Abuso punido

Editora é condenada a indenizar por inclusão em lista negra

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8 de junho de 2004, 18h50

A Editora Folha do Povo de Mato Grosso do Sul foi condenada a indenizar um ex-funcionário em R$ 7 mil por incluí-lo numa lista de empregados que moveram ação trabalhistas contra a empresa. Segundo o juiz Amaury Rodrigues Pinto Júnior, do Tribunal Pleno do Tribunal Regional do Trabalho de Mato Grosso do Sul, “a simples inclusão do nome do acionante já basta para se reconhecer a ocorrência de dano”.

De acordo com ele, a publicidade do ato reduz a possibilidade de o empregado conseguir nova colocação no mercado de trabalho. Consta do processo que o trabalhador ajuizou reclamação trabalhista depois de ser dispensado sem justa causa, requerendo o pagamento das verbas rescisórias.

Em seguida, iniciou busca por novo emprego em várias empresas daquela cidade, sendo por muitas vezes bem recepcionado.

Porém, depois de entregar seu currículo ou prestar informações do serviço anterior teve o emprego negado, sem maiores explicações.

O reclamante tomou conhecimento, por colegas de profissão, de que teve seu nome inserido, pelo seu antigo empregador, na chamada “lista negra” — relação de 98 nomes de ex-funcionários da empresa que teriam ingressado com ações reclamatórias na Justiça do Trabalho — e que tal lista teria sido encaminhada às empresas do ramo, recomendando a não-contratação dos nominados.

Em razão da conduta, o reclamante ingressou com nova ação trabalhista, pleiteando indenização por danos morais. Alegou não conseguir obter novo trabalho, ter de passar por situação humilhante e deprimente.

Na sentença, o juiz da 2ª Vara do Trabalho de Campo Grande negou o pedido por entender ausente prova de prejuízo sofrido pelo trabalhador com a inclusão de seu nome na mencionada relação, principalmente pelo fato de o autor estar trabalhando atualmente.

Insatisfeito com a sentença, o trabalhador recorreu ao Tribunal pretendendo a reforma da decisão. Alegou que não há necessidade de comprovar o sofrimento a que foi submetido por atitude ilícita da empresa.

No entanto, o relator do recurso, juiz Marcio Vasques Thibau de Almeida, votou no sentido de manter a sentença de primeira instância. Segundo ele, mesmo tendo havido comprovação de tão grave prática por parte da empresa, esta não conseguiu alcançar seu objetivo, uma vez que o reclamante não sofreu prejuízo com a conduta empresarial — prova disso que conseguiu uma nova colocação no mercado de trabalho. O entendimento, na oportunidade, foi acompanhado pelo juiz Abdalla Jallad.

O revisor do processo, juiz Amaury Rodrigues Pinto Júnior, no entanto, suscitou divergência de entendimento. Votou pelo provimento do recurso. “A mim, parece evidente que a lesão moral, em situações dessa envergadura, deve ser presumida, bastando que se demonstre a ocorrência da conduta injusta”.

Ele observou que o fato de o empregado já haver ou não movido ação trabalhista tem sido utilizado por muitas empresas como critério admissional decisivo, devendo essa conduta ser combatida rigorosamente.

Segundo Pinto Júnior, a própria presidência do Tribunal determinou o bloqueio da consulta de processos pelo nome das parte na página da internet e nos terminais de extrato dos órgão da Justiça do Trabalho do estado depois de receber denúncias de formação de “listas negras”. Os juízes do Tribunal Pleno, Nicanor de Araújo Lima e João Marcelo Balsa Neli, acompanharam o voto do revisor, dando provimento ao recurso.

Leia a íntegra do acórdão:

PROCESSO Nº 1671/2003-002-24-00-0-RO.1

A C Ó R D Ã O

Revisor e redator

designado : Juiz AMAURY RODRIGUES PINTO JÚNIOR

Relator: Juiz MARCIO VASQUES THIBAU DE ALMEIDA

Recorrente: J. A. DE O.

Advogado: André Ruiz Salvador Mendes

Recorrida: EDITORA FOLHA DO POVO DO MATO GROSSO DO SUL LTDA.

Advogados: Aldivino Antônio de Souza Neto e outros

Origem: 2ª Vara do Trabalho de Campo Grande-MS

DANO MORAL – LISTA NEGRA – ELABORAÇÃO E DIVULGAÇÃO – PROVA DO PREJUÍZO – DESNECESSIDADE –

1.A elaboração e divulgação de “lista negra” relacionando trabalhadores que ajuizaram ação trabalhista e recomendando a não contratação dos mesmos é conduta gravíssima, que atenta contra a ordem constitucional, afronta o Poder Judiciário e desconsidera a dignidade humana.

2. Os trabalhadores relacionados na referida lista fazem jus à indenização por dano moral, ainda que tenham conseguido colocação no mercado de trabalho e não tenham provado prejuízo material.

