que cercam a sua atividade, agindo de modo abusivo e egoístico, interessado nos resultados econômicos diretos e indiretos de seu ato.

Importante mencionar os princípios adotados pela comissão MacBride (UNESCO), especificando, dentre os pressupostos do direito à informação: “(a) o direito a saber, isto é, a ser informado e a procurar livremente qualquer informação que deseja obter, principalmente quando se refere à vida, ao trabalho e às decisões que é preciso adotar tanto individualmente quanto como membro da comunidade. A negativa de comunicar uma informação ou a divulgação de uma informação falsa ou deformada constitui uma infração desse direito;”

E na medida em que a informação se mostra essencial na sociedade contemporânea – tanto em seu aspecto tradicional (ou seja, de ensino), quanto naquele relativo a fatos que ocorrem no mundo, idéias e ideologias existentes –, toda a sociedade se torna titular de um direito indivisível de ser corretamente informada, de forma plural, sem distorções ou abusos intencionais. (42)


E, na composição destas múltiplas facetas da informação, curial a lição de José Afonso da Silva, segundo o qual “a liberdade de informação não é simplesmente a liberdade do dono da empresa jornalística ou do jornalista. A liberdade destes é reflexa no sentido de que ela só existe e se justifica na medida do direito dos indivíduos a uma informação correta e imparcial. A liberdade dominante é a de ser informado, a de ter acesso às fontes de informação, a de obtê-la. O dono da empresa e o jornalista têm um direito fundamental de exercer sua atividade, sua missão, mas especialmente têm um dever. Reconhece-se-lhes o direito de informar ao público os acontecimentos e idéias, mas sobre ele incide o dever de informar à coletividade de tais acontecimentos e idéias, objetivamente, sem alterar-lhes a verdade ou esvaziar-lhe o sentido original, do contrário, se terá não informação, mas deformação. Os jornalistas e empresas jornalísticas reclamam mais seu direito do que cumprem seus deveres. Exatamente porque a imprensa escrita, falada e televisada (como impropriamente se diz) constitui poderoso instrumento de formação da opinião pública (mormente com o desenvolvimento das máquinas interplanetárias destinadas a propiciar a ampla transmissão de informações, notícias, idéias, doutrinas e até sensacionalismos) é que se adota hoje a idéia de que ela desempenha uma função social consistente, em primeiro lugar, em exprimir às autoridades constituídas o pensamento e a vontade popular, colocando-se quase como um quarto poder (…). Em segundo lugar, aquela função consiste em assegurar a expansão da liberdade humana” (43)

O indigitado programa somente revelou a verdadeira intenção do réu, dada em entrevista muito anterior de que pretendia no seu programa dominical introduzir o jornalismo investigativo, o que é sabido não ocorreu, pois com esse pretexto e no anseio de ampliar seus índices de audiência abusou da liberdade de criação sem qualquer freio e respeito às outras liberdades individuais, constrangendo não somente as personalidades ficticiamente ameaçadas, mas, principalmente toda a sociedade brasileira. (44)

VII. Do Dano Moral Coletivo e a Ação Civil Pública como Instrumento Útil de Reparação.

A responsabilização pelo dano moral já é mais do que aceita em nosso país, tanto mais porque, o Código Civil no seu artigo 186 afasta qualquer dúvida sobre a sua possibilidade em casos de práticas de atos ilícitos. (45)

Na mesma trilha também está o art. 187 ao tratar do abuso de direito, plenamente aplicável ao presente caso, pois o réu excedeu-se no seu direito de informar e de divulgar sua criação, olvidando-se dos fins sociais que informam sua atividade.

De fato, o cabimento de indenização por dano moral cada vez mais vem sendo aceito pela doutrina e jurisprudência. (46)

A expressão dano moral nem sempre foi bem compreendia, mas no escólio de Orlando Gomes tal deve ser entendida como um agravo que não produz qualquer efeito patrimonial. (47)

Na verdade, a lesão afeta o patrimônio moral do indivíduo ou da coletividade, isto é, o conjunto de bens não patrimoniais ou patrimônio ideal.

A ocorrência da lesão enseja a necessidade de indenização, ou para o retorno do “status quo ante”, ou na sua impossibilidade a alternativa é a compensação na forma de pagamento de indenização em pecúnia.

Se o dano moral é reparável, necessário dizer que é possível a aplicação dessa premissa na seara dos interesses difusos e coletivos.

Vale lembrar, que a proteção dos valores morais não se restringe aos valores morais individuais de pessoas perfeitamente identificadas, pois outros entes também merecem tal reparação (pessoas jurídicas, comunidades etc). (48)

Aliás, os consumidores receberam do legislador um tratamento apropriado em torno da viabilidade da reparação de danos morais. Com efeito, entre os direitos básicos está o inciso VI do art. 6º da Lei 8.078/90, que prevê a reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos.

É preciso que se compreenda que o dano moral não é exclusivamente aquele que gera desconforto psíquico às pessoas individualmente consideradas, mas também as lesões provocadas na coletividade.

Sobre isso, confiram-se as lições de André Ramos: “As lesões aos interesses difusos e coletivos não somente geram danos materiais, mas também podem gerar danos morais. O ponto-chave para a aceitação do chamado dano moral coletivo está na ampliação de seu conceito, deixando de ser o dano moral um equivalente da dor psíquica, que seria exclusividade de pessoas físicas. Como esclarece Gabriel Stiglitz, devemos ter em mente a ampliación del ámbito de actuación del dano moral, hacia una concepción no restringida a la idea de sufrimiento o dolor espiritual, sino extensiva a toda modificación disvaliosa del espíritu” (STIGLITZ, Gabriel A., Dano moral individual e colectivo.- medio-ambiente, consumidor y danosidad colectiva, in Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, Revista dos Tribunais, jul.-set./96).


O abalo no patrimônio moral da coletividade também merece a proteção, pois sofre o sentimento de desapreço e de perda de valores essenciais, o que afeta a sociedade como um todo.

