Justa causa

Demissão por justa causa não acolhida pela Justiça gera indenização

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17 de junho de 2004, 14h53

O TRT da 4ª Região (RS), pela sua 2ª turma, em decisão recente, de 31 de março de 2004, sendo relator o juiz JOSÉ FELIPE LEDUR, proferiu decisão inédita em reclamação trabalhista. Não tendo sido reconhecida a justa causa alegada (furto qualificado), condenou a empresa a pagar ao reclamante inocentado indenização por danos morais, no valor de 250 salários mínimos.

O reclamante, que detinha o cargo de vice-presidente da CIPA da empresa-ré, gozando de garantia de emprego contra a despedida arbitrária, foi acusado de furto qualificado e despedido por justa causa, sendo que da acusação formalizada originou a instauração de processo criminal, no qual foi absolvido no juízo criminal.

A alegação de justa causa na Justiça Especializada também não foi acolhida ao entendimento de que atitudes tais, quando sujeitas a exame pelo Poder Judiciário Trabalhista, não devem ser examinadas como se traduzissem poder do empregador de despedir.

O contexto de fragilidade do trabalhador na própria forma em que entrega sua energia produtiva, ou seja, enquanto cumpre o objeto principal do contrato de trabalho, origina efeitos conexos que dizem respeito justamente à dignidade humana, princípio que, por ser o núcleo central dos direitos fundamentais em nossa ordem constitucional, deve ser o primeiro a compor a fórmula que o julgador utiliza na atividade de concreção jurídica.

O fato de ser detentor da estabilidade constitucional assegurada ao cipeiro, gozando de garantia de emprego contra a despedida arbitrária na época da dispensa motivada, reveste a situação fática analisada no processo, da maior gravidade, já que a estabilidade provisória assegurada aos membros da CIPA diz respeito à proteção dos interesses da coletividade dos empregados, detendo cunho social de grande alcance, na medida em que busca a concreção do direito fundamental previsto no inciso XXII do art. 7º da Constituição Federal.

Leia a íntegra do acórdão (RO 01250-2002-661-04) que tem o teor seguinte:

“EMENTA:

RECURSO ORDINÁRIO DA RECLAMADA E RECURSO ORDINÁRIO DO RECLAMANTE – MATÉRIA COMUM. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. ACUSAÇÃO DE FURTO QUALIFICADO E DESPEDIDA POR JUSTA CAUSA NÃO ACOLHIDAS PELO JUDICIÁRIO. CARACTERIZAÇÃO CONTUNDENTE DE DANO MORAL. Hipótese em que o crime que foi imputado ao reclamante – furto qualificado – originou a instauração de processo criminal e despedida por justa causa. O acusado foi absolvido no Juízo criminal, por insuficiência de prova para a condenação, e a denúncia cheia do contrato de trabalho não foi acolhida por esta Justiça Especializada. Atitudes tais, quando sujeitas a exame pelo Poder Judiciário Trabalhista, não devem ser examinadas como se traduzissem poder do empregador de despedir. O contexto de fragilidade do trabalhador na própria forma em que entrega sua energia produtiva, ou seja, enquanto cumpre o objeto principal do contrato de trabalho, origina efeitos conexos que dizem respeito justamente à dignidade humana, princípio que, por ser o núcleo central dos direitos fundamentais em nossa ordem constitucional, deve ser o primeiro a compor a fórmula que o julgador utiliza na atividade de concreção jurídica. O reclamante detinha o cargo de vice-presidente da CIPA da empresa-ré, gozando de garantia de emprego contra a despedida arbitrária na época da dispensa motivada, o que reveste de maior gravidade o procedimento da empregadora. A estabilidade provisória assegurada aos membros da CIPA diz respeito à proteção dos interesses da coletividade dos empregados, detendo cunho social de grande alcance, na medida em que busca a concreção do direito fundamental previsto no inciso XXII do art. 7º da Constituição Federal. Sentença reformada para majorar o valor da indenização por danos morais.

RECURSO ORDINÁRIO DO RECLAMANTE – MATÉRIA REMANESCENTE DESCONTOS PREVIDENCIÁRIOS E FISCAIS. Os descontos fiscais decorrem de expressa disposição contida no art. 46 da Lei 8.541/92, não se afigurando, no presente caso, ofensa ao princípio da dignidade humana ou violação à igualdade tributária, como também ao princípio da proporcionalidade, a aplicação da legislação tributária no presente caso, razão pela qual é mantida a autorização. Quanto aos descontos previdenciários, tem-se que a parcela da condenação não integra o salário-de-contribuição, não estando sujeita à incidência das contribuições sociais. Recurso parcialmente provido.