3. “Na concepção moderna do ressarcimento por dano moral, prevalece a responsabilização do agente por força do simples fato da violação, de modo a tornar-se desnecessária a prova do prejuízo em concreto, ao contrário do que se dá quanto ao dano material.” (STJ, 4a Turma, RE 2003/0101743-2 – Rel. Ministro Cesar Asfor Rocha). 4. Decisão por maioria.


R E L A T Ó R I O

O relatório da lavra do Exmo. Juiz Marcio Vasques Thibau de Almeida

“Trata-se de Recurso Ordinário interposto por Editora Folha do Povo do Mato Grosso do Sul Ltda. em face da r. decisão proferida pelo MM. Juiz do Trabalho, Dr. Luiz Divino Ferreira (f.86-89), a qual absolveu a reclamada de reparar o autor de eventuais danos morais causados.

Insurge-se o recorrente contra a decisão proferida, apontando ser devida a indenização postulada.

Em conformidade com o disposto no art.26 do Regimento Interno deste Regional, com a redação introduzida pela Resolução Administrativa nº 54/2003, desnecessária a remessa dos presentes autos ao Ministério Público do Trabalho.

É o relatório.”

V O T O

1 – CONHECIMENTO

O conhecimento é da lavra do Exmo. Juiz Marcio Vasques Thibau de Almeida.

“Preenchidos os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.”

2 – MÉRITO

2.1 – DANOS MORAIS – “LISTA NEGRA”

O autor informou na peça de ingresso que após ser dispensado sem justa causa pela ré, ajuizou ação trabalhista vindicando o pagamento das parcelas rescisórias e passou a procurar emprego “[…] em todas as empresas desta cidade, na qual possui amplo conhecimento pessoal e profissional, sempre sendo muito bem recepcionado, porém, após deixar ‘curriculum vitae’ ou mesmo prestar informações do serviço anterior, ao retornar para firmar contrato de trabalho na maioria das vezes praticamente ajustado com os empregadores, simplesmente tem o emprego negado” (f. 03).

Alegou, ainda, que recentemente tomou ciência da existência de uma lista com os nomes de vários trabalhadores que prestaram serviços à ré e posteriormente ingressaram com ação na Justiça do Trabalho, a qual foi remetida a várias empresas locais com a sugestão de não-contratação.

Aduziu, por fim, que a atitude da empresa provocou-lhe dano moral, pois não conseguindo obter novo posto de trabalho, passou por situação humilhante e deprimente, o que ofendeu seu brio e sua honra perante ele próprio e seus familiares.

O juiz de primeiro grau indeferiu o pedido por entender ausente prova de prejuízo, mormente em razão do autor estar trabalhando atualmente.

O acionante insurge-se pretendendo a reforma da decisão, sob a alegação de que não há necessidade de comprovar o sofrimento a que foi submetido por atitude ilícita da acionada e que a divulgação foi ampla, contrariamente ao que se considerou na origem.

O recurso merece acolhida.

A existência da “lista negra” ventilada na inicial e suas sucessivas atualizações restou comprovada através dos documentos de f. 10-18, na qual consta expressamente sugestão para “não contratação dos mesmos, em hipótese alguma, inclusive como prestadores de serviços” (f. 10 e 13).

Aliás, a confecção da lista foi confirmada pela própria acionada em sua defesa, quando tentou justificar que não houve autorização dos seus diretores para essa conduta (f. 78).

Igualmente restou admitido pela ré a publicação da relação dos ex-empregados, embora tenha defendido que essa se deu de maneira restrita, pois apenas as empresas que lhe prestavam serviço é que receberam a correspondência.

Além de remeter a lista às suas prestadoras de serviço a demandada exercia efetiva pressão para que fosse cumprida sua “sugestão”, ameaçando, inclusive, de rompimento contratual, como relatou a testemunha Rinaldo José Gonçalves, inquirida no processo n. 452/2002, que tramitou perante a 1ª Vara do Trabalho de Campo Grande (f. 24).

Não há dúvida, portanto, acerca da ação dolosa praticada pela ré, pelo que vislumbro, sem nenhuma dificuldade, a presença do primeiro elemento necessário à responsabilização extracontratual.

Por outro lado, a simples inclusão do nome do autor numa lista de empregados que moveram ação trabalhista contra seu ex-empregador, com recomendação para sua não contratação é fato suficiente para caracterizar o dano moral, pois tal publicidade tem o nítido objetivo de prejudicar as pessoas relacionadas, impedindo-as de conseguir nova colocação no mercado de trabalho.

Não podemos esquecer que o fato de o empregado já haver ou não movido ação trabalhista tem sido utilizado por muitas empresas como critério admissional decisivo, tanto que a Presidência deste Eg. Regional, após denúncias de formação de “listas negras”, decidiu “Determinar o bloqueio da consulta de processos, pelo nome das partes, da página na Internet e nos terminais de extrato dos órgãos da Justiça do Trabalho da 24ª Região” (ATO GP n. 310/2001, art. 1º).