Carlos Alberto Bittar Filho discorrendo sobre o dano moral coletivo alude que a expressão significa lesão ao patrimônio valorativo de certa comunidade maior ou menor (negros, índios, homossexuais, nação), idealmente considerada, que tenha sido agredida de maneira injustificável sob o ponto de vista jurídico. (49)

A injusta agressão perpetrada pelo réu contra a sociedade brasileira configura-se agressão transindividual, afetando a crença na eficácia da proteção legal de seus direitos fundamentais, provocando intranqüilidade no cidadão, fazendo-o acreditar que a lei da selva é a que dita as normas de convivência.

Se os danos dessa natureza são indivisíveis, a lesão moral coletiva deve ser reparada de modo coletivo, para que os indivíduos e as instituições sérias desse país grandioso não percam a credibilidade de que as leis devem ser fielmente cumpridas e para que não se instale o caos social.

Todas as circunstâncias, que cercaram a grotesca produção veiculada com a autorização do réu, evidenciam a ilicitude e o desrespeito aos valores morais da nossa sociedade.

O réu visando unicamente os benefícios econômicos diretos e indiretos, pois o proveito está intimamente ligado aos índices de audiência de seu programa, agiu com abuso; olvidou-se do seu papel de celebridade junto aos consumidores e muito mais do que isso, expôs milhares de consumidores à sua prática comercial abusiva.

O horário de seu programa é dirigido à família brasileira, que aos domingos, com mínimas opções de lazer, reúnem-se diante da televisão com expectativas positivas.

Isso não foi relevado pelo réu e nem tampouco o fato de que grande parte do seu público (crianças e adolescentes) é objeto de tutela específica pela Constituição da República , Código de Defesa do Consumidor e também pelo Estatuto da Criança e do Adolescente.

Cumpre frisar, por oportuno, que os danos foram impingidos a número indeterminado de pessoas, vez que, até pela própria natureza da comunicação de massa, alcançaram ou poderiam alcançar milhares de telespectadores.

O programa “Domingo legal, de 07 de setembro de 2003” pode ter alcançado 17 milhões de lares em mais de 207 cidades do país e conforme, informações contidas no site do próprio SBT 150.000.000 (cento e cinqüenta milhões) de brasileiros podem ter sido alvo dessa prática ignóbil.

A grandeza dos números é proporcional a ausência de freios na ação do réu em ter autorizado ou permitido que se veiculasse imagens que afetaram a vida nacional, especialmente, quando é notória a falta de credibilidade atribuída ao Estado no combate ao crime organizado e a superação da violência cotidiana.

São esses consumidores, difusamente considerados, que merecem a justa indenização pelo espanto e pela dolorosa sensação experimentada.

Mencionados danos morais abarcam, ainda, a violação de direitos sociais fundamentais assegurados pela Magna Carta, assim considerados os direitos à cultura e à informação.

A conduta do réu evidencia danos morais a interesses difusos, objeto da devida tutela pelo ordenamento jurídico brasileiro como pode ser visto do art. 1º da Lei nº 7.347/85 (aplicável à espécie nos termos do art. 224 do Estatuto da Criança e do Adolescente) e do art. 6º, VI, do Código de Defesa do Consumidor.

Bem aponta Maria Luiza Andrade Figueira Saboia: “Nos direitos coletivos incluem-se os direitos morais, indicando que, no âmbito da proteção do consumidor, o responsável por qualquer ofensa deve responder pelos danos causados – sendo esse dano de natureza moral (extrapatrimonial) ou patrimonial (material), ou ambos concomitantemente, salvaguardando-se não mais apenas a incolumidade econômica do consumidor, mas também a física e a psíquica, aí incluídos os direitos da personalidade.” (50)

E ainda: “Como foi salientado, é bastante freqüente que o dano moral causado pela publicidade ilícita – enganosa ou abusiva no seu conteúdo – atinja a sociedade de forma difusa, sendo prejudicial a toda a coletividade. Fala-se, então, em dano moral coletivo ou dano moral difuso.”” (51)

No mesmo sentido está a lição de Carlos Alberto Bittar Filho: “O dano moral, portanto, é o resultado de golpe desfechado contra a esfera psíquica e moral, em se tratando de pessoa física. A agressão fere a pessoa no mundo interior do psiquismo, traduzindo-se por reações desagradáveis, desconfortáveis ou constrangedoras, bem como trazendo à tona o fato de que o homem é dividido em corpo e espírito…” (52)

Segundo o mesmo autor: “Com supedâneo, assim, em todos os argumentos tratados, chega-se a conclusão de que o dano moral coletivo é a injusta lesão da esfera moral de uma dada comunidade, ou seja, é a violação antijurídica de um determinado círculo de valores coletivos. Quando se fala em dano moral coletivo, está se fazendo menção ao fato de que o patrimônio valorativo de uma certa comunidade (maior ou menor), idealmente considerado, foi agredido de maneira absolutamente injustificável do ponto de vista jurídico: quer isso dizer, em última instância, que se feriu a própria cultura em seu aspecto imaterial. Tal como se dá na seara do dano moral individual, aqui também não há que se cogitar de prova de culpa, devendo-se responsabilizar o agente pelo simples fato da violação.” (53)

Pode-se aduzir que a doutrina acima citada é perfeitamente aplicável ao caso em tela. Isto se dá pois restou configurada a publicidade enganosa e abusiva, que atingiu um número indeterminado de pessoas, prejudicando de forma coletiva e difusa os consumidores. A enganosidade restou configurada pela farsa de terem treinado dois indivíduos para simularem serem membros do PCC, já a abusividade se identifica através das ameaças dirigidas a apresentadores de televisão, vice- prefeito, dentre outros, como também atemorizar telespectadores com o porte de arma, resta consolidada o dano moral e o dever de indenizar.

Os fatos acima narrados amoldam-se à saciedade à hipótese do direito a indenização por dano decorrente da violação da integridade moral – intimidade, vida privada, honra e imagem – das pessoas, e, mais especificamente, dos danos ainda mais contundentes causados pela exposição de crianças, adolescentes e suas famílias a tais imagens.

