Zona do agrião

Jornalistas esportivos disputam partida acirrada nos tribunais

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3 de junho de 2004, 17h21

Com uma língua ferina que dispara farpas incandescentes em todas as direções e provoca a ira dos desafetos com igual intensidade, o apresentador da TV Bandeirantes, Jorge Kajuru, tem 109 processos nas costas em quatro estados — Goiás, São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Em Goiás, ele tem até uma condenação definitiva por crime contra a honra.

Com base nas freqüentes notícias sobre ações judiciais contra Kajuru, a revista Consultor Jurídico resolveu pesquisar o número de processos existentes contra alguns dos mais populares jornalistas e radialistas esportivos. Foram pesquisadas as fichas de Jorge Kajuru, Milton Neves, Juca Kfouri, José Trajano e Galvão Bueno. A pesquisa abarcou processos relacionados à atividade profissional dos comunicadores, no Fórum de Pinheiros em São Paulo, no período de 25 anos.

No time de pesquisados, Juca Kfouri, apresentador de programas na TV Cultura e na Rádio CBN, já enfrentou mais de 80 ações por calúnia, injúria e difamação desde 1981. Ele é réu em processos movidos pelo técnico do Santos Vanderlei Luxemburgo, pelo ex-presidente da Federação Paulista de Futebol, Eduardo José Farah, pelo presidente da Confederação Brasileira de Futebol, Ricardo Teixeira, pelo presidente da Fifa, Joseph Blater, entre outros autores. As entidades dirigidas por seus adversários também o processam.

Kajuru tem mais de 30 ações criminais em São Paulo. Em 2003, ele foi acionado mais de 20 vezes, de acordo com os dados do Fórum de Pinheiros. Em 2004, o apresentador da TV Bandeirantes mantém a liderança: já foi processado criminalmente cinco vezes, enquanto Kfouri somou apenas mais uma ação à sua coleção. Trajano, Galvão Bueno e Milton Neves não foram acionados no mesmo período.

Kajuru é processado pelo governador de Goiás, Marconi Perillo, pelo presidente do Palmeiras, Mustafá Contursi, pelo empresário de Goiás, Jaime Câmara Júnior, e pela apresentadora da Rede TV, Luciana Gimenez, entre outros.

O apresentador da TV Bandeirantes conta em seu currículo com uma condenação definitiva em ação movida pelo governador de Goiás. Condenado a cumprir pena de 1 ano e 6 meses em regime aberto por crime contra a honra, perdeu a primariedade.

Milton Neves, da TV Record, é quem mais leva os colegas aos tribunais, entre os cinco nomes pesquisados. Seu maior rival é justamente Jorge Kajuru. Neves tem mais de 10 queixas-crime contra o colega e ainda o processa na área cível.

Neves também já entrou com ações contra os jornalistas José Trajano, da ESPN Brasil, Silvio Luiz, da Band Esportes, José Luís Datena, da Bandeirantes, e Roberto Avallone, da Rede TV. Na sua mira ainda está o presidente do Vasco, Eurico Miranda.

José Trajano, da ESPN Brasil, responde somente a ações ajuizadas por Milton Neves. O locutor da Rede Globo, Galvão Bueno, é só simpatia: não é processado por ninguém.

Bate-bola

Questionado pela revista Consultor Jurídico sobre a avalanche de processos que responde na Justiça, Kajuru afirma que “virou mania” processá-lo. Ele já acostumou receber notícias de que está sendo acionado judicialmente e fica “aborrecido” de ter de gastar dinheiro com advogados. “Pago R$ 27 mil por mês para advogados”, conta. O valor é referente aos processos ajuizados na Justiça antes de ele entrar na TV Bandeirantes. Seu contrato agora prevê assistência jurídica.

Ele disse que é acionado constantemente por causa do seu jeito crítico. Kajuru nunca processou ninguém. “Eu critico e me defendo com argumentos no espaço que tenho na imprensa”.

Perguntado sobre o fato de Milton Neves ser o recordista de processos contra os colegas, Kajuru mais uma vez não economiza palavras. “O Milton Neves é desprezível e acha que é Deus. A Justiça tem assuntos mais importantes para julgar do que analisar brigas de jornalistas”, disse.

Neves devolve a bola. “Eu não sou desprezível. Ele não é desprezível. Ninguém é desprezível. Precisamos nos respeitar porque somos formadores de opinião. Eu somente entro na Justiça em último caso”.

