Pacto de sangue

Apego de companheiros às funções desgasta o governo do PT

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9 de junho de 2004, 16h27

A frase atribuída pela imprensa ao presidente Lula de que “o barco somos nós”, ao pedir solidariedade ao ministro da Saúde, Humberto Costa, reafirma a coesão do governo em torno dos seus companheiros. A blindagem que reveste os detentores de cargos no primeiro escalão, especialmente quando se trata de acusações sobre corrupção, indica que o governo não abre mão do seu maior patrimônio: a honestidade.

A consolidação do Partido dos Trabalhadores deu-se pelo comportamento exemplar dos petistas no gerenciamento do dinheiro público. Nos governos estaduais que conquistaram, raramente, se destacaram como bons administradores; todavia, não sofreram acusações graves de desvios de recursos. Tem sido assim; não roubam e não fazem.

O breve período do governo Lula não é suficiente para avaliação precisa dos rumos que serão tomados e os ajustes que serão necessários à condução do barco que navega, ora em águas tranqüilas, ora em maremotos que, parece, afundarão a embarcação. Como dizia Ulysses Guimarães: “Navegar é preciso, viver não é preciso”. A frase do exemplar político cai como luva na situação que hoje vive o PT-governo.

Estão sobrevivendo com o “pacto de sangue” firmado entre os irmãos de fé e política. Sabem que devem ficar unidos para que possam encontrar os ventos que os impulsionarão no caminho da reeleição. Por outro lado, na situação atual, os marinheiros de primeira viagem não devem prescindir do mais elementar princípio da navegação: em mar revolto é necessário que se jogue ao mar a carga pesada, que, solta, desliza pelo convés, provocando a instabilidade do barco. Não adianta imaginar que a proximidade de terra firme indica que se chegará facilmente ao porto seguro. Os exemplos de barcos encalhados em águas rasas demonstram que aqueles que não buscam a ajuda de mestres dos mares, com seus rebocadores, acabam morrendo na praia. No momento atual, a economia estabilizada favorece a navegação, mas não assegura o momento ideal para jogar as âncoras e gozar as delícias do poder.

É sabido que Lula não remove empecilhos com facilidade e demorou muito até fazer a reforma ministerial que retirou velhos aliados dos cargos. O apego dos companheiros às funções tem desgastado o governo e empurra o presidente para as viagens internacionais. A popularidade continua em declínio, e a proximidade das eleições municipais reforça a necessidade de Lula pedir aos ministros das áreas fragilizadas que deixem seus cargos e facilitem a renovação do primeiro escalão.

Largar o osso é ato inconcebível para os que lutaram tanto para conquistar o poder, contudo, é inevitável no momento em que o poder maior é atingido. É preciso espírito público e desprendimento para deixar cargo importante, e são compreensíveis os atos de solidariedade em favor daqueles que não querem sair, mas é incompreensível que não sejam ao menos afastados temporariamente do cargo os que nomearam e mantiveram, em funções vitais, elementos que mancharam o bom nome do governo.

Não adianta querer manter o rumo da embarcação se os porões estão cheios d’água e se as investigações policiais levam de roldão funcionários públicos que deveriam ser exemplares; no entanto, mesmo fazendo parte do pacto de probidade firmado pelos petistas, agiam na fronteira do público e do privado.

A comprovação da ação criminosa com a participação de detentores dos chamados cargos de confiança não impediu o governo de criar milhares de novos cargos para serem preenchidos por profissionais estranhos ao serviço público. A instituição do concurso público para o preenchimento de vagas sempre foi luta do PT, que, no governo, resolveu nomear os seus, como se fossem Mateus. Assim não dará certo, e, no final, o presidente da OAB, Roberto Busato, terá razões de sobra para ser ouvido de forma educada e democrática, em qualquer ocasião, na cobrança de respeito à Constituição.

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