VISTOS e relatados estes autos de RECURSO ORDINÁRIO, interposto de sentença proferida pelo MM. Juízo da 1ª Vara do Trabalho de Passo Fundo, sendo recorrentes GILMAR ANTONIO CARISSIMO MAIER e GRAZZIOTIN S/A e recorridos OS MESMOS.

Inconformadas com a sentença proferida às fls. 224-230, que julgou procedente em parte a ação, as partes recorrem ordinariamente da decisão.

O reclamante, nas razões das fls. 232-236, busca a reforma do julgado para que seja elevada a indenização por danos morais que lhe foi deferida. Pretende, ainda, a retirada da incidência dos descontos previdenciários e fiscais, por tratar-se a condenação de verbas indenizatórias.


A reclamada, por sua vez, no arrazoado das fls. 237-248, pretende ser absolvida da condenação que lhe foi imposta quanto ao pagamento da indenização por danos morais ou, sucessivamente, que seja reduzido o valor fixado.

Contra-arrazoados os apelos, respectivamente, às fls. 259-263 e 253-256, sobem os autos a este Tribunal.

Processo não submetido a parecer pelo Ministério Público do Trabalho.

É o relatório.

ISTO POSTO:

RECURSO ORDINÁRIO DA RECLAMADA E RECURSO ORDINÁRIO DO RECLAMANTE – MATÉRIA COMUM

INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS

Diante do conjunto probatório dos autos, o Juízo a quo condenou a reclamada ao pagamento de indenização por danos morais, fixada em 50 salários mínimos (R$ 12.000,00 à época). Entendeu que as acusações feitas pela reclamada contra o reclamante, relativas a esquema de desvio de mercadorias (furto), causaram prejuízo moral ao obreiro, uma vez que ficou caracterizado o nexo de causalidade entre o dano sofrido e a ação que o gerou.

Inconformadas, as partes buscam a reforma da decisão.

O reclamante pretende que o valor da indenização seja elevado, argumentando que devem ser considerados o poderio econômico da reclamada e o sofrimento e a humilhação a que foi submetido. Diz que a condenação foi demasiadamente branda, devendo ser elevada para o valor pleiteado na inicial (250 salários mínimos).

A reclamada, por sua vez, sustenta que a prova dos autos não revela a exposição do empregado a qualquer constrangimento ou dor emocional. Alega que agiu no exercício regular de um direito ao registrar a ocorrência policial que culminou no processo criminal. Salienta que a reversão da justa causa não tem o condão de transformar o ato da despedida em causador de danos morais. Acrescenta que não houve repercussão dos fatos além dos limites do local de trabalho do reclamante, afirmando que “nenhuma culpa pode ser atribuída à recorrente com relação a eventual publicidade fora do local de trabalho ou no meio social do reclamante”. Diz que não houve violação ao art. 159 do Código Civil revogado. Pretende a sua absolvição ou, sucessivamente, a redução do valor fixado. Oferece como critério o valor equivalente a uma remuneração por ano trabalhado.

À análise.

Em decorrência do crime que foi imputado pela reclamada ao reclamante – furto qualificado -, este foi despedido por justa causa e sofreu processo criminal, não sendo acolhida a denúncia cheia do contrato de trabalho por esta Justiça Especializada (fls. 08-22) e sendo absolvido no Juízo criminal, pela insuficiência de prova para a condenação (fls. 23-29).

A prova testemunhal (fls. 220-222) revela que os motivos da despedida do reclamante foram de amplo conhecimento no âmbito da empresa-ré. As três testemunhas do autor ficaram sabendo, por meio de comentários, que a despedida ocorreu em função de um furto ocorrido na loja. As duas testemunhas da reclamada disseram que outro empregado (Maicon) teria acusado o reclamante de ter participado do furto, afirmando ambos os depoentes, de forma uníssona, “que não ouvi nenhum comentário desabonatório contra o reclamante fora da empresa”.

Ao contrário do que alega a reclamada, não se faz necessário que a repercussão dos fatos inquinados como lesivos à dignidade do trabalhador extrapole os muros da empresa. A propagação de comentários depreciativos à probidade do empregado em seu ambiente de trabalho é suficiente para caracterizar a violação do princípio da proteção à personalidade ou dignidade do ser humano, além de ensejar lesão capaz de causar dor sentimental ou física, afetar a honra, intimidade e imagem pessoal do autor.

