Reforma agrária

Falhas na notificação impedem a expropriação de fazendas em MG

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2 de junho de 2004, 16h46

As fazendas Boa Sorte, em Aimorés, Minas Gerais, não devem ser expropriada para fins de reforma agrária. A decisão é do Supremo Tribunal Federal, que anulou nesta quarta-feira (2/6) dois decretos expropriatórios por falta de notificação prévia para a vistoria das terras.

A decisão unânime deferiu dois mandados de segurança nos termos do voto do ministro Cezar Peluso. No primeiro, ficou reconhecido que os proprietários foram notificados pelo Incra apenas na data da vistoria. Antes disso, foi encaminhado um ofício sem mencionar data para início da diligência.

No segundo mandado, o relator ressaltou que a notificação foi expedida por meio de “um telegrama fonado, que foi recebido por uma senhora” sem parentesco com os proprietários e que não é representante legal deles.

Leia os mandados de segurança

MANDADO DE SEGURANÇA 24.417-8 DISTRITO FEDERAL

RELATOR : MIN. CEZAR PELUSO

IMPETRANTE(S) : JACIRA DINIZ LOPES E OUTRO(A/S)

ADVOGADO(A/S) : EDMAR TEIXEIRA DE PAULA E OUTRO(A/S)

IMPETRADO(A/S) : PRESIDENTE DA REPÚBLICA

R E L A T Ó R I O

O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO (Relator):

1.Trata-se de mandado de segurança, com pedido de liminar, impetrado por Jacyra Diniz Lopez e outros, contra ato de Presidente da República que, nos termos do Decreto expropriatório de 18/09/02, declarou de interesse social, para fins de reforma agrária, imóvel rural denominado “Fazenda Boa Sorte”, no Município do Aimoré, no Estado de Minas Gerais.

2.Alegam as impetrantes, em síntese: a) a ausência de notificação prévia por parte do INCRA, para vistoria do imóvel, contraria o disposto nos arts. 2°, § 2°, da Lei n° 8.629/93, com a redação dada pela MP n° 1.577/97, e 5°, LIV, da CF, além da jurisprudência deste STF; e b) desacerto da classificação unilateral do imóvel “como grande propriedade improdutiva”, e falta do Estudo de Viabilidade Técnica, que deve preceder à implantação de projetos de assentamento, como prevê a Instrução Normativa INCRA n° 29/99. Requerem, liminarmente, a anulação do decreto expropriatório.

3.A Advocacia Geral da União sustenta que as impetrantes teriam sido previamente notificados, por meio de ofício datado de 28/6/2000 e recebido em 03/7/2000. Tal documento, ainda quando não tenha fixado data certa para os trabalhos, foi prévio à notificação entregue aos proprietários na data da vistoria, ou seja, em 23/10/2000. Acrescenta que o plano de viabilidade técnica está inserto na própria vistoria, representado por quadros dos quais constam, exemplificativamente, as classes de capacidade do uso das terras e a classificação do tipo de solo (fls. 138/145).

4.O pedido de liminar foi deferido pelo então Vice-presidente desta Corte, Ministro ILMAR GALVÃO (fls. 147).

5.A Procuradoria-Geral da República é pela concessão da segurança (fls. 153/156).

É o relatório.

V O T O

O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO (Relator):

1.Consistente o pedido.

Disciplinando o procedimento da desapropriação por interesse social, para fins de reforma agrária (art. 184, caput, da Constituição da República), dispõe o art. 2º, § 2º, da Lei nº 8.629, de 25 de fevereiro de 1993, com a alteração introduzida pela MP nº 1.577, de 11 de junho de 1997:

“Artigo 2º – A propriedade rural que não cumprir a função social prevista no artigo 9º é passível de desapropriação, nos termos desta Lei, respeitados os dispositivos constitucionais.

(…)

§ 2º – Para os fins deste artigo, fica a União, através do órgão federal competente, autorizada a ingressar no imóvel de propriedade particular para levantamento de dados e informações, mediante prévia comunicação escrita ao proprietário, preposto ou representante.”

Daí se tira logo, em primeiro lugar, que, por ser válida, deve a comunicação ser escrita (a), prévia ao início dos trabalhos (b) e recebida pelo proprietário, preposto ou representante (c).

E, em segundo lugar, que tais requisitos compõem, como elementos essenciais, a estrutura do justo processo da lei (due process of law), a cuja rigorosa observância, em resguardo de direito fundamental, a Constituição da República submete a licitude de todo ato que importe subtração de qualquer bem jurídico ao cidadão (art. 5º, LIV e LV).

A razão dessas exigências, pouco menos que óbvia, é porque o efetivo recebimento da notificação atende, a um só tempo, à necessidade de dar ao proprietário ciência da data de ingresso de técnicos do INCRA no imóvel e facultar-lhe acompanhar, por si ou por outrem, a vistoria e o levantamento dos dados físicos da coisa, aparelhando-se para exercer os poderes do contraditório e da ampla defesa, em juízo e fora dele, em tutela do direito de propriedade, contra eventual desapropriação arbitrária, abusiva, ou, enfim, de qualquer modo avessa ao ordenamento.