Não resta dúvidas de que a coletividade foi atingida como um todo, contornada pela lesão aos interesses difusos e coletivos., como leciona André de Carvalho Ramos: “Devemos ainda considerar que o tratamento transindividual aos chamados interesses difusos e coletivos origina-se justamente da importância destes interesses e da necessidade de uma efetiva tutela jurídica. Ora, tal importância somente reforça a necessidade de aceitação do dano moral coletivo, já que a dor psíquica que alicerçou a teoria do dano moral individual acaba cedendo lugar, no caso de dano moral coletivo, a um sentimento de desapreço e de perda de valores essenciais que afetam negativamente toda uma coletividade.” (54)

E ainda: “Tal intranqüilidade e sentimento de desapreço gerados pelos danos coletivos, justamente por serem indivisíveis, acarreta lesão moral que também deve ser reparada coletivamente. Ou será que alguém duvida que o cidadão brasileiro, a cada notícia de lesão a seus direitos, não se vê desprestigiado e ofendido no seu sentimento de pertencer a uma comunidade séria, onde as leis são cumpridas? A expressão o Brasil é assim mesmo deveria sensibilizar todos os operadores do Direito sobre a urgência na reparação do dano moral coletivo.” (55)

Se a seara é de dano aos interesses difusos e coletivos, sem dúvida que a reparação deve ser feita pelo instrumento posto à disposição da coletividade, consoante se vê (art. 1º da Lei 7.347/85). (56)

Especialmente quando o Estado mostra-se inerte , olvidando-se do seu papel de organizador da comunicação em massa e de zelar para que as informações veiculadas através da mídia exerça sua função social, mister se faz que sejam disparados outros meios para suprir essa função.

Sobre isso escreveu o eminente jurista: “Ora, uma vez que outras liberdades e direito devem ser preservados (além da liberdade de expressão), é forçoso admitir alguma sorte de controle sobre as transmissões eventualmente capazes de lesá-los. Se os órgãos administrativos têm limitado seu âmbito de ação, no particular, pela proibição da censura, cumpre assegurar aos titulares daquelas liberdades e direitos (e a outros legitimados por força de norma constitucional ou legal) a utilização de meios aptos à respectiva (e eficaz) defesa, toda vez que alguma liberdade ou direito protegido seja objeto de violação, atual eminentemente, imputável a qualquer transmissão pela TV” (57)

Releve-se ainda o CDC que também contempla essa indenização (arts. 5º, inciso V e 6º, incisos VI e VII).

Com efeito, nessa hipótese a destinação de eventual indenização deve ser o Fundo de Reparação de Interesses Difusos a que se refere o artigo 13 da Lei 7.,347/85.

VIII. O dano coletivo e a sua mensuração.

Sabemos que a quantificação da indenização em caso de dano moral é extremamente difícil, mas isso não pode ser fator impeditivo. (58)

Vale ressaltar que na mensuração do dano moral, o magistrado não deve afastar-se do senso majoritário de que o valor a ser fixado, tenha como objetivo o desestímulo do ofensor em continuar na prática de atos lesivos. Enfim, que a indenização, além de ser um fator de dissuasão, mostre a sociedade brasileira que o ato lesivo não ficou sem a devida reparação. (59)

Mensurar o conteúdo da reparação exige do magistrado o trabalho de estimar o valor da reparação, adotando os critérios da razoabilidade, proporcionalidade e, principalmente, busca pelo fator de desestímulo que a indenização possa gerar no íntimo do autor da ofensa. (60)

Quando se cogita de direitos fundamentais, lembra Norberto Bobbio ao falar sobre os direitos fundamentais afirma: “Não se trata de saber quais e quantos são esses direitos, qual é a sua natureza e seu fundamento, se são direitos naturais ou históricos, absolutos ou relativos, mas sim qual é o modo mais seguro para garanti-los, para impedir que, apesar das solenes declarações, eles sejam continuadamente violado.” depois prossegue, ” para protegê-los não basta proclamá-los.”. (61)

O mesmo mestre italiano nos ensina que, apesar da existência da declaração dos direitos da personalidade no ordenamento jurídico, há que se criar mecanismos para que estes direitos sejam efetivamente resguardados.

Mas para isto, na fixação do valor da indenização “O arbitramento da lesão do dano moral há que ser feito com base na razoabilidade, em se considerando outros fatores como as seqüelas impostas à vítima e as posses do agressor. Não se deve no mundo atual, fixar um valor inexpressivo e simbólico, uma condenação pedagógica de que resulta mais uma ofensa a moral. O julgador, frente ao problema, deve se situar entre elementos objetivos em sistema aberto e não tarifário conforme prevê a Constituição.” (62)

No caso em tela, considerando que houve lesão á moral coletiva e a elevada posse do réu Antonio Augusto Moraes Liberato, não devemos cogitar dos parâmetros tarifários, seja do Estatuto da Criança de Adolescente, seja o fixado pela Lei de Imprensa, sob pena de negar-se eficácia à tutela jurisdicional, pois não se poderia imaginar que a condenação implantasse a idéia de que valeria a pena violar esses direitos e pagar quantia irrisória.

Além disto, ressalte-se que a Constituição vigente adotou o sistema da livre fixação da indenização pelo juiz no caso concreto, abandonando assim o sistema tarifário.

Apenas para que sirva de exemplo, confira-se a propósito as afirmações de Antonio Junqueira de Azevedo a respeito, “Diante do novo quadro normativo constitucional, não resta dúvida de que deve haver releitura das regras da Lei de Imprensa, a fim de compatibiliza – la com a Constituição da República. É o que se denomina de interpretação conforme a Constituição. Segue-se do exposto, que entre nós a Lei da Imprensa de 1967, não há de permanecer impermeável ao espírito da Constituição de 1988. Aquela lei, publicada durante o Regime Militar, procurou compensar as restrições à liberdade de informação e manifestação de pensamento com regras que levassem a uma parcial irresponsabilidade da empresa e do jornalista, mas não pode, hoje deixar de sofrer a interpretação conforme a Constituição. O espírito da nova lei é de plena liberdade de expressão e, em conseqüência de plena responsabilização” depois prossegue colacionando a discussão da 4º Câmara do TJSP “… A indenização por dano moral a exemplo do dano material deve ser a mais ampla possível. (63)

Vale lembrar ainda, que múltiplos consumidores foram afetados pela violação perpetrada pelo réu, isso é que deve ser considerado pelo magistrado no momento de entender a extensão do dano. (64)

Lembramos, por fim, que a nossa invocação guarda relação com o artigo 29 do Código de Defesa do Consumidor, daí porque, sugerimos que a indenização seja fixada no montante correspondente à totalidade dos valores recebidos a título de merchandising vinculado ao PROGRAMA DOMINGO LEGAL veiculado no dia 07 de setembro de 2003, mas não inferiores aos R$ 750.000,00 (setecentos e cinqüenta mil reais), correspondente a cota parte de proveito econômico do réu.

