Adolescente difícil

Em vigor há 12 anos, Cofins ainda gera polêmica e disputas judiciais.

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13 de junho de 2004, 9h08

Desde que foi criada pela Lei Complementar 70/91, em substituição ao Fundo de Investimento Social, e sancionada em janeiro de 1992 pelo presidente Fernando Collor de Mello, a Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (Cofins) já se transmutou diversas vezes.

Destinada ao sistema de seguridade social para cobrir o déficit da previdência e financiar programas sociais, a contribuição semeou controvérsias ao longo dos anos e é alvo de disputas judiciais por todo o país. Só no Superior Tribunal de Justiça (STJ), 92 processos relacionados à Cofins foram julgados nos primeiros meses de 2004.

A mais nova polêmica envolvendo a contribuição é em torno de sua incidência sobre as importações, determinada por lei ordinária. A Medida Provisória 164, publicada em janeiro deste ano — com base no artigo 149, § 2º, II, e no artigo 195, IV, da Constituição Federal, alterados pela Emenda Constitucional 42, de 2003 — e aprovada pelo plenário do Senado no dia 29 de abril, institui que todos os equipamentos, bens de capital ou serviços oriundos do exterior devem entrar na dança da Cofins. A matéria aguarda a sanção presidencial, mas está em vigor desde o dia 1º de maio.

Ficam fora da cobrança, principalmente, as indústrias automobilística e farmacêutica. O decreto 5.057, baixado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 30 de abril e republicado em meados de maio — com alargamento da lista de produtos –, determina alíquota zero para uma série de princípios ativos (de posição 29 e 30 da classificação fiscal) componentes da fórmula de medicamentos de tarja vermelha e preta.

Também estão isentos da Cofins os equipamentos utilizados pela indústria cinematográfica, papéis para impressão de jornais, livros e determinados periódicos — por quatro anos ou até que a produção nacional atenda a 80% do consumo interno –, gás natural consumido pelo Programa Prioritário de Termelétricas, produtos hortícolas, frutas, semens e embriões. Praticamente as mercadorias que já não pagavam IPI e Imposto sobre Importação por força de benefícios aduaneiros estão livres da contribuição.

De modo geral, todas as outras mercadorias e serviços devem ser taxados pelo tributo. Um dos argumentos usados pelo governo para justificar a medida é o de que as mercadorias nacionais precisam garantir a competitividade com as vindas de fora. Como elas são taxadas pela Cofins, os importados devem entrar na mesma regra. A opinião de especialistas, no entanto, é outra.

“Esse argumento é falacioso porque a base de cálculo sobre os importados será feita ‘por dentro’, incluindo outros tributos, o que resulta em uma alíquota maior que a incidente nas mercadorias nacionais”, diz o advogado tributarista Guilherme Neves, do escritório Braga & Marafon.

Segundo a nova lei, a base de cálculo da contribuição deve levar em conta o ICMS e o valor das próprias contribuições (a própria Cofins e o PIS), o que resulta numa alíquota de cerca de 12,7%. Isso sem contar os outros impostos que incidem sobre esses produtos. Pior do que isso, na opinião de Neves, a nova base de cálculo prejudica indiretamente também a produção nacional. Isso porque, muitas indústrias são dependentes de matérias-primas importadas para a produção de suas mercadorias.

“A nova lei gera um desvirtuamento da base de cálculo e viola acordos internacionais”, diz Neves. Outra controvérsia em relação à cobrança sobre os importados é sobre a constitucionalidade da determinação de uma nova modalidade de contribuição ser feita por lei ordinária e não complementar, como previsto na Constituição. Além disso, de acordo com uma corrente de advogados, uma lei ordinária é hierarquicamente inferior à lei complementar e não teria força para revogá-la.

Dentro da questão de superioridade de leis, também entra a discussão em torno das sociedades civis. A Lei Complementar 70/91, no artigo 6º, II, que criou a contribuição, também outorgou a isenção de cobrança da Cofins para sociedades civis de prestação de serviços profissionais, relativos ao exercício de profissão regulamentada, como os escritórios de advocacia e sociedades médicas. No entanto, o artigo 1º da Lei 9.430, de 1996, revogou a determinação. A partir daí, se deu o impasse.

Com a mudança, o fisco passou a exigir a contribuição dessas sociedades, alegando que a isenção só poderia favorecer aquelas que apurem o imposto de renda de acordo com o lucro real. Uma enxurrada de demandas judiciais depois, o Superior Tribunal de Justiça baixou a Súmula 276, que consolidou o entendimento a respeito da não obrigação de as sociedades civis recolherem a Cofins. Segundo a jurisprudência, a lei complementar é hierarquicamente superior à Lei 9.340. A isenção ficaria assim confirmada.