O fato lesivo praticado pelo empregador e que originou o dano restou comprovado. As conseqüências negativas na estrutura psíquica da vítima são presumíveis, tendo em vista as fortes acusações sofridas. Ou seja, o constrangimento e a dor a que foi submetido atingiram diretamente a percepção de si mesmo e do seu valor enquanto ser humano, enfim, a composição de sua personalidade.

Atitudes tais, quando sujeitas a exame pelo Poder Judiciário Trabalhista, não devem ser examinadas como se traduzissem poder do empregador de despedir. O contexto de fragilidade do trabalhador na própria forma em que entrega sua energia produtiva, ou seja, enquanto cumpre o objeto principal do contrato de trabalho, origina efeitos conexos que dizem respeito justamente à dignidade humana, princípio que, por ser o núcleo central dos direitos fundamentais em nossa ordem constitucional, deve ser o primeiro a compor a fórmula que o julgador utiliza na atividade de concreção jurídica.

Conforme demonstra João de Lima Teixeira Filho (in Instituições de Direito do Trabalho, Arnaldo Süssekind et al., 19a ed., São Paulo: LTr, 2000, pág. 632), o dano moral tem base em nosso ordenamento jurídico no art. 159 do Código Civil, sendo um “comando que, em conseqüência, sanciona a conduta lesionante, imputando ao seu autor a obrigação de repará-la, seja qual for a modalidade do dano. Assim, tanto os danos patrimoniais como os morais não refogem da incidência desse comando genérico”. A seguir, Teixeira Filho traz a lição de Ihering, que se destaca:


“A pessoa tanto pode ser lesada no que tem, como no que é. E que se tenha um direito à liberdade ninguém o pode contestar, como contestar não se pode, ainda que se tenha um direito a sentimentos afetivos, a ninguém se recusa o direito à vida, à honra, à dignidade, a tudo isso enfim, que, sem possuir valor de troca de economia política, nem por isso deixa de constituir em bem valioso para a humanidade inteira. São direitos que decorrem da própria personalidade humana. São emanações diretas do eu de cada qual, verdadeiros imperativos categóricos da existência humana.”

Com o advento do Código Civil de 2002, tal concepção tornou-se ainda mais evidente, na dicção do art. 186: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”. Ainda que não se aplique o Código Civil vigente ao presente caso, visto que os fatos ocorreram em 2000, traz-se tal referência a título de reforço de argumentação, demonstrando a evolução de nossas leis (nesse aspecto).

Quanto à fixação da reparação, o juízo de arbitramento deve seguir critério de eqüidade. À falta de regra específica, entende-se que, por aplicação analógica do art. 53, I e II, da Lei nº 5.250/67 (Lei de Imprensa), o arbitramento da indenização por dano moral deve considerar a gravidade e repercussão da ofensa, a condição econômica e o grau do dolo ou culpa do ofensor, a pessoa do ofendido e, por fim, a intensidade do sofrimento que lhe foi causado. Nesse sentido, invocam-se os argumentos do Desembargador Federal Roger Raupp Rios, do TRF da 4ª Região, pela clareza e didática com que aborda o tema:

“O dano moral lesiona um bem jurídico contido nos direitos de personalidade, como o direito a honra. Logo, a propositura de uma ação contra alguém por falta de pagamento atinge sua credibilidade. Não é avaliado mediante cálculo aritmético ou econômico. Deve-se levar em consideração para seu arbitramento a gravidade objetiva de dano, o vexame causado, a situação social e profissional da vítima, sua personalidade, o seu sofrimento, a situação econômica do ofensor. Na fixação de montante indenizatório a título de dano moral, devem ser considerados diversos critérios, tais como: a) a natureza punitiva desta espécie de indenização, aflitiva para o ofensor, evitando que se repitam situações semelhantes; b) a condição social do ofensor e do ofendido, sob pena de não haver nenhum grau punitivo ou aflitivo; c) o grau de culpa do ofensor, as circunstâncias do fato e a eventual culpa concorrente do ofendido; d) a posição familiar, cultural, social e econômico-financeira da vítima e) a gravidade e a repercussão da ofensa”. (in Apelação Cível 311675, 3ª Turma, julgado em 30-11-00)

Quanto ao valor arbitrado, tendo-se em mira os critérios supra à luz do presente caso, verifica-se que o valor de 50 salários mínimos (R$ 12.000,00 à época da prolação da sentença) é tímido em relação ao dano moral causado, aos valores humanos afrontados, especialmente se tomado em conta que a honestidade do indivíduo é um dos principais alicerces de sua imagem. Acusado de furto, submetido a responder um processo criminal e despedido por justa causa, tendo sido descaracterizada a sua culpa tanto nesta Justiça Especializada como na Justiça Comum, em que absolvido com o acolhimento do parecer do Ministério Público estadual (fls. 23-7), após ter passado por todo esse desgaste, é inquestionável que o estrago provocado na esfera íntima do trabalhador assumiu grandes proporções.