O montante da condenação deverá ser recolhido ao Fundo de Reparação referido no artigo 13 da Lei 7.347/85.

IX. Inversão do ônus da prova (CDC, art. 38).

O referido dispositivo, diferentemente do que dispõe o art. 6º,VIII do CDC, determina a inversão do ônus da prova, sem que seja concedido qualquer campo para a discricionariedade judicial. (65)

Ao requerido compete, exclusivamente, fazer prova a respeito da não abusividade, como lembra Herman Benjamim: “Ao fornecedor é lícito fazer prova exoneratória quanto ao caráter enganoso ou abusivo de sua comunicação publicitária. Mas, como já demonstramos, uma vez que a publicidade seja considerada desconforme, não pode ele se exonerar provando que agiu de boa-fé. Esta, mostramos, é irrelevante na sua responsabilização civil.” (66)

Vale lembrar que a exibição da entrevista com supostos membros do PCC, em que um deles estava armado e dirigiu ameaças de morte e seqüestro a autoridades e apresentadores das emissoras concorrente, expôs de modo suficiente todos os consumidores à prática abusiva, consoante se depreende da interpretação exigível dos comandos normativos expressos no CDC (arts. 29, 36, 37 ), legitimando a atuação do Ministério Público na defesa dos consumidores e dentre eles, os considerados como pertencentes ao grupo de infantes e adolescentes.

Relembre-se que o conceito de interesse difuso comporta necessariamente compreensão mais elástica diante das novas exigências, trazidas com o desenvolvimento social e tecnológico como asseverou o Ministro do Supremo Tribunal Federal: “Na real verdade, a complexidade desses múltiplos interesses não permite sejam discriminados e identificados na lei. Os interesses difusos não comportam rol exaustivo. A cada momento e em função das novas exigências impostas pela sociedade moderna pós-industrial, evidenciam-se novos valores, pertencentes a todo grupo social, cuja tutela se impõe como necessária. Os interesses difusos, por isso mesmo, são inominados, embora haja alguns, mais evidentes, como os relacionados aos direitos do consumidor ou concernentes ao patrimônio ambiental, histórico, artístico, estético e cultural.” (67)

X. Do pedido

Ante ao exposto, requer a citação do réu no endereço acima consignado para, em querendo, contestar a presente ação, sob pena de revelia, sendo certo que a demanda deverá, a final, ser julgada procedente, para o fim de condená-lo como responsável pela indenização dos danos morais difusos impostos a todos os consumidores, expostos às imagens indevidamente veiculadas no programa Domingo Legal, em 07 de setembro de 2003, cujo valor deverá ser o correspondente a totalidade dos valores, percebidos à título de merchandising no referido programa, mas não inferior a R$ 750.000,00 (setecentos e cinqüenta mil reais), pois esse foi o seu proveito econômico, além dos juros e atualização monetária, cujo produto ao final deverá ser revertido ao Fundo de Reparação de Interesses Difusos (art. 13 da Lei 7.347/85).

Protesta provar o alegado por todos os meios de provas em direito admissíveis, especialmente a testemunhal cujo rol segue abaixo, sem prejuízo da aplicação do artigo 18 do Código de Defesa do Consumidor.

Requer-se, desde logo, seja oficiado ao Sistema Brasileiro de Televisão (SBT) para que remeta ao Juízo documento comprobatório do (s) contrato (s) mantido com o Senhor ANTONIO AUGUSTO LIBERATO, no qual está garantido o direito à receita de todas as ações de merchandising, feitas no curso do Programa Domingo Legal, juntando-se planilha, especialmente levantada para o dia dos fatos (07 de setembro de 2003).

Informa que receberá as intimações na Rua Riachuelo, nº 115, 1º andar, sala 10, Centro, nesta Capital .

Dá à causa o valor de R$ 750.000,00 (setecentos e cinqüenta mil reais)..

Termos em que,

pede deferimento.

São Paulo, 14 de junho de 2004.

Deborah Pierri

2ª Promotora de Justiça do Consumidor

Lavinia Rudge Ramos Meirelles Concilio

Estagiária do Ministério Público

Rol de Testemunhas:

Bárbara Maria Vallarino Gancia, Alameda Barão de Limeira, 426, Centro, São Paulo, (fls. 179);

Wagner Maffezoli, Rua Queriri, 34, Vila Nova Manchester, São Paulo, (fls. 99).

José Luiz Datena, Rua dos Radiantes, no. 13, CEP. 05614-130, São Paulo.

Marcelo Rezende, Rua da Várzea, no. 240, Barra Funda, CEP 01140-080, São Paulo.

Notas de Rodapé:

1) jornalista e escritor (http://www.paremasmaquinas.com.br/frases.htm)

2) Reportagens publicadas na Folha de São Paulo, em especial a publicada no dia 16 de setembro de 2003, apontou que após a entrevista do dia 07 de setembro o SBT voltou a ficar em segundo lugar na audiência no domingo à tarde. Foi esclarecido que cada ponto do Ibope equivale a 47,5 mil domicílios na Grande São Paulo, e que o programa que entrevistou supostos membros do PCC chegou ao pico de 29 pontos (fls. 11 do Inquérito Civil).

3) O réu não agiu de forma honesta e transparente ao pagar determinada quantia a determinadas pessoas, conforme demonstrado pelo depoimento colhido no inquérito policial nº118/03, mais especificamente o interrogatório de Amilton Tadeu dos Santos, no qual informou que havia sido convidado por Rogério Casagrande a participar de um quadro de televisão do Programa Domingo Legal, para representar bandido do suposto Primeiro Comando da Capital, esclarecendo que a matéria não seria verdadeira, tendo recebido um cachê de R$ 450,00 (fls. 140/143).