Não surpreende, portanto, tenha esta Corte adotado firme postura, no sentido de que a severa obediência a tais requisitos constitui objeto de direito processual fundamental do cidadão, reconhecendo ser nulo, por conseguinte, o decreto expropriatório, quando o proprietário não tenha sido notificado antes da diligência, senão no dia em que esta teve início, ou quando a notificação, posto que prévia, não lhe haja sido entregue pessoalmente, nem a preposto ou representante seu (cf. MS nº 23.889, rel. Min. MOREIRA ALVES, DJ de 22/11/2002; MS nº 22.700, rel. Min. MOREIRA ALVES, DJ de 08/09/2000; MS nº 22.333, rel. Min. MOREIRA ALVES, DJ de 10/10/98; MS nº 22.164, rel. Min. CELSO DE MELLO, DJ de17/11/95; MS nº 22.165, rel. Min. MARCO AURÉLIO, DJ de 07/12/95; MS nº 22.385, rel. Min. ILMAR GALVÃO, DJ de 11/06/99; e MS nº 22.613, rel. Min. MAURÍCIO CORRÊA, DJ de 07/05/99).

Ora, não há nenhuma dúvida de que as impetrantes são proprietárias e possuidoras do imóvel rural, matriculado sob n° 944 no Cartório de Registro de Imóveis de Aimoré, Minas Gerais (fls. 108-112), nem de que não foram notificadas da vistoria, senão à data mesma do início dos trabalhos, ou seja, em 23 de outubro de 2000 (fls. 89-90).

É verdade que, antes, lhes foi encaminhado ofício datado de 28 de junho do mesmo ano, mas dele não constou nenhuma data para início da diligência (cf. fls. 26). Como bem observou a Procuradoria-Geral da República, só se poderia “considerar válida a comunicação efetuada pelo INCRA, por meio do Oficio n° 26/30, se nela constasse a designação da data a ser iniciados os trabalhos de vistoria, haja vista que a ausência de tal informação comina em notificação prévia irregular”, segundo, aliás, já reconheceu esta Corte, em caso análogo:

“Mandado de segurança. Decretos do Presidente da República declaratórios de interesse social para Reforma Agrária. 2. Alegação de nulidade dos atos preparatórios que ensejaram os decretos impugnados. Falta de indicação na notificação da data de início da vistoria. Ausência de notificação para que os impetrantes impugnassem as alterações cadastrais realizadas de ofício. 3. Ausência de prévia notificação da Federação da Agricultura do Estado do Acre, quanto à vistoria. 4. Vistoria realizada com notificação prévia irregular. Não é possível dar à notificação prévia a natureza, que pretende reconhecer o INCRA, de simples comunicação de que servidores da Autarquia inspecionarão o imóvel. 5. Precedente do STF no MS 22.164-0. 6. Mandado de Segurança deferido para anular os decretos da autoridade impetrada datados de 15.12.1999, que consideraram de interesse social para Reforma Agrária, os imóveis denominados “Fazendas Planalto I e II”, “Fazenda Campo Alegra”, “Fazendas Castanhal e Espigão”, “Fazenda Promissão I, II e III”, todos localizados no Município de Capixaba, Estado do Acre, e integrantes do denominado “Seringal Nova Amélia, de propriedade dos impetrantes” (MS nº 23.675-AC, rel. Min. NÉRI DA SILVEIRA, DJ 14.12.2001, p. 29).

Feriu-se, pois, direito líquido e certo das impetrantes.

3.Do exposto, concedo a segurança, para o fim de anular, como anulo, o decreto expropriatório do imóvel “Fazenda Boa Sorte”. Custas ex lege.

MANDADO DE SEGURANÇA 23.856-9 MATO GROSSO DO SUL

RELATOR : MIN. CEZAR PELUSO

IMPETRANTES : PAULO STUCCHI E CÔNJUGE

ADVOGADO : OSAIR PIRES ESVICERO JUNIOR

IMPETRADO : PRESIDENTE DA REPÚBLICA

R E L A T Ó R I O

O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO (Relator):

1. Trata-se de mandado de segurança, com pedido de liminar, impetrado por Paulo Stucchi e outro, contra ato do Presidente da República que, nos termos do Decretop de 09/11/2000, declarou de interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural denominado ”Fazenda Santa Ângela”, no Município do Taboado, no Estado de Mato Grosso do Sul.

2. Alegam os impetrantes, em síntese: a) a ausência de notificação prévia por parte do INCRA, para vistoria do imóvel, contraria o disposto nos arts. 2º, § 2º, da Lei nº 8.629/93, com a redação dada pela MP nº 1.577/97, e 5º, LIV, da CF, além da jurisprudência deste STF; e b) coexistência do fumus boni iuris e do periculum in mora, uma vez que o INCRA poderá valer-se do rito sumário, previsto na Lei Complementar nº 76/93, para se imitir na posse do bem vistoriado. Requerem, liminarmente, a anulação do decreto expropriatório.

