Balanço geral

Espera-se que ao MP não se destinem somente as abóboras

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7 de junho de 2004, 13h46

Vem do Rio Grande do Sul a notícia de processo penal sobre um furto de abóboras, avaliadas em quinze reais. Lá, o Poder Judiciário disse tratar-se de fato insignificante para ocupar a acusação organizada do estado. Do Tocantins vem notícia parecida. Ali, deu-se prisão em flagrante de furtador de duas melancias. O juiz da causa, inspirado nos mesmos argumentos, colocou na rua o “culpado”, sustentando ser desnecessária a fundamentação de sua decisão. A insignificância, o menor potencial ofensivo ou mesmo a intervenção mínima do estado no direito penal são invocados para afastar o Ministério Público de atividades tidas por muito simples, sem relevância social.

Compartilham do mesmo entendimento muitos promotores de Justiça e procuradores da República que, em contrapartida, pretendem atuar com rigor no combate à criminalidade organizada, seja ela praticada por facções de marginais armados (PCC, Comando Vermelho etc.), seja por engravatados de colarinhos brancos, que dilapidam o patrimônio público e atemorizam a população brasileira. Enquanto assim se pensa a Instituição, buscando descobrir seu papel adequado, se de grandes ou pequenas persecuções penais, ganha grandes proporções inusitado debate: seriam válidas as investigações independentes produzidas por promotores de Justiça e procuradores da República?

Muitos já escrevem que não. Entre eles, grandes juristas, inclusive, até o momento, os ministros Nelson Jobim e Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal. Os argumentos mais comuns são os de que não há isenção, responsabilidade nem capacidade dos membros do Ministério Público para produzir as investigações. Vêem, os que assim entendem, comprometimento da imparcialidade na pesquisa de fatos criminosos, quando levada a cabo só por promotores. Para eles, a polícia é que deve cuidar dos tais enfrentamentos. Estaria melhor aparelhada, seria mais capacitada e nela não se vislumbraria comprometimento algum que pudesse atrapalhar o resultado da investigação, qualquer que fosse o investigado (um grande empresário, um político influente ou mesmo um policial).

É simples a lógica dos juristas: sustentam o que a Constituição não prevê em absoluto (monopólio das investigações à polícia). Apontam suspeição e inconveniência no trabalho investigativo do Ministério Público. Concluem, portanto, pela excelência da polícia brasileira, que, então, não necessitaria de auxílio, já que vem combatendo a criminalidade, em todas as suas esferas, com isenção e competência.

Se a Constituição não proíbe expressa ou implicitamente atos de investigação praticados por promotores, a discussão, infelizmente, não é jurídica. É política. Tem pertinência com dois lobbies notórios: um da própria polícia e outro dos engravatados que temem o fim de centenária história de impunidade. Como é notório, cada vez, com mais freqüência, as investigações conduzidas pelo Ministério Público vêm desmontando o crime organizado, possibilitando a punição de corruptos, repatriando dinheiro público, combatendo máfias, desbaratando quadrilhas de adulteração de combustíveis e viabilizando ações antipirataria, entre outros exemplos. E se assim é, os juristas da mordaça e das algemas do Ministério Público prestam desserviço sem medidas à população brasileira.

A verdade é que a investigação produzida pelo Ministério Público é cada vez mais necessária. O paradoxo do debate está justamente nesse fato. Quando ela mais se impõe e se mostra eficaz, mais se tenta coibi-la. O Ministério Público tem fincado sua atuação além do braço da polícia, inclusive porque promotores e procuradores têm, no exercício de suas funções, garantias que o aparato policial ainda não encontrou na sua organização. Agem de forma isenta e, no conjunto de erros e acertos, têm obtido resultados altamente positivos.

Desde as antigas Ordenações Filipinas, no Brasil Colônia, atos de investigação são deferidos a todos. Sem privilégios, sem monopólio. É assim até hoje. Cabem ao delegado, ao policial militar, ao Ministério Público, e, inclusive, ao particular (são o ofendido e o seu advogado os responsáveis pela coleta de provas necessárias a instruir uma queixa-crime, por exemplo). Nada desautoriza a investigação produzida por Promotores que, ao contrário do que dizem, não pretendem presidir inquérito policial, nem investir-se de poderes inerentes à polícia judiciária. Muito pelo contrário. Pretendem apenas investigar, quando necessário, para propor a ação penal pública com eficiência. O resultado da apuração, este sim, debaixo do crivo do contraditório e da ampla defesa, será sempre submetido ao Poder Judiciário, que dirá sobre sua validade, afirmará sua pertinência e punirá os eventuais excessos.

Daí o absurdo da tese – que hoje se aproxima de julgamento em plenário do Supremo Tribunal Federal – o de tentar desqualificar o trabalho de promotores de Justiça e procuradores da República. Não temos a melhor polícia. É certo que não a temos. Todos sabem disso, inclusive os juristas que pretendem garantir a ela o monopólio da investigação. Basta lembrar episódio recente, a prisão de um conhecido contrabandista, onde, para garantir o sucesso de operação, a polícia federal precisou ocultá-la de parcela de seus próprios quadros. É impossível afirmar que exista hoje no Brasil uma única instituição dotada de pleno aparelhamento para desenvolver investigações com exclusividade e absoluto sucesso. Nada justifica a exclusividade (nem mesmo o artigo 144 da Constituição da República). Há criminosos para todos. Devem ser perseguidos na forma da lei por ações conjuntas ou isoladas de todos os organismos estatais. É necessária a reflexão

A palavra, agora, está com os demais ministros da Suprema Corte Brasileira. É nas mãos deles que foi depositada a esperança nacional da efetividade no combate ao crime organizado. É também deles o ônus social de prejudicar, e muito, a própria população, ao tentar barrar as investigações independentes do Ministério Público. Se o fizerem, abrirão as portas do cárcere nacional para dele ver sair, vitoriosa, a casta, a pequena parcela da elite brasileira lá colocada por força dos trabalhos investigativos de promotores e procuradores. Ou então, afastarão, definitivamente do cárcere nacional a mesma elite que ainda não encontrou, não por falta de merecimento, o mesmo caminho. Espera-se que ao Ministério Público não se destinem somente as abóboras.

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