4) As cópias parciais do inquérito policial demonstram: No interrogatório de Amilton Tadeu dos Santos, ator amador, conforme se verifica à fls. 140 do inquérito civil, foi apontado que o interrogado havia recebido uma ligação de Rogério Casagrande, que solicitou a apresentação de duas pessoas que pudessem representar dois bandidos. Em recompensa seria lhe pago o equivalente a R$150,00, bem como mais R$ 150,00 para cada um que aceitasse a representação. Aponta Amilton Tadeu dos Santos, ao se relatar a conversa com Rogério Casagrande, juntamente com os supostos membros da facção criminosa: “Rogério nesse momento explicou como seria as suas participações, seria uma entrevista a respeito do possível seqüestro do Pe. Marcelo Rossi; Rogério ainda informou que aquilo seria uma armação e inclusive não era para ser comentado com ninguém…” E ainda: as declarações prestadas por Vagner Faustino, o indivíduo denominado “Alfa”, à fls. 158 do inquérito civil. Esclareceu que Amilton Tadeu dos Santos havia lhe convidado a participar de um quadro para simular ser membro do PCC, cujo cachê seria de R$ 150,00. Ao chegar no SBT foi ao encontro de Rogério, que lhe entregou um texto onde “tudo que estava escrito na matéria devia ser dito”. Constou ainda: “Explicaram ao interrogando que Marcelo Rezende deveria ser mais atacado e ameaçado visto que segundo Vagner e Rogério desta pessoa tinham muita raiva.”

5) A Lei 5.250/67 (Regula a liberdade de manifestação de pensamento e de informação) tem no seu artigo 16, I a seguinte redação: “Art. 16. Publicar ou divulgar notícias falsas ou fatos verdadeiros truncados ou deturpados, que provoquem: inciso I – perturbação da ordem pública ou alarma social.” Já o artigo 18, parágrafo 2º prevê: “Fazer ou obter que se faça, mediante paga ou recompensa, publicação ou transmissão que importe em crime previsto na lei:” O artigo 147 do CP, por sua vez, prevê: “Ameaçar alguém, por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico, de causar-lhe mal injusto e grave.”

6) Naquela matéria, reportando-se ao pedido de desculpa do réu feito em outro programa da mesma emissora (fls. 254), escreveu:“Já disse e volto a repetir. Alô, Gugu Liberato! Não tem choro nem vela, você autorizou pessoalmente a exibição da reportagem com os supostos membros do PCC e tinha pleno conhecimento da história toda.A coisa se deu da seguinte forma: o diretor de seu programa, Maurício Nunes, que é seu amigo pessoal…chegou para você e disse que não se sentia tranqüilo em colocar aquele material no ar, do jeito que estava. Você então respondeu textualmente, na frente de outras pessoas, que queria causar impacto.Não adianta agora posar de bom moço e nem vir mostrar humildade no programa da Hebe ou no “Repórter cidadão”, que é apresentado pelo Marcelo Rezende, o repórter policial que desmascarou a farsa.” (grifei).

7) Sobre isso, confiram-se as palavras de Paulo Jorge Scartezzini Guimarães: “Podemos dizer que o tomador da informação submete-se voluntariamente ou até involuntariamente à influência do informante, porque confia na sua sinceridade, competência e conhecimento profissional. Nas palavras de Heesch, ‘o iludir dessa confiança para causação de danos ao utilizador contradiz grosseiramente as expectativas que seria legítimo pôr num comportamento honesto.’” In: A publicidade ilícita e a responsabilidade civil das celebridades que dela participam, RT, 2001, p. 156

8) In : Ação civil pública: Lei 7.347/85: reminiscência após dez anos de aplicação / coordenador Édis Milaré. Ação civil pública e programação da TV. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1995, fls. 280.

9) Mais uma vez usamos os ensinamentos de Barbosa Moreira: “Se é certo, como se mostrou acima, que encontra lugar entre os interesses difusos o dirigido a observância, pelas emissoras de televisão, dos preceitos constantes do art. 221 da Lei Maior, segue-se, em lógica elementar, que a ação civil pública, disciplinada na Lei 7.347, é instrumento adequado à vindicação de semelhante interesse em juízo. Ela constitui, sem discussão possível, um dos “meios legais” que, de acordo com o art. 220, parágrafo 3º, n.III, devem garantir “à pessoa e à família a possibilidade de se defenderem de programas ou programações (…) que contrariem o disposto no art. 221”; isto é: que não dêem a indispensável preeminência a “finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas”, ou que não respeitem os “valores éticos e sociais da pessoa e da família”- para só nos referirmos aos princípios (que aqui mais nos interessam) dos incisos I e IV.” Idem, p. 283

10) “Interesses Difusos, Qualidade da Comunicação e Controle Judicial “, RT, 2002, p.117

11) H.Benjamin já apontava em 1988: “Ademais, limitar a proteção a quem contrata é excluir da órbita da tutela especial todas as relações pré-contratuais, extremamente relevantes no contexto do mercado de consumo. Restringir a tutela do consumidor simplesmente à compra e venda significa submeter à aplicabilidade das normas de consumo a uma camisa -de-força inadmissível. O Direito do Consumidor visa proteger a parte mais fraca ou inexperiente na relação de consumo, sempre que a mesma vincule-se ao produtor, haja ou não compra e venda ( na locação), exista ou não contrato ( publicidade). “ (grifei) “ O Conceito jurídico de consumidor “, RT 628/69. Sobre o mesmo tema veio afirmar mais tarde: “O consumidor é, então, não apenas aquele que “adquire ou utiliza o produto ou serviço” (art.2o), mas igualmente as pessoas expostas às práticas”, previstas no Código (art.29). Vale dizer: ode ser visto concretamente (art. 2º), ou abstratamente (art. 29). No primeiro caso, impõe-se que haja ou que esteja por haver a aquisição ou utilização. Diversamente, no segundo, o que se exige é a simples exposição à prática, mesmo que não se consiga apontar, concretamente, um consumidor que esteja em vias de adquirir ou utilizar o produto ou serviço.” , “CDC comentado pelos autores do anteprojeto” Forense Universitária, 6ª ed., p. 243/44

12) Lembra MacLuhan: “ a informação não é mais um instrumento para produzir bens econômicos, mas tornou-se ele próprio o principal dos bens”. Apud H. Eco, Viagem na Irrealidade Cotidiana, Nova Fronteira, 1984.