Desde então, inúmeras sociedades conquistaram na Justiça o direito de se abster do pagamento da contribuição. Entre elas estão associações de transporte, escritórios de advocacia, empresas de serviços médicos e empresas de auditoria contábil.

O quadro que parecia definido, no entanto, ganhou novos tons com uma recente decisão do Supremo Tribunal Federal. Ao julgar uma liminar concedida pelo STJ que isentava um escritório de advocacia de pagar o tributo, a Suprema Corte acatou a alegação da Fazenda Nacional de que a determinação do Superior Tribunal de Justiça usurpou a competência do STF por se tratar de tema constitucional. A isenção está suspensa até que a reclamação final seja julgada.

A isenção também pode estar com os dias contados em razão do Novo Código Civil, que acaba com as sociedades civis. É que, a partir dele, elas devem ser convertidas em sociedades simples ou empresarias. Em função do prazo de adaptação de um ano, que venceria em janeiro de 2004 — posteriormente prorrogado para janeiro de 2005 –, muitas sociedades civis, preocupadas em se adequar à nova lei, se registraram na Junta Comercial como sociedade empresarial, correndo o risco, assim, de ter de começar a recolher a Cofins.

“Há o risco de o fisco considerar a mudança de tipo societário como uma desqualificação para aproveitamento da isenção, até mesmo para quem já possuía ações vitoriosas na justiça”, afirma o tributarista Robertson Emerenciano, do Emerenciano e Baggio Associados.

Para cima e para os lados

Outra questão polêmica em torno da contribuição é o aumento da alíquota de 3% para 7,6%. Quando foi criada, a Cofins era calculada em 2%. Em 1998, a Lei 9.718 determinou que a alíquota deveria ser de 3%, porcentagem que pulou para 7,6% com a edição da Medida Provisória 135/03, convertida na Lei 10.833, no mesmo ano.

Poucas empresas ainda pagam 2% de alíquota. Liminares deram o direito a algumas pessoas jurídicas de recolher a contribuição de acordo com a alíquota antiga, mas, segundo especialistas, esse quadro não deve durar muito. “Quase todas as decisões favoráveis aos 2% já foram revogadas e as empresas que ainda recolhem a alíquota antiga certamente perderão as ações e serão obrigadas a recolher a diferença”, diz o advogado tributarista Raul Haidar.

Segundo a determinação da Lei 10.833, o aumento da alíquota incide apenas sobre as pessoas jurídicas que calculam a contribuição baseadas no lucro real da empresa. Para as que apuram o imposto de renda baseadas sobre o lucro presumido, em geral as pequenas e médias, que têm dificuldade em apurar o lucro verdadeiro em razão da burocracia, a alíquota continua em 3%. Elas, em contrapartida, não são passíveis de crédito e não se beneficiam da não-cumulatividade determinada pela mesma lei.

Com a não-cumulatividade, passou a ser admitida a dedução da base de cálculo dos gastos que empresa venha a ter para gerar receita. Com o método antigo de cálculo, a Cofins figurava sobre cada nova operação da empresa. A mudança suscitou divergências, segundo defendem especialistas na área, por ferir o princípio da isonomia entre as empresas — com ela, foi dispensando tratamento distinto para contribuintes que se encontram na mesma situação, como é o caso de empresas que se encontram na mesma categoria econômica, mas apuram o IR por regimes distintos.

A discussão vai mais longe: em vez de beneficiar, a não-cumulatividade pode acabar sendo mais onerosa para as empresas. Isso porque a lei limita os créditos obtidos. Determinados serviços terceirizados, como plano de saúde dos funcionários, por exemplo, não entram no novo sistema. Segundo a determinação, a pessoa jurídica só consegue garantir os créditos de insumos relacionados à mercadoria produzida, o que leva diversas empresas a requerer na Justiça a volta do sistema antigo.

Há ainda a controvérsia sobre o aumento da base de cálculo instituído com a Lei 9.718/98. Antes da nova determinação, a Cofins era cobrada conforme o conceito de faturamento da empresa — receita bruta das vendas de mercadorias e serviços de qualquer natureza. Depois da lei, a contribuição passou a ser cobrada de acordo com a totalidade das receitas auferidas pela pessoa jurídica, sendo irrelevante o tipo de atividade por ela exercida e a classificação contábil adotada para as receitas.

A mudança aumentou a base de incidência da Cofins, que passou a englobar, além das receitas de venda, todos os tipos de receitas, tais como aplicações financeiras, aluguéis e royalties. Com exceção da lei que aumentou da alíquota de 2% para 3%, nenhuma das outras mudanças foi julgada pelo Supremo Tribunal Federal. Recursos ainda podem e, certamente, serão impetrados na Justiça. Apesar dos 12 anos de história, a Cofins ainda tem fôlego para o roteiro de muitos novos capítulos.

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