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Ministro do STF discute liberdade de expressão em São Paulo

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3 de junho de 2004, 12h49

A atuação da imprensa na divulgação de informações relacionadas ao setor e à administração pública é essencial para o fortalecimento do Estado Democrático de Direito brasileiro. Possibilita que a população acompanhe a vida pública de seus dirigentes. É essencial, no entanto, que o jornalista tenha o mínimo de cautela ao divulgar a notícia, em especial, as que envolvem a imagem de uma pessoa.

A opinião é do ministro do Supremo Tribunal Federal, Marco Aurélio Mello, que participou da palestra “Liberdade de expressão e informação e direito de imagem sob o ângulo constitucional”, na Academia Paulista de Magistrados, da qual também participaram os desembargadores Carlos Renato de Azevedo Ferreira e Silvio Capanema de Souza.

Depois de discorrer sobre a evolução da liberdade de imprensa ao longo dos anos, o ministro concluiu que “o jornalista deve cultivar, acima de tudo, honestidade de propósito. É escusável o erro, mas não é escusável o dolo. O dolo merece glosa, sempre consentânea com o princípio da proporcionalidade, com o princípio da razoabilidade”.

Segundo Marco Aurélio, “somente assim teremos no Brasil dias melhores, a partir de informações isentas, acauteladas, de uma informação limpa, de uma informação expungida do desnecessário sensacionalismo. A notícia, tanto quanto possível, deve ser, antes de publicada, conferida, surgindo correta e honesta. Há de se preservar, e isso é responsabilidade de todos, especialmente daqueles que atuam no Judiciário, a liberdade de expressão, sem cerceio, ganhando a sociedade pluralista, a sociedade que realmente reflita o Estado Democrático de Direito vivido”.

Leia íntegra da conferência do ministro

ACADEMIA PAULISTA DE MAGISTRADOS

13/03/2004

Tema: “Liberdade de expressão e informação e direito de imagem sob o ângulo constitucional”.

Presidente da Mesa: desembargador Carlos Renato de Azevedo Ferreira

Conferencista: ministro Marco Aurélio

Debatedor: desembargador Silvio Capanema de Souza

Ministro Marco Aurélio

O Carlos Renato, nosso colega e Presidente da Academia Paulista de Magistrados, sempre nos surpreendendo e nos contemplando com uma dose maior de sentimento. Reafirmo o que já disse em outras solenidades: demonstrações como essa só servem a confirmar que a Justiça é obra do homem, que a Justiça é implementada a partir, especialmente, da formação humanística daquele que atua como Estado-Juiz.

Sinto-me sempre muito honrado, muito gratificado, quando participo de eventos culturais na companhia do meu fraternal amigo e Presidente, já que tenho a honra de ser acadêmico honoris causa, Carlos Renato.

E vejam que nos reunimos para mais uma realização, capitaneada pela Academia Paulista de Magistrados, coroando-se, em verdadeira repetição, uma administração profícua, que é a administração do nosso colega Carlos Renato.

Permita-me a Mesa, permitam-me os colegas, Silvio Capanema e Carlos Renato, fazer uma saudação concentrada, direcionada, mesmo porque tivemos há pouco o Dia da Mulher, à Simone Nunes, que, de forma proficiente, com dedicação, dirige o setor jurídico das Organizações Globo.

Temos a hora já adiantada, por isso, procurarei ser disciplinado na veiculação de algumas idéias sobre esse palpitante tema – liberdade de expressão e de informação -, mostrando que a balança da vida tem dois pratos, no que se contrapõe o direito à imagem.

A História não pode ser desprezada. Serve à prática de atos futuros, muito embora tenha-se até mesmo um livro sobre a denominada marcha da insensatez, no que os homens colocam em plano secundário, por vezes, os acontecimentos passados, repetindo os erros.

Em relação à liberdade de imprensa, o que podemos vislumbrar como marco essencial? Um ato, em 1695, que implicou o afastamento da censura. Formalizado na Inglaterra, foi sucedido por outros. O artigo 14 da Declaração de Direitos de Virgínia, de 1776, por exemplo, é de conteúdo realmente salutar.

Eis o teor da proclamação ocorrida:

“A liberdade de imprensa é um dos grandes baluartes da liberdade” – considerada em seu sentido maior – “e não pode ser restringida jamais, a não ser por governos despóticos”.