13) Confira-se: “ d) o receptor é sem dúvida o destinatário final daquele produto ( imaterial) ou serviço, em especial porque o consumo se verifica de maneira diferenciada, isto é, o receptor é um típico consumidor psíquico em função de a forma cultural emitida visar a formação e estruturação do espírito ( a informação lato sensu refere-se à satisfação de uma necessidade humana), não há como relutar a existência de uma relação de consumo, ainda mais levando em conta que a Lei 8.078/90 criou uma figura do consumidor por equiparação, ao erigir a coletividade como ente digno de proteção das práticas lesivas que violem os direitos básicos previstos no art. 6º”, Fábio Podestá, op. cit. p. 120

14) Lembra Cláudia Lima Marques: Veja a minha apresentação à obra de Chaise e de Podestá. Este último defende que a televisão aberta é relação de consumo, justamente em virtude da publicidade. Sobre o tema escrevi: “ … inicialmente, considerava falsa sua premissa, qual seja a de que a televisão aberta deveria submeter-se a alguns parâmetros e princípios do Código de Defesa do Consumidor (CDC), por ser interesse difuso e informação de massa, confesso que, após a leitura de sua bela e instigante obra a dúvida me toma… Fácil seria afirmar que as informações veiculadas através da televisão aberta não se relacionam com o consumo e que os telespectadores nunca serão consumidores desta informação, mas a bela e sólida dissertação de magistrado Fábio Henrique Podestá defende a tese contrária e abala qualquer certeza.”

15) Contratos no Código de Defesa do Consumidor , RT, 4ª.ed., 2002, p.327.

16) Idem fls. 331

17) A centralidade da TV nas redes intersubjetivas brasileiras, I Colóquio Interamericano de Ciências da Comunicação Brasil – Canadá, ([email protected])

18) Idem, p.9

19) In: Publicidade: responsabilidade civil perante o consumidor. Tese de doutoramento apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo: maio de 1994.

20) A comunicação social perante o Código de Defesa do Consumidor, Revista do Consumidor, no. 4/132

21) Apud. João Batista de Almeida. A proteção jurídica dos consumidores. Saraiva, 2002, p.35

22) Aliás, a referida reportagem aponta que a pessoa física do réu fatura por programa R$ 750 mil.

23) Aliás, cabe apontar os dados trazidos pela reportagem da Folha de São Paulo, publicada no dia 20 de setembro de 2003, que aponta que o faturamento mensal obtido com o programa Domingo Legal é de R$ 3 milhões, o que equivale a R$ 625 mil a R$ 750 mil por programa (fls. 206 do inquérito civil).

24) Ob.cit, p. 335

25) Dos referidos documentos é possível observar-se que o réu oferece várias opções aos anunciantes para comercialização de seus produtos. O anúncio pode ser através de jingles “Esse tipo de merchandising provoca o conhecimento e a fixação da marca” e ainda “Gugu canta o jingle especialmente criado para o produto ou serviço anunciado, enquanto cumpre a coreografia, incitando a participação interativa dos telespectadores. Logo depois, é feito a testemunha daquilo que é anunciado, agregando o crédito do apresentador.” Grifei (fls. 446).. Há ainda a opção da comercialização do produto através da forma testemunhal: “Tem o intuito de promover as vendas através da credibilidade e do depoimento do apresentador” (grifei), tal método consiste em “Gugu Liberato faz a apresentação do produto ou serviço, destacando suas características e convidando seu público a efetuar a compra” (fls. 447).

26) É possível observar ainda, que no site há a indicação de uma produtora, para auxiliar no marketing do produto a ser apresentado em rede de televisão (fls. 445).Há ainda uma relação dos anunciantes do programa, dentre eles se destacam: Nestlé, Abril, Caixa Econômica Federal, Folha de São Paulo, Mastercard dentre outros (fls. 448).

27) “ No sistema do CDC, porém, a transparência, a informação correta, está diretamente ligada à lealdade, ao respeito no tratamento entre parceiros. É a exigência de boa-fé quando da aproximação ( mesmo que extra ou pré-contratual) entre fornecedor e consumidor. Nesse sentido disciplina o CDC, em seus arts. 36 a 38, a informação publicitária para obrigar o fornecedor que dela se utilizar a respeitar os princípios básicos de transparência e boa-fé nas relações de consumo.” Lima Marques, op. cit. p. 672

28) O conceito de abusividade na publicidade, como já foi dito, representa certa novidade, mesmo quando se analisam as leis de proteção aos consumidores dos chamados países super desenvolvidos.Na verdade, o traço comum dos sistemas normativos, ao disporem sobre a abusividade, diz respeito à exploração ou opressão imposta aos consumidores. Lembra Harland: “se o direito deve ir além e proibir conduta que, embora não necessariamente enganosa é, de qualquer modo, vista com objeção por ser abusiva contra os consumidores, ao tirar vantagem da sua falta de conhecimento ou poder de barganha, ao inibir, por outras vias, sua capacidade de sua escolha livre, ao ser por outra forma, contrária aos valores comunitários.” (grifei), Apud. Benjamim, ob.cit, p.296.