3. A Advocacia Geral da União sustenta que os impetrantes teriam sido previamente notificados, em 19/04/2000, por telegrama fonado, cujo conteúdo seria idêntico ao da carta notificatória entregue em 25/04/2000, dia em que o INCRA iniciou os trabalhos (fls. 43-58).

4. O pedido de liminar foi deferido pelo então Presidente desta Corte, Min. CARLOS VELLOSO (fls. 114).


5. Interposto agravo regimental pelo INCRA, que também postulava intervenção na qualidade de assistente (fls. 126-130), foram ambos os pleitos indeferidos pelo Relator, Min. SYDNEY SANCHES (fls. 132).

6. A Procuradoria-Geral da República é pela concessão da segurança (fls. 135-140).

É o relatório.

V O T O

O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO (Relator):

1.Consistente o pedido.

Disciplinando o procedimento da desapropriação por interesse social, para fins de reforma agrária (art. 184, caput, da Constituição da República), dispõe o art. 2º, § 2º, da Lei nº 8.629, de 25 de fevereiro de 1993, com a alteração introduzida pela MP nº 1.577, de 11 de junho de 1997:

“Artigo 2º – A propriedade rural que não cumprir a função social prevista no artigo 9º é passível de desapropriação, nos termos desta Lei, respeitados os dispositivos constitucionais.

(…)

§ 2º – Para os fins deste artigo, fica a União, através do órgão federal competente, autorizada a ingressar no imóvel de propriedade particular para levantamento de dados e informações, mediante prévia comunicação escrita ao proprietário, preposto ou representante.”

Daí se tira logo, em primeiro lugar, que, por ser válida, deve a comunicação ser escrita (a), prévia ao início dos trabalhos (b) e recebida pelo proprietário, preposto ou representante (c).

E, em segundo lugar, que tais requisitos compõem, como elementos essenciais, a estrutura do justo processo da lei (due process of law), a cuja rigorosa observância, em resguardo de direito fundamental, a Constituição da República submete a licitude de todo ato que importe subtração de qualquer bem jurídico ao cidadão (art. 5º, LIV e LV).

A razão dessas exigências, pouco menos que óbvia, é porque o efetivo recebimento da notificação atende, a um só tempo, à necessidade de dar ao proprietário ciência da data de ingresso de técnicos do INCRA no imóvel e facultar-lhe acompanhar, por si ou por outrem, a vistoria e o levantamento dos dados físicos da coisa, aparelhando-se para exercer os poderes do contraditório e da ampla defesa, em juízo e fora dele, em tutela do direito de propriedade, contra eventual desapropriação arbitrária, abusiva, ou, enfim, de qualquer modo avessa ao ordenamento.

Não surpreende, portanto, tenha esta Corte adotado firme postura, no sentido de que a severa obediência a tais requisitos constitui objeto de direito processual fundamental do cidadão, reconhecendo ser nulo, por conseguinte, o decreto expropriatório, quando o proprietário não tenha sido notificado antes da diligência, senão no dia em que esta teve início, ou quando a notificação, posto que prévia, não lhe haja sido entregue pessoalmente, nem a preposto ou representante seu (cf. MS nº 23.889, rel. Min. MOREIRA ALVES, DJ de 22/11/2002; MS nº 22.700, rel. Min. MOREIRA ALVES, DJ de 08/09/2000; MS nº 22.333, rel. Min. MOREIRA ALVES, DJ de 10/10/98; MS nº 22.164, rel. Min. CELSO DE MELLO, DJ de17/11/95; MS nº 22.165, rel. Min. MARCO AURÉLIO, DJ de 07/12/95; MS nº 22.385, rel. Min. ILMAR GALVÃO, DJ de 11/06/99; e MS nº 22.613, rel. Min. MAURÍCIO CORRÊA, DJ de 07/05/99).

Ora, não há nenhuma dúvida de que os impetrantes são proprietários e possuidores do imóvel rural (fls. 21 e 22), nem de que só foram cientificados da diligência no dia 25 de abril de 2000, quando se iniciaram os trabalhos da vistoria (fls. 24, 32 e 60). Quem recebeu, seis dias antes, o telegrama fonado, foi Maria José Fidenes (fls. 70), da qual não há afirmação nem prova de que fosse preposto ou representante dos proprietários, ou de que estivesse, por qualquer outro modo, autorizada a receber a comunicação, em nome deles, e, muito menos, de que lhas houvera transmitido. Feriu-se, pois, direito líquido e certo dos impetrantes.

2.Do exposto, concedo a segurança, para o fim de anular, como anulo, o decreto expropriatório do imóvel “Fazenda Santa Ângela”. Custas ex lege.

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