Sob o ângulo das Constituições, a Americana, de 1787, Emenda Constitucional nº 1, na redação primitiva, merece destaque:

O Congresso não legislará no sentido de estabelecer uma religião ou proibindo o livre exercício dos cultos ou cerceando-lhe ou cerceando a liberdade de palavra ou de imprensa ou o direito do povo de se reunir pacificamente e dirigir ao governo petições para reparação de seus agravos.

Dois anos após, em 1789, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, gerada no bojo da Revolução Francesa, veio a dispor:


A livre manifestação do pensamento e das opiniões é um dos direitos mais preciosos. Todo cidadão pode, portanto, falar, escrever e imprimir livremente, à exceção do abuso dessa liberdade, pela qual deverá responder nos casos determinados por lei (artigo 11).

Com o pós-guerra, em 1948, fomos contemplados com a Declaração Universal dos Direitos Humanos:

Toda pessoa tem a liberdade de opinião e expressão. Este direito inclui a liberdade de, sem interferências, ter opiniões e de procurar receber e transmitir informações e idéias por quaisquer meios, independentemente de fronteiras (artigo 19).

Convênio europeu para a proteção dos direitos humanos e das liberdades fundamentais ressaltou premissas básicas: a liberdade de expressão, o direito de receber e transmitir informações, o afastamento da ingerência de autoridades públicas, a responsabilidade na divulgação das informações. Sim, é preciso buscar a veiculação de notícias fidedignas. O respeito a esses valores é indispensável a que se possa cogitar de um Estado Democrático de Direito, observando-se – porque de outro modo não chegaremos a esse estágio – esses valores maiores no que visam a proteger não o veículo de comunicação, mas a própria sociedade.

Em um passado mais recente, em sintonia com o Pacto de São José da Costa Rica, a Convenção Americana dos Direitos Humanos – a revelar que toda pessoa é detentora do direito à liberdade de pensamento e de expressão, sendo que esse direito compreende a liberdade de buscar, receber e difundir informações, idéias de toda índole, sem consideração de fronteiras –, deu-se, no Brasil, o reconhecimento, em plena era de um regime de exceção, do valor da imprensa.

Refiro-me à distensão promovida em 1974 pelo Governo Geisel. Percebeu-se que o êxito dessa distensão, o êxito da flexibilização para, passo a passo, deixar-se o regime de exceção e implementar-se o democrático, dependia da liberalização da imprensa, acabando-se com o monopólio militar sobre os meios de comunicação, ou seja, com a glosa prévia que ocorria a partir da atuação fiscalizadora dos próprios militares.

O método mostrou-se gradual e desigual. Por que desigual? Porque a flexibilização não se fez de forma linear. Aconteceu considerados certos veículos que mereciam, num conceito de subjetividade maior, a confiança do governo existente. Partiu-se para o abandono da censura prévia, para o abandono da censura externa, adotando-se a autocensura pelo próprio jornal. Evidentemente, o receio de um retrocesso levou, de certa forma, à mitigação das notícias a serem veiculadas.

Qual foi o objetivo maior dessa flexibilização? Foi buscar o apoio da sociedade para as idéias reinantes, para a progressão, no tocante ao regime, e, obviamente, esse apoio não prescindia do papel da imprensa, ao bem informar a todos sobre as forças em jogo, sobre ópticas que estariam a conflitar com o ideal de ter-se, num futuro próximo, um Estado Democrático de Direito. Continuamos, é certo, com alguns diplomas que estariam a estampar medidas coercitivas, medidas inibidoras quanto ao funcionamento dos veículos de comunicação – a Constituição Federal decorrente da Emenda nº 1, a Constituição de 1969, o AI-5, a Lei de Segurança Nacional, a Portaria 11-B, que versava sobre a censura prévia, e a própria Lei de Imprensa.

São oportunas as palavras de Alberto Dines, na “Folha de São Paulo”, sobre essa mudança. Registrou o consagrado, o exemplar jornalista: “a relativa liberdade de imprensa que hoje gozamos é o grande feito da distensão, e talvez o grande suporte político do atual governo. Não fosse a capacidade dos jornais de denunciar impressões e movimentos de setores intransigentes, pertencentes esses setores à esfera oficial, sua ação seria fatal”. Disse, então, que, expostos, esses segmentos se policiavam e deixavam de atuar de forma contrária aos ares vivenciados.

