Chute na canela

Edgard Soares é condenado a indenizar Juca Kfouri por danos

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28 de julho de 2004, 18h56

O site Futebol Interior e o publicitário Edgard Soares sofreram uma derrota no primeiro tempo da partida judicial com o jornalista Juca Kfouri. Foram condenados a indenizá-lo por danos morais em 80 salários mínimos. E mais: terão de publicar a sentença, depois de transitada em julgado, em um jornal e no site Futebol Interior. A determinação é da Justiça de primeira instância de São Paulo. Ainda cabe recurso.

Kfouri foi chamado “escória do jornalismo”, “cão raivoso”, “invejoso”, “mentiroso”, “mentalmente abalado”, “cérebro perturbado”, “cara-de-pau”, “um engodo”, entre outros adjetivos.

Na ação de responsabilidade civil, o jornalista foi representado pela advogada Flávia Lefevre Guimarães e pelo escritório Rubens Naves, Santos Júnior e Hesketh Advogados Associados.

A advogada alegou que o site e o publicitário extrapolaram o direito de livre manifestação de pensamento. “Houve uma verdadeira campanha difamatória contra o jornalista”, afirmou. A Justiça paulista acatou os argumentos.

Kfouri disse à revista Consultor Jurídico que doará qualquer indenização que receber na Justiça para a ONG Transparência Brasil.

Leia a sentença:

Processo nº 000.03.001078-0

Sent. Compl.: Pedido Julgado Procedente

Vistos. José Carlos do Amaral Kfouri, qualificado nos autos, ajuizou a presente ação de indenização por danos morais, em face de José Edgard Soares Moreira e Futebol Interior Assessoria e Comércio de Produtos Ltda., também qualificados. Alegou em estreita síntese: ter sofrido lesão moral decorrente de escrito elaborado pelo primeiro requerido e veiculado pela segunda requerida; ter tal texto extrapolado o conteúdo jornalístico, partindo para ataques pessoais e ofensas morais.

Requereu procedência. Juntou documentos. Citado, os réus contestaram. José Edgard Soares Moreira (fls.91/119) sustentou em resumo: estar incorreto o valor atribuído à causa; ter efetuado críticas ao requerente, expressando livremente sua opinião e conceitos sobre certas e determinadas atitudes publicamente reconhecidas e reprovadas do requerente; ser vítima de ofensas constantes perpetradas pelo requerente; não possuir o requerente bom conceito entre seus próprios pares. Discorreu sobre todas as ofensas que lhe foram imputadas pelo requerente, impugnando-as especificamente.

Apresentou considerações sobre os valores pleiteados. Requereu a improcedência. Juntou documentos. Já a Futebol Interior Assessoria e Comércio de Produtos Esportivos Ltda. (fls.304/314) defendeu em estreitíssima síntese: ser parte ilegítima; ser o Juízo incompetente para conhecer da causa; estar incorreto o valor atribuído à causa; inexistir qualquer abuso perpetrado pelo redator do texto taxado como ofensivo; ter a matéria mero conteúdo jornalístico e narrativo.

Impugnou a indenização pleiteada e requereu a improcedência. Houve replica (fls.164/180 e 344/351). As partes apresentaram inúmeros documentos. E em alegações finais reiteram seus posicionamentos iniciais. É a síntese do essencial. Decido. A impugnação ao valor da causa e a exceção de incompetência foram rejeitadas, conforme decisões proferidas nos próprios incidentes. Inexiste a ilegitimidade passiva argüida pela Futebol Interior face ao disposto no art. 49, § 2º., da lei 5.250/67.

Efetivamente, não era o caso de se produzir prova oral, posto que os ataques foram todos efetuados por meio de comunicação e se encontram documentados, como salientado às fls.97 dos autos, em contestação do requerido José Edgard. Por outro lado, irrelevante o conceito do requerente perante outros profissionais de sua área de atuação. O cerne da questão é apurar se o texto do primeiro réu, veiculado pela segunda requerida, extrapolou ou não o cunho informativo e jornalístico.

Tal análise é objetiva, constituindo a questão de mérito da demanda e, enquanto tal, não está sujeita a depoimentos de terceiros. Procede a demanda. Ampara a pretensão o disposto no art. 1.547 do Código Civil (atual art. 853 do Novo Código Civil), c.c. o art.49 da lei 5.250/67. Extrapolou-se o direito de informação, havendo ataques pessoais ao requerente, surgindo daí o dever de indenizar, consubstanciado em obrigação fundada na sanção do ato ilícito, amparada na máxima latina: neminem laedere.

Ao adjetivar o requerente como “escória do jornalismo”, “cão raivoso”, “invejoso, raivoso, mentiroso”, “mentalmente abalado”, “cérebro perturbado”, “cara-de-pau”, “um engodo, um embuste. Nada mais que um farsante…burro velho incompetente e futriqueiro”, bem como ao afirmar que o requerente “atua irregularmente na profissão” e teria feito uso de “notas fiscais frias”, todas expressões retiradas do escrito de autoria de José Edgard, patente está o interesse de lesionar moralmente o requerente por meio de difamação (atribuição de fato que incide na reprovação ético-social) e injúria (lesão ao decoro [sentimento e consciência de nossa respeitabilidade pessoal] e dignidade [sentimento da nossa própria honorabilidade ou valor moral], aspecto da honra que “está em nós” – cf. Yussef Said Cahali ; “Dano Moral”; 2ª. Edição; Ed. RT;1998; p297/298), institutos estes cuja caracterização subsiste independentemente de serem ou não verdadeiras as considerações efetuadas.

Embora os autos demonstrem a existência de ataques recíprocos, em verdadeiro desserviço à comunicação esportiva nacional, não se verifica na espécie a excludente da retorsão imediata, muito menos quaisquer das hipóteses ventiladas pelo art. 160 do Código Civil (atual art. 188). Aliás, os ataques do requerente – pelo menos os indicados em contestação – foram todos subliminares, vinculados a fatos e não propriamente a pessoa de José Edgard, em nenhum momento atingido-o de forma aguda e incisiva. A recíproca, no entanto, e como demonstrado, não é verdadeira.

Por seu turno, o veículo de informação tem responsabilidade por transmitir a matéria ofensiva. Isto porque, e como já dito, o direito de informar tem como corolário o dever de não ofender. A informação deve ser imparcial, traduzindo-se em linguagem descritiva, sem qualquer conotação ou coloração política, ideológica ou valorativa. O redator e o responsável pela publicação não têm que achar que tal atitude é certa ou errada. Deve apenas relatar a atitude. Cabe ao leitor adjetivá-la.

Quando a “notícia” beira a subjetividade, ou mesmo alcança tal campo, deve o redator, antes de publicá-la, justamente porque subjetiva, não censurá-la, mas analisá-la, visando coibir ofensas como a presente. Não atendidas estar precauções, surge a responsabilidade do veículo de comunicação, como ocorre neste caso. Dirimidas estas questões, impõe-se a fixação de indenização. Como já dito