Kajuru também criticou autores de ações indenizatórias por danos morais. “Se eu pagar o valor [fixado na Justiça] vai resolver o problema da honra?”, questiona.

Juca Kfouri lembrou que, no seu caso, grande parte das ações que responde na Justiça é referente a uma série de acusações feitas pela revista Placar, na década de 80, sobre a “Máfia da Loteria Esportiva”. Na época, ele dirigia a publicação da Editora Abril.

“Pessoas que não aceitam críticas recorrem à Justiça na tentativa de intimidar a imprensa”, diz o apresentador da CBN. As pessoas a que Kfouri se refere são, em sua maioria, dirigentes esportivos. Os cartolas são o alvo preferencial do inconformismo do jornalista. “Os processos são um resultado da linha combativa de jornalismo que o Juca adotou”, diz José Trajano, diretor e apresentador da ESPN Brasil.

Para Trajano muitos assuntos irrelevantes que são levados aos tribunais poderiam ser resolvidos com uma boa conversa. Milton Neves rebate o argumento. “Por que ele não conversou comigo antes de falar os absurdos que falou na TV a respeito de quem ele não conhece? Por que o ranço gratuito?”, questiona. Para Neves, “ele é um ótimo jornalista — um dos melhores do país. Então para que fazer o que fez? Ganhou o quê? Ganhou uma condenação criminal por injúria”.

Para o apresentador da ESPN, “Kajuru fala muito mas sem intenção de ofender”. Segundo ele, “os mal entendidos poderiam ser resolvidos com o diálogo”. Trajano diz que, em muitos casos, a vaidade é que leva os processos em frente. “Milton Neves criou a cultura do processo”, afirma.

Por oposição à atitude de Neves, Trajano elogia o fair-play de Galvão Bueno: “Se o Galvão fosse o Milton Neves, já teria processado mais de duas mil pessoas”, compara. Motivos não faltam. Por ocupar o microfone com maior audiência do jornalismo esportivo do país, Bueno está sempre na berlinda. Na Internet é alvo de inúmeros sites “eu odeio Galvão Bueno”.

Os conflitos de Milton Neves com seus colegas de profissão são resultado de visões diferentes sobre o ofício que exercem. Para boa parte dos colegas, Neves confunde a função de comunicador com a de vendedor e transforma seus programas em um bazar em que todo merchandising é permitido. Neves se defende: “Jornalista não pode fazer propaganda? Onde está escrito isso? Tem lei? Qual o número dela?”

E acrescenta: “Sou só um apresentador e não o manda-chuva da Record, Jovem Pan e do merchandising. Não existe ‘TV Milton Neves’ ou ‘Rádio Milton Neves’. Sou só funcionário da Record e Jovem Pan com direitos e obrigações como qualquer outro e, comercial e publicitariamente. E eu não tenho nenhum poder de veto ou de imposição de qualquer anunciante. Apenas divulgo – como outros apresentadores das emissoras – os produtos de anunciantes cujos espaços foram adquiridos ou comercializados no mercado pelos departamentos comerciais dos referidos veículos”.

Perguntado sobre o fato de ser o recordista em acionar os colegas, o apresentador da TV Record responde: “Problema deles, não meu. Mas isso não é motivo de orgulho. Não pode ser. E há quem sustente que eu gosto de processar por vaidade. Pode?”

Ele enumerou as dificuldades para acionar os colegas na Justiça por injúria, calúnia e difamação: manter empresa de gravação atenta, pagar por isso, pagar advogados caros e agüentar horas intermináveis de audiências em vários Fóruns. “Dentre meus defeitos não está o de ser masoquista. Processo é um saco. Para todo mundo. Mas um preço ínfimo perto do preço da honra”, afirmou. O apresentador da Record fez questão de ressaltar que ele próprio paga seus advogados e não “choraminga pelo departamento jurídico da empresa” onde trabalha.

Ele questiona: “Por que caluniam tanto?”. E responde: “Além de inveja, há má informação. Sofrem muito mais pelo imaginário do que pelo real”. Milton Neves faz ainda outros questionamentos: “Adianta dar um tiro na cara do xinguista — que é a mistura de xingador com jornalista –, e matá-lo? Isso não pioraria ainda mais a situação?”. Felizmente prefere a via dos tribunais, embora contribua para atravancar ainda mais a Justiça com picuinhas.

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