Conhecemos o episódio da disputa para chegar-se à chefia do Poder Executivo Federal em 1974. De um lado, engajado na política de distensão em curso, o Presidente Figueiredo, do outro, tendendo ao endurecimento e fortalecimento desse mesmo regime de exceção, o Ministro do Exército, general Silvio Frota.

Graças ao apoio da imprensa, pôde o Governo afastá-lo, e fazê-lo numa coordenação política considerados os comandos do Exército. O general Belfort Bethlem, ao assumir o Ministério do Exército, fez discurso em que revelou simpatia pela imprensa, pela imprensa livre, e disse que a liberdade de atuação da imprensa se mostrava indispensável à redemocratização do País, cogitando, evidentemente, de uma marcha com certos cuidados e defendendo, acima de tudo, aspectos ligados à seara dos direitos humanos.

Em 1988, veio à balha uma Constituição popular, não outorgada, elaborada pelos representantes do povo, os deputados federais, e pelos representantes dos Estados, os senadores.


O que podemos perceber nessa Constituição? Em primeiro lugar, que se lançou, deixando-se de lado o que era uma praxe, um preâmbulo, ressaltando valores muito caros a uma sociedade que realmente se diga, e mais do que se diga, seja uma sociedade democrática.

Parou aí a Carta que Ulisses Guimarães apontou como democrática, como cidadã? Não. Pela primeira vez em nosso sistema constitucional, garantias foram versadas, direitos sociais dos trabalhadores urbanos e rurais foram estampados, antes do trato da estrutura em si do próprio Estado.

Essa situação topográfica de localização está em sintonia com os contornos da Constituição de 1988, lastimavelmente muito pouco amada e constantemente alterada ao sabor da política governamental em curso.

Apenas para descontrair o auditório, vou contar um episódio que compõe o nosso folclore e digo-lhes não acreditar, ou melhor, luto para não acreditar que isso realmente tenha ocorrido: certo cidadão entrou em uma livraria na tentativa de adquirir a Carta Maior da República, a nossa Lei Básica, e foi informado pelo rapaz que estava no balcão que aquela livraria não trabalhava com periódicos!

Sim, nossa Constituição data de 1988 e até hoje não houve vontade político-legislativa para regulamentá-la em toda a extensão. Ela não foi ainda praticada. Essa Carta, por mim amada e defendida, não foi experimentada como deveria ter sido, ou seja, em toda sua extensão.

O que temos na Constituição de 1988? Temos o reconhecimento da valia da História, dos precedentes notados na caminhada da humanidade. Verificamos que dispõe ser livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença, especialmente de censura por parte daqueles que estão na última trincheira do cidadão, que são os juízes. É incompreensível que se adentre com êxito o Judiciário para proibir-se a publicação desta ou daquela matéria. Ao Estado-Juiz cumpre, isto sim, assegurar a liberdade de expressão e não limitá-la. Fazendo-o no campo da liminar, potencializa argumentos isolados e momentâneos em detrimento do valor maior assegurado constitucionalmente. Uma coisa é a glosa de ato violador da vida privada, atuando a imprensa de forma irresponsável, temerária. Algo diverso é ter-se, mediante pronunciamento do Judiciário, a censura prévia, obstaculizando-se a veiculação da matéria. Esse cerceio à arte de comunicar discrepa, a mais não poder, da Constituição, sendo estranho à vida democrática.

É garantido a todos o acesso à informação, resguardado o sigilo da fonte quando inerente ao exercício profissional. De maneira específica, ressaltada, vem-nos do artigo 220 da Constituição Federal a revelação de que a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo, não podem sofrer qualquer restrição.

O exemplo transmitido pela experiência americana, pelo texto da Emenda nº 1, foi agasalhado pelo nosso constituinte, dito originário – e tenho cá as minhas dúvidas sobre esse enquadramento – de 1988. E aí, pedagogicamente, informativamente, considerada a atividade a ser desenvolvida pelo legislador comum, fez-se inserir, no § 1º desse mesmo artigo 220, princípio básico – o de que nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no artigo 5º, incisos IV, V, X, XIII, XIV, da Carta da República.