A conduta empresarial é gravíssima na medida em que atenta, indubitavelmente, contra a ordem constitucional, pois coloca em risco a realização dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil (CF, art. 3º), além de afrontar o Poder Judiciário, um dos pilares do Estado Democrático de Direito, já que a intenção indisfarçável é perseguir os empregados que buscaram a tutela jurisdicional não para efeito de mera vingança, mas para que sirva de exemplo e, assim, os demais empregados, mesmo tolhidos de seus direitos, aceitarão inerte a violação de seus direitos, pois do contrário, serão banidos do mercado de trabalho, como se tivesse cometido o mais cruel dos crimes.


A “cruzada” empreendida pela ré contra seus ex-empregados afronta, também, a dignidade da pessoa humana, pois retira dos trabalhadores a possibilidade de obterem seu sustento com seu próprio trabalho, submetendo-lhe a perversa humilhação de depender de familiares e amigos para sobreviver, quando não da mendicância.

O fato do trabalhador relacionado na “lista negra” já ter conseguido nova colocação no mercado de trabalho não afasta o seu direito à indenização por dano moral, o qual se concretiza pela simples ação ilícita do agente, sendo de se destacar que a jurisprudência, inclusive do STJ, vem se consolidando no sentido de que apenas a indenização do dano material exige a prova do prejuízo.

Veja-se as seguintes ementas:

DIREITO CIVIL. DANO MORAL. REGISTRO INDEVIDO EM CADASTRO DE INADIMPLENTES. A jurisprudência desta Corte está consolidada no sentido de que, na concepção moderna do ressarcimento por dano moral, prevalece a responsabilização do agente por força do simples fato da violação, de modo a tornar-se desnecessária a prova do prejuízo em concreto, ao contrário do que se dá quanto ao dano material. O valor arbitrado a título de danos morais, contudo, revela-se exagerado e desproporcional às peculiaridades da espécie. Recurso parcialmente conhecido e, nessa parte, provido. (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. 4. Turma. Ementa. Recurso Especial n. 2003/0101743-2. Relator: Ministro Cesar Asfor Rocha. DJU, 15.dezembro. 2003)

CIVIL E PROCESSUAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. DANO MORAL. CONTA CANCELADA PELO CORRENTISTA. CHEQUES EMITIDOS POSTERIORMENTE POR TERCEIRO. INSCRIÇÃO NO SERASA. PROVA DO PREJUÍZO. DESNECESSIDADE. CC, ART. 159. ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA. COMPATIBILIDADE DO VALOR DA INDENIZAÇÃO À LESÃO. I. A indevida inscrição no SPC gera direito à indenização por dano moral, independentemente da prova objetiva do abalo à honra e à reputação sofrida pelo autor, que se permite, na hipótese, presumir, gerando direito a ressarcimento que deve, de outro lado, ser fixado sem excessos, evitando-se enriquecimento sem causa da parte atingida pelo ato ilícito. II. Recurso especial conhecido em parte e parcialmente provido. (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. 4. Turma. Ementa. Recurso Especial n. 2002/0117898-0. Relator: Ministro Aldir Passarinho Junior. DJU, 31.março. 2003)

É importante destacar, por fim, existirem precedentes desta Casa no mesmo sentido (RO n. 559-2003-003-24-09, Relator Ricardo Geraldo Monteiro Zandona; RO 0452-2002-001-24-07, Relatora Dalma Diamante Gouveia).

Dessarte, arbitro em R$ 7.000,00 o valor da indenização, sopesados as circunstâncias seguintes: a) conduta dolosa do agente, pois teve ele indisfarsável propósito de causar prejuízo, impedindo que o autor conseguisse novo posto de trabalho; b) o dano de elevada gravidade, pois colocou-se em risco a subsistência do trabalhador; c) repercussão permanente da lesão, pois aqueles que tiveram acesso à lista provavelmente negarão emprego ao autor, além da possibilidade de repasse da informação; d) caráter pedagógico-repressor da medida.

Provejo o recurso.

POSTO ISSO

ACORDAM os Juízes do Egrégio Tribunal Regional do Trabalho da Vigésima Quarta Região, por unanimidade, aprovar o relatório e conhecer do recurso; no mérito, por maioria, dar-lhe provimento, nos termos do voto do Juiz Amaury Rodrigues Pinto Júnior (revisor), vencidos os Juízes Marcio Vasques Thibau de Almeida(relator) e Abdalla Jallad. Redigirá o acórdão o Juiz revisor. Por motivo justificado, esteve ausente o Juiz João de Deus Gomes de Souza (Presidente).

Campo Grande, 12 de maio de 2004.

AMAURY RODRIGUES PINTO JÚNIOR

Juiz Redator Designado

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