29) Entende Luís Roberto Barroso: “O exercício da liberdade de expressão pode, em diferentes situações, violar a ordem jurídica e afetar a esfera de direitos de outrem, sujeitando o agente a conseqüências jurídicas de natureza civil ou penal. (…) Os meios de comunicação de massa também são suscetíveis de violar direitos coletivos e difusos. Ocorrendo tal hipótese , que será examinada mais adiante, caberá o ajuizamento da ação civil pública, remédio jurídico que atribui a entidades associativas privadas, ao Ministério Público e às entidades de direito público a legitimação ativa para postular prestação judicial para a tutela de tais situações jurídicas, assim definidas no par.Ún.Do art. 81 da Lei 8.078, de 11.09.90”. In: Liberdade de expressão, censura e controle da programação de televisão na Constituição de 1988,

30) No mesmo sentido está Senise Lisboa: “ Além disso, acaba por causar, ainda que reflexamente, prejuízo patrimonial e moral (psíquico, em especial) à massa de consumidores, pelo seu comportamento nefasto, que não precisa ser demonstrado, porque a simples abusividade, por si só, já torna o ato ilícito”. Contratos Difusos e Coletivos, RT, 2ª ed., p. 320

31) A propósito reconhece o Código de Auto-regulamentação Publicitária: “a publicidade exerce forte influência de ordem cultural sobre as grandes massas da população”

32) Da Inexecução das Obrigações e suas conseqüências. 3.ed. Rio de Janeiro, 1965, fls. 246.

33) Confira-se por todos as lições de Francisco Amaral: “Responsabilidade objetiva é a que independe de culpa do agente. Desenvolveu-se com a teoria do risco, segundo a qual todo dano deve ser indenizado independentemente de haver ato ilícito. Resulta da constatação de que a concepção tradicional, subjetiva, é insuficiente para resolver problemas de setores específicos da vida contemporânea, onde a atividade econômica cria risco de dano, que deve ser indenizado pelos beneficiários dessa atividade.(…) O fundamento da obrigação de indenizar, nesta espécie de responsabilidade, não decorre da ilicitude do ato, mas de um princípio de equidade e de justiça comutativa, segundo a qual todo aquele, na defesa de seus interesses prejudicar p direito de outrem, ainda que de forma autorizada, deve indenizar o dano causado.” In: Direito Civil, Introdução, Rio de Janeiro, Renovar, 2003., p. 571/2. E ainda os ensinamentos de Carlos Roberto Gonçalves: “A responsabilidade civil desloca-se da noção de culpa para a idéia de risco, ora encarada como ‘risco-proveito’, que se funda no princípio de que é reparável o dano causado a outrem em conseqüência de uma atividade realizada em benefício do responsável[ubi emolumentum, ibi ônus, isto é, quem aufere os cômodos (lucros) deve suportar os incômodos ou riscos]…” In: Direito Civil Brasileiro, I volume, Parte Geral, São Paulo, Saraiva, 2003, p. 451.

34) In: Publicidade: responsabilidade civil perante o consumidor. Tese de doutoramento apresentado à Universidade de São Paulo como requisito parcial à obtenção do título de Doutora. Maio, 1994.

35) “O limite da liberdade é a responsabilidade. Caminham juntas, liberdade e responsabilidade. O limite é o direito do outro, é a ilicitude existente na invasão da esfera do direito a confiança, à liberdade de expressão, à informação e o respeito aos direitos da personalidade, impõe ao causador de um dano material ou moral a obrigação de reparar o dano causado.” Maria Luiza Andrade de Saboia Campos, ob cit., p. 397.

36) A expressão celebridade é gênero , dos quais são espécies os artistas, pessoas públicas e outros.

37) A publicidade ilícita e a responsabilidade civil das celebridades que dela participam. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001, fls. 155.

38) Idem, fls. 183/184.

39) CDC, art. 6º., incisos III e IV.

40) Airton Seclaender, baseando-se em Xifras-Heras, elenca quatro fases em que se pode dividir a história do direito de informação: a primeira, coincidente com o Estado absolutista, caracterizado por uma rigorosa censura a todos os escritos e recurso sistemático dos governantes ao segredo. Uma segunda fase, concomitante ao surgimento do Estado de Direito, estaria marcada pelo reconhecimento dos direitos humanos de primeira geração – entre eles, figurando como um dos principais, o direito à liberdade de expressão e de opinião, assim como a liberdade de imprensa e o princípio da transparência e publicidade dos negócios públicos. A terceira fase seria aquela em que o poder dos meios de comunicação de massa teria levado a uma consciência quanto à necessidade de refreá-lo, justificando decidida intervenção estatal nessa área. Finalmente, o quarto e último momento seria aquele em que se busca a regulamentação dos meios de comunicação de massa de modo a se assegurar o desempenho de sua função pública nas democracias, proporcionando aos governados a informação indispensável para poderem influir em condições de igualdade na condução da sociedade. Confira-se: “O direito de ser informado – base do paradigma moderno do direito de informação”. In: RDP v.99/147

41) Les libertés publiques, p. 245

42) Esse o entendimento de Luís Gustavo G. Castanho de Carvalho, para quem o direito à informação verdadeira é um autêntico interesse difuso na medida em que é “transindividual e indivisível porque a informação jornalística é destinada a todas as pessoas que se disponham a recebê-la, sem que se possa individualizar e dividir qual informação será difundida para este indivíduo e qual para aquele. Todos são igualmente titulares desse direito de receber informação e é inegável que todos os titulares estão ligados pela circunstância de fato de serem leitores do mesmo jornal, ouvintes do mesmo rádio ou espectadores da mesma emissora de televisão”. Liberdade de Informação e o Direito Difuso à Informação Verdadeira, p. 64

43) Curso de Direito… cit., p. 250.

44) Nesse sentido, nos ensina José Carlos Barbosa Moreira: “(…) A liberdade de criação artística e de difusão de idéias e conhecimentos não é absoluta; obrigatoriamente há de respeitar outras liberdades e direitos também consagrados na Lei Maior.” Ação civil pública e programação da TV, ob. cit, fls. 287.

45) Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda exclusivamente moral, comete ato ilícito.