Prevê o § 2º, numa quase redundância, considerado o sistema da Carta, que é vedada toda e qualquer censura política, ideológica e artística. Vale dizer, a censura administrativa ou judicial foi excomungada.

Eis aqui uma norma-princípio a informar o legislador, a nortear a tarefa do intérprete, gerando direito básico político e subjetivo do cidadão, que é de ser informado, assegurado, obviamente, o de informar.

Disse, no início de minha fala, que o arcabouço normativo constitucional não existe para propiciar o êxito deste ou daquele jornal, deste ou daquele veículo de comunicação. O bem maior protegido por essas normas a que me referi é a própria sociedade, devendo, é claro, buscar-se, porque existe um sistema, a posição de equilíbrio.

Constatamos que é fundamento da República a preservação da dignidade da pessoa humana, muito embora não tenhamos ainda o país que desejamos, o país justo em se tratando de distribuição de renda, de igualdade de oportunidades. A distribuição hoje existente envergonha-nos a todos.

No rol das garantias constitucionais, é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além de indenização por dano material, moral ou à imagem. Sobreleva a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem, por vezes tão maltratada, das pessoas, sendo resguardado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente da violação.


Tem-se o conflito de preceitos constitucionais? A resposta é desenganadamente negativa. Não há o conflito e também inexistem, na Carta da República, normas hierarquizadas, normas de gradação A, de gradação B, de gradação C, normas que se sobreponham a outras.

Impõe-se caminhar sempre, diante de um conflito aparente de regras constitucionais, para a seara interpretativa, alcançando-lhes a conciliação. A interpretação é, como se costuma proclamar, um ato de vontade. Daí os métodos interpretativos voltados a fixar-se o objetivo da norma, e aqui me refiro a normas em geral, surgindo nessa fixação predicados inafastáveis: a proporcionalidade e a razoabilidade da conclusão a que se chegue.

O conflito é simplesmente aparente, tendo-se, de um lado, o direito público, o direito coletivo, o direito da sociedade de ser bem informada e, de outro, o direito individual, o direito, em si, à preservação da própria imagem.

O arcabouço normativo ordinário não revela qualquer texto que indique como resolver esse aparente conflito. Torna-se imperioso considerar os valores em jogo. E se, de um lado, tem-se o aspecto coletivo e, de outro, o individual, um interesse isolado e momentâneo, não é dado homenagear este último em detrimento do primeiro. A primazia está voltada ao interesse coletivo.

Certa vez, esteve em um curso projeto objetivando substituir a Lei de Imprensa, que data de uma época em que o regime não era o regime democrático, era o de exceção. Nesse projeto, em que funcionou como relator um grande jurista, Josaphat Marinho, o saudoso mestre Josaphat Marinho, havia texto elucidador a revelar que, no caso de conflito entre a liberdade de informação e os direitos de personalidade, entre eles os relativos à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem, a solução ocorreria mediante a preservação do interesse público, visado pela informação. Nada mais consentâneo com o nosso sistema constitucional, com o Estado Democrático de Direito, com os ares republicanos.

Se pararmos para perceber, vamos ver que, em relação à liberdade de informar, à liberdade de pensamento, à liberdade de veicular idéias, não há qualquer peia, não existe previsão que revele, diante de um cerceio, uma compensação. Ao contrário, os textos são categóricos, afastando a possibilidade de vir ao mundo jurídico qualquer dispositivo que implique limitação, implique um cerceio ao dever, já não me refiro direito, de bem informar.

O que isso significa quanto à intangibilidade da imagem da pessoa? O que se tem no rol das garantias constitucionais quando se impõe a intangibilidade da imagem? Há a previsão da verba indenizatória, calcada na responsabilidade civil e penal, em decorrência da infração cometida.

Essa previsão revela, a mais não poder, a possibilidade de ocorrer, na veiculação de idéias, um desvio de conduta, uma exacerbação, o lançamento de uma inverdade, a distorção, ao sabor até de uma paixão humana, seja de terceiro ao informar, seja do próprio jornalista responsável pela publicação. Para essa hipótese, há medidas que não devem ser potencializadas a ponto de se inibir a atividade jornalística. Surge a responsabilidade, como eu disse, cível, penal, afastada, é claro, indenização que possa até mesmo inviabilizar a continuidade da atividade desenvolvida.

Quando se almeja, no campo cível, responsabilizar este ou aquele jornalista, este ou aquele jornal, não se deve ter em mira algo que ganhe sabor lotérico com relação à verba indenizatória, mesmo porque não creio que se possa sopesar, com absoluta segurança, o dano à imagem da pessoa. Não se tem como medir de forma matemática o dano causado à imagem alheia, devendo prevalecer arbitramento que leve em conta o bom senso.

No campo da atividade pública, note-se que o agente fica em uma vitrine, mostra-se um verdadeiro livro aberto. Por isso, é preciso caminhar para distribuição do ônus da prova diversa da que ocorre em relação a um cidadão anônimo.

Vejo com muita simpatia precedente americano de 1964, New York Times X Sullivan. Nele, estabeleceu-se a distribuição do ônus da prova, quanto ao dano e quanto à obrigação de indenizar, observada a dualidade, cidadão comum e servidor público. Preconizou-se que, em se tratando de homem público, não basta que se comprove o dano causado pelo que estampado em certo jornal ou em certo periódico. É necessário demonstrar, como fato constitutivo do direito à verba indenizatória, que o veículo de comunicação sabia que a notícia não correspondia à verdade, e mesmo assim, publicou-a. Relativamente aos particulares, não. Nesse caso, contentamo-nos, sob o ângulo do fato constitutivo do direito pleiteado na inicial da ação, com a revelação do dano causado à imagem da pessoa.

Conclusão a que chegamos: diante de um conflito entre o interesse individual e o interesse coletivo, devemos encampar o interesse coletivo, realizando-o na plenitude maior e sem pensar, levando em conta os textos emblemáticos a que me referi, em censura prévia.


Deixemos acontecer, e isso é salutar, para, em passo seguinte, se for o caso, estabelecer-se a responsabilidade e buscar-se a assunção dessa mesma responsabilidade. Isso não quer dizer que a notícia possa ser veiculada de maneira irresponsável. O profissional deve procurar a verdade dos fatos. Contando com a informação privilegiada de certa fonte, precisa contatar o envolvido no episódio para, ouvindo-o, sopesar a procedência, ou não, do que é assacado.

A notícia não pode ocorrer sob o norte das paixões condenáveis. Defendo a veiculação de idéias de uma forma alargada, mas devo também revelar alguns limites, indispensáveis a uma boa atuação jornalística. Não cabe ao jornalista criar, distorcer, deturpar, partir para o campo sensacionalista, visando apenas ao êxito na concorrência mercantil com outros jornais. Quando invade essa área, a área das paixões condenáveis, presta não um serviço, mas um desserviço à sociedade. Por isso, o profissional deve ser ético, procurando bem servir, mantendo, acima de tudo, uma atitude de probidade, não olvidando que a caminhada é única, e não se tem, nessa caminhada, espaço para arrependimento.

Deve o jornalista, e não estou aqui adentrando a questão do diploma, ter conhecimento técnico relativamente ao tema a ser tratado. Cumpre atuar com independência, já que a subordinação técnica não é sequer indispensável à configuração do vínculo empregatício, bastando a subordinação jurídica. O setorista que cobre certa área precisa ser respeitado pelo editor-chefe do veículo de comunicação, abandonando-se a tentação de se “esquentar” a matéria.

Quando ainda se discutia o encaminhamento ao Congresso de Proposta de Emenda à Constituição – PEC, visando a alterar o sistema previdenciário, em entrevista a um fiel jornalista, Fausto Macedo, distingui o poder constituinte originário – que tudo pode, até mesmo virar a mesa, desconhecendo o direito adquirido, situações jurídicas em curso – do poder constituinte derivado. Então, perguntou-me Fausto Macedo: “Ministro, quando é que se tem um e outro?”. Disse, de uma forma bem clara, acessível ao leigo, que se tem o poder constituinte, por exemplo, quando surge um novo país, mediante desmembramento de uma fatia territorial, ou quando se verifica uma revolução, – e aí não há a força do Direito, mas a força das armas -, e o derivado, quando há a seqüência natural da vida gregária.

Pois bem, esse jornalista, que tem o costume de fazer as entrevistas com um gravador, retratou, no corpo da matéria, o que por mim declarado. A minha surpresa ocorreu no dia seguinte, ao deparar com o título da matéria como se estivesse a preconizar uma revolução para ter-se a reforma da previdência social. E não foi a denominada imprensa marrom que assim procedeu. Foi um dos maiores jornais do Estado de São Paulo, havendo aí uma coincidência no tocante à nomenclatura. Não estou aqui a revelar qual foi o jornal…

A imprensa tem um papel institucional a desempenhar, que deve se fazer voltado à preservação da liberdade, respeitando-se divergências, observando-se a tolerância – tão maltratada nos dias atuais -, afastado por completo o ataque pessoal, o ataque direcionado a denegrir a imagem daqueles que se coloquem, até mesmo, numa disputa eleitoral.

Em 1993, tivemos palavras muito apropriadas, na época e ainda nos dias de hoje, de Joaquim Falcão, veiculadas no jornal “O Globo”, de 6 de junho.

Disse o jornalista, possuidor de formação jurídica sólida e conhecedor, portanto, de nossas instituições:

Ser o que não se é é errado. Imprensa não é Justiça. Esta relação é um remedo, um desvio institucional. Jornal não é fórum. Repórter não é juiz, nem editor é desembargador, e quando por acaso acreditam ser, transformam a dignidade da informação na arrogância da autoridade que não têm. Não raramente hoje alguns jornais, ao divulgarem a denúncia alheia, acusam sem apurar, processam sem ouvir, colocam o réu sem defesa na prisão da opinião pública. Enfim, condenam sem julgar.

Busquemos o meio termo, porque nele está a virtude. Proteja-se a liberdade de informação, coibindo-se os excessos, segundo a própria ordem jurídica.

Conclusões:

Para o fortalecimento do nosso Estado Democrático de Direito, a valia da imprensa é enorme e, em se tratando de tema relacionado ao setor público, à administração pública, a participação da imprensa confere efetividade ao princípio da eficiência, proporcionando ao cidadão o acompanhamento da vida pública dos dirigentes.

Informação é cultura, e estamos em aprimoramento constante, voltado ao fortalecimento da República. Todo e qualquer profissional – e repito aqui o que eu ouvi dos bancos da minha querida Nacional de Direito – deve possuir freios inibitórios; deve saber que na vida, na convivência, na vida gregária, existem limites que precisam ser observados.

Não estou a preconizar a busca de algo que, em seu sentido absoluto, é inalcançável – a verdade. Não estou querendo transformar jornalistas em investigadores, mas um mínimo de cautela antes de ser estampada qualquer notícia, principalmente notícia que envolva a imagem de uma pessoa, deve-se fazer presente, ouvindo-se, pelo menos, essa mesma pessoa em relação a qual se obteve uma notícia negativa. O jornalista deve cultivar, acima de tudo, honestidade de propósito. É escusável o erro, mas não é escusável o dolo. O dolo merece glosa, sempre consentânea com o princípio da proporcionalidade, com o princípio da razoabilidade. Somente assim teremos no Brasil dias melhores, a partir de informações isentas, acauteladas, de uma informação limpa, de uma informação expungida do desnecessário sensacionalismo. A notícia, tanto quanto possível, deve ser, antes de publicada, conferida, surgindo correta e honesta. Há de se preservar, e isso é responsabilidade de todos, especialmente daqueles que atuam no Judiciário, a liberdade de expressão, sem cerceio, ganhando a sociedade pluralista, a sociedade que realmente reflita o Estado Democrático de Direito vivido.

Digo-lhes que aquilo que verso no mundo acadêmico procuro realizar no mundo profissional, quando exercito essa missão sublime que é a de julgar os próprios semelhantes e os conflitos de interesse que os envolvam.

Muito obrigado a todos. Não sei se teremos, após as palavras do Silvio Capanema, a oportunidade para alguns questionamentos quanto ao tema que foi lançado neste início de tarde de um belo dia, nesse local aprazível da nossa cidade maravilhosa – Angra dos Reis, com que o sol nos brindou. Muito obrigado a todos.

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