No presente caso, o valor de R$ 12.000,00 é aquém do fim punitivo-educativo e compensatório que deve conter a reparação por danos morais. A reclamada é empresa de bom porte, tendo uma estrutura ampla de estabelecimentos comerciais, o que denota capacidade econômica plena na atuação no mercado. A condição social do ofendido perante a ofensora (empregadora) é de evidente disparidade, estando o trabalhador subordinado na posição mais frágil da relação, o que eleva o grau de culpa da reclamada.

Cumpre registrar, por derradeiro, que o reclamante detinha o cargo de vice-presidente da CIPA da reclamada, gozando de garantia de emprego contra a despedida arbitrária à época da dispensa, o que reveste de maior gravidade o procedimento da empregadora até aqui apurado. A estabilidade provisória assegurada aos membros da CIPA diz respeito à proteção dos interesses da coletividade dos empregados, contendo cunho social de grande alcance, na medida em que busca a concreção do direito fundamental previsto no inciso XXII do art. 7o da Constituição Federal (“redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança”).

Ponderadas as circunstâncias acima e avaliando-se a capacidade econômica da reclamada, bem como a condição pessoal do autor, no entender do Relator tem-se que a indenização pelos danos morais deveria ser a que corresponde aos 250 salários mínimos pleiteados na inicial (o que alcançaria o valor de R$ 60.000,00, considerados os juros e a correção monetária deferidos à fl. 229. Contudo, a Turma, por maioria de votos, entende que a finalidade punitiva-educativa e compensatória decorrente dos fatos narrados é atendida com a dobra da condenação originária, ou seja, o acréscimo de mais R$ 12.000,00 (doze mil reais) à indenização pelos danos morais causados.

Com tais fundamentos, nega-se provimento ao recurso da reclamada e dá-se parcial provimento ao recurso do reclamante, para majorar a indenização por danos morais em R$ 12.000,00, com juros e correção monetária.

RECURSO ORDINÁRIO DO RECLAMANTE – MATÉRIA REMANESCENTE DESCONTOS PREVIDENCIÁRIOS E FISCAIS

A sentença recorrida autorizou os descontos previdenciários e fiscais cabíveis sobre a condenação.

Insurge-se o recorrente contra tal autorização, sustentando que a verba deferida detém natureza indenizatória, sendo descabida a incidência dos descontos.

Com razão parcial.

Os descontos fiscais decorrem de expressa disposição contida no art. 46 da Lei 8.541/92 – “O imposto sobre a renda incidente sobre os rendimentos pagos em cumprimento de decisão judicial será retido na fonte pela pessoa física ou jurídica obrigada ao pagamento, no momento em que, por qualquer forma, o rendimento se torne disponível para o beneficiário” – não se afigurando ofensa ao princípio da dignidade humana ou violação à igualdade tributária, como também ao princípio da proporcionalidade, a aplicação da legislação tributária no presente caso, razão pela qual é mantida a autorização.

Quanto aos descontos previdenciários, previstos nos arts. 43 e 44 da Lei 8.212/91, tem-se que a parcela da condenação não integra o salário-de-contribuição, não estando sujeita à incidência das contribuições sociais.

Dá-se provimento parcial ao recurso do reclamante, para afastar a autorização dos descontos previdenciários sobre a condenação.

Ante o exposto,

ACORDAM os Juízes da 2ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região:

JOSÉ FELIPE LEDUR, negar provimento ao recurso ordinário da reclamada. Por maioria, vencido parcialmente o Exmo. Juiz-Relator, dar provimento parcial ao recurso ordinário do reclamante, para majorar a indenização por danos morais em R$ 12.000,00 (doze mil reais), com juros e correção monetária, e para afastar a autorização dos descontos previdenciários sobre a condenação. Valor da condenação que resulta em R$ 24.000,00 (vinte e quatro mil reais), para efeitos legais.

Intimem-se.

Porto Alegre, 31 de março de 2004 (quarta-feira).

Fonte: DJ decisão publicada em 22.04.04.

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