46) Sobre a indenizabilidade do dano moral por perturbações à integridade psíquica, confiram-se os seguintes precedentes: a) “A perturbação das relações psíquicas da vítima, na sua tranqüilidade, sentimento e afetos, em decorrência do ato ilícito constitui dano extrapatrimonial que deve ser indenizado” (STJ, 4ª T., R.Esp. 8768-SP, Rel. Min. Barros de Monteiro, j. 18.02.1992).; b) “Há cabimento de indenização a título de dano Moral, não sendo exigida a comprovação do prejuízo” (STF, RT 614/236); c) “00040 – INDENIZAÇÃO – Dano moral. Reparação que independe da existência de seqüelas somáticas. Inteligência do art. 5º, V, da CF e da Súmula. 37 do STJ. Ante o texto constitucional novo é indenizável o dano moral, sem que tenha a norma (art. 5º, V) condicionado a reparação à existência de seqüelas somáticas. Dano moral é moral.” (1º TACSP – EI 522.690/8-1 – 2º Gr. Cs. – Rel. Juiz Octaviano Santos Lobo – J. 23.06.1994) (RT 712/170). E ainda Súmula 37 do STJ

47) Direito das Obrigações, 12ª ed., p. 332

48) Confira-se a decisão: Ap. Civ, n. 5.943/94, 2a Câm., TJRJ, por maioria, relator designado Des. Sérgio Cavalieri Filho, in Rev. Dir. TJRJ, n. 26, 1996, Degrau Cultural, p. 225-231.

49) Do dano moral coletivo no atual contexto jurídico brasileiro. RDC, vol.12.

50) CAMPOS, Maria Luiza Andrade Figueira de Saboia. Publicidade: responsabilidade civil perante o consumidor. Tese de doutoramento apresentada a Universidade de São Paulo, como requisito à obtenção do título de doutora. Maio, 1994., fls. 359.

51) Idem, fls. 369.

52) BITTAR FILHO, Carlos Alberto. Do dano moral coletivo no contexto jurídico brasileiro. Revista de Direito do Consumidor, vol. 12, p.47.

53) Idem, p. 55.

54) RAMOS, André de Carvalho. A ação civil pública e o dano moral coletivo. Revista de Direito do Consumidor, vol. 25, p.82.

55) Idem, fls. 83.

56) “No entender de Milton Flaks, não há dúvida de que a ação civil pública, tal como presentemente concebida e desde que bem interpretada, destina-se a ser um dos mais importantes – e talvez o mais eficiente – instrumentos de defesa de interesses difusos ou coletivos, pela abrangência e opções que oferece.12 A segurança e a tranqüilidade de todos indivíduos – assim como o sentimento de cidadania – são bruscamente atingidos quando o patrimônio moral de uma coletividade é lesado sem que haja qualquer direito à reparação desta lesão. (Instrumentos processuais de defesa coletiva, in Revista Forense, n. 320, Rio de Janeiro, out-nov-dez/1992.) Apud – André Carvalho Ramos, ob. Cit.

57) Ação civil pública e programação da TV. In: Ação civil pública: lei 7.347/85: reminiscências e reflexões após 10 anos de aplicação, obra coordenada por Edis Milaré, São Paulo, RT, 1995, fls. 287

58) “ Há que se lembrar que não podemos opor a essa situação a dificuldade de apuração do justo ressarcimento. O dano moral é incomensurável, mas tal dificuldade não pode ser óbice à aplicação do direito e a sua justa reparação. Deve servir, pois, de desafio ao juiz, o qual poderá utilizar as armas do art. 5.° da LICC e do art., 125 do diploma processual civil. O non liquet neste caso urge ser afastado.” (André Carvalho, ob cit).

59) As lições deixadas por Carlos Alberto Bittar servem de balizas: “em consonância com essa diretriz, a indenização por danos morais deve traduzir-se em montante que represente advertência ao lesante e a à sociedade de que se não se aceita o comportamento assumido, ou o evento lesivo advindo. Consubstancia-se, portanto, em importância compatível com o vulto dos interesses em conflito, refletindo-se de modo expressivo, no patrimônio no patrimônio do lesante, a fim de que sinta, efetivamente, a resposta da ordem jurídica aos efeitos do resultado lesivo produzido. Deve, pois, ser quantia economicamente significativa, em razão das potencialidades do patrimônio do lesante. Coaduna-se essa postura, ademais, com a própria índole da teoria em debate, possibilitando que se realize com maior ênfase, a sua função inibidora de comportamentos. Com efeito, o peso do ônus financeiro é, em um mundo em que cintilam interesses econômicos, a resposta pecuniária mais adequada a lesionamentos de ordem moral.” – Reparação Civil por Danos Morais, RT, 1993, p. 220/2

60) “Cabe ao juiz, pois, em cada caso, valendo-se dos poderes que lhe confere o estatuto processual vigente, com base na teoria do desestímulo, bem como das regras da experiência, analisar as diversas circunstâncias do caso concreto e fixar a indenização adequada aos valores em causa.” In: Serpa Lopes, Curso de D. Civil. Vol.V.

61) A era dos direitos, Campus, RJ, 1992

62) Grandes Temas da Atualidade – Dano Moral -, Coordenador Eduardo de Oliveira Leite, artigo de Volnei Ivo Carlin,p.432, Forense, 2002, RT.

Ensaios Jurídicos, O direito em Revista, Coordenação Ricardo Bustamante, Vol.4, IBAJ, 1997, RJ , artigo de Antonio Junqueira de Azevedo 431-440)

63) E a extensão conforme o sentido preconizado pelo legislador, significa todo o espaço ocupado pelo efeito lesivo produzido pelo agente lesionador. As dificuldades oriundas deste procedimento se encontram na medida do espaço.” In: Grandes Temas da Atualidade – Dano Moral -, Coordenador Eduardo de Oliveira Leite, artigo de Clayton Reis.p.52, Forense, 2002, RT

64) Confira-se o seguinte julgado: “Ainda que hipoteticamente se admita que a inversão do ônus da prova nos termos do art. 6º, VIII, do CDC depende de prévia declaração judicial de que assim se fará, não há igualmente entender no tocante ao ônus probatório em matéria publicitária que o art. 38 incisivamente faz recair sobre a quem patrocina, sem condicioná-lo ao critério do juiz.” – TJSP, 9ª CC, Ap. Civ. 255.461-2, rel. des. Aldo Magalhães, j. 6.4.95, AASP no. 1911, 9 a 15.8.95, p. 222-j.

65) op. cit. p. 305

66) Constituição Federal Anotada, Saraiva, 2ª.ed., p. 433/34

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