Dor de cabeça

Greve de servidores do Judiciário paulista completa um mês

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30 de julho de 2004, 19h24

A greve dos servidores da Justiça paulista completou um mês, nesta sexta-feira (30/7), e os reflexos já são sentidos na comunidade jurídica e na sociedade. Advogados não conseguem dar andamento nos processos. Promotores e procuradores de Justiça não recebem recursos e ações para se manifestarem. As partes serão obrigadas a esperar ainda mais por uma solução de suas causas. Pior: a greve continua por tempo indeterminado. Os servidores, que querem reajuste de 26,36%, marcaram nova assembléia para o dia 11 de agosto.

Segundo a Associação dos Servidores do Tribunal de Justiça (Assetj), a greve atinge a média de 85 a 90% dos funcionários. Em alguns fóruns, a adesão é quase total como no Vergueiro, João Mendes, Barra Funda e algumas comarcas do interior (Ribeirão Preto e Sertãozinho). A presidência do TJ paulista não tem dados sobre o número de adesão à greve. O TJ suspendeu os prazos processuais para tentar minimizar os prejuízos das partes.

Nem o Palácio da Justiça escapou. No local, a situação não é pior por conta do pessoal que ocupa cargos de direção e chefia que mantém os cartórios abertos — ainda que precariamente. As 11 sessões das Câmaras Criminais de Férias funcionaram normalmente, assim como as 19 sessões das Câmaras Cíveis.

O atendimento nos cartórios é precário e, em alguns dos principais fóruns da Capital, não existe. O melhor exemplo é o do João Mendes, onde a maior parte dos cartórios está fechada.

Muito além de uma simples reivindicação salarial, o movimento demonstra a difícil situação que vive a Justiça paulista. São cerca de 12 milhões de processos tramitando apenas na primeira instância, que agora estão sem andamento. A distribuição de um processo na segunda instância tem prazo médio de quatro anos. Com a greve, esse prazo pode se alongar ainda mais. Advogados temem a repetição da última greve, em 2001, quando os servidores ficaram de braços cruzados por mais de 80 dias.

O presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, Luiz Elias Tâmbara, entregou esta semana, à Presidência da Assembléia Legislativa, projeto de reposição salarial para os servidores públicos em greve. O encontro aconteceu um dia depois que a Associação dos Advogados de São Paulo (Aasp) entrou com Mandado de Segurança “contra a inércia” do presidente do TJ e do governador do estado, Geraldo Alckmin, diante da paralisação dos funcionários do Judiciário.

Previsão negativa

O advogado Eli Alves da Silva, ex-presidente da Associação dos Advogados Trabalhistas de São Paulo, disse à revista Consultor Jurídico que tem 230 ações para serem protocoladas e que estão paradas em seu escritório por conta da greve. Apesar de considerar justa a reivindicação dos servidores, afirma que está “impedido de trabalhar”. Segundo o advogado, a sociedade também fica impossibilitada de ter acesso ao Judiciário.

Para Alves da Silva, a imagem do advogado é prejudicada com a greve. “A parte tem expectativa de solução rápida de sua causa. Com a morosidade ainda maior, a imagem do advogado se torna negativa”, ressaltou.

Para evitar dor de cabeça no futuro, o escritório Demarest e Almeida tem cumprido todos os prazos, apesar de suspensos pelo TJ paulista, como se não houvesse a greve. Somente não são protocoladas ações em cartórios que estão com as atividades paralisadas. O advogado Ulysses Ecclissato lembra que depois da greve de 2001 não foram poucos os casos em que as partes envolvidas e até mesmo alguns juízos entenderam que os prazos haviam sido interrompidos, e não suspensos, o que tem diferentes conseqüências legais.

Para ele, a principal conseqüência da greve é o acúmulo de procedimentos a serem feitos com o retorno da contagem dos prazos processuais. Segundo Ecclissato, ocorrerá um atraso no andamento dos processos quatro a cinco vezes maior do que a própria duração da paralisação.

Outra dificuldade apontada pelo advogado do Demarest é em relação aos clientes. De acordo com ele, a maior dificuldade é fazê-los entender a razão da demora. O pior é quando os clientes são estrangeiros e desconhecem as peculiaridades brasileiras. Para Ecclissato, “indiretamente é reforçado o mote de que o país realmente não é o melhor porto para investimentos”.

O advogado considerou sensata a atitude de juízes de manter as audiências já marcadas. De acordo com ele, suspender as audiências seria o mesmo que paralisar os processos em quase um ano, automaticamente.

A advogada Cristina Panico de Araujo Lopes, do escritório Pompeu, Longo, Kignel e Cipullo Advogados, disse que a paralisação já gera inúmeros problemas. Ela lembra que na última greve os cartórios ficaram com um acúmulo expressivo de serviço.

“Sofremos uma grande insegurança para aquelas providências urgentes, pois sabemos que dependemos da boa vontade daqueles poucos funcionários que estão trabalhando”, afirmou.

E acrescentou: “Como a paralisação não é total — embora seja maciça e tenha acarretado na suspensão de todos os prazos judiciais — é certo que algumas partes conseguem uma ou outra providência. Fica, por vezes, prejudicada a avaliação da outra parte se a mesma não tiver a sorte de ter acesso aos autos”.

A advogada Glaucia Maria Lauletta Frascino, do escritório Mattos Filho, Veiga Filho, Marrey Jr. e Quiroga Advogados, disse que o maior problema enfrentado pelos advogados é “a certeza de que o andamento dos processos já em curso será ainda mais retardado”. Segundo ela, “muito embora os juízes continuem trabalhando, é evidente que as decisões judiciais e a sua efetivação dependem dos funcionários grevistas”. No escritório Mattos Filho, de acordo com Glaucia, há 500 processos sem andamento por causa da greve.

Para a advogada, o mais inusitado é que sequer o protocolo de petições está sendo aceito. “No momento em que a greve terminar, certamente os funcionários demorarão dias ou talvez meses para regularizar o andamento dos processos”, observou.

Ela lembra ainda o problema financeiro que a greve causa para os advogados. “Existem muitos advogados que dependem da fluência dos processos para receber seus honorários. Muitos têm seus recebimentos comprometidos em função de uma greve que eles sabem quando começou, mas não sabem quando vai terminar”, ressaltou.

O advogado Lourival J. Santos, do escritório Lourival J. Santos Advogados, enumerou os problemas enfrentados com a paralisação: impossibilidade ou dificuldade de acesso rápido aos processos e, especialmente, lentidão tanto no atendimento como na apreciação de casos que exigem urgência. Segundo ele, com a morosidade, o jurisdicionado se torna refém de uma situação que não criou.

Para Rafael Cury Bicalho, sócio do escritório Tubino Veloso & Vitale Advogados, a greve tornará “a prestação jurisdicional ainda mais lenta e, conseqüentemente, por vezes imprestável”. Segundo ele, “a greve é mais um balde de água fria e mina ainda mais a credibilidade do Poder Judiciário”.

Para Cury Bicalho, “o que tem mais preocupado jurisdicionados e advogados é a falta da perspectiva para o término da greve”. E acrescentou: “Infelizmente, o estado não tem negociado com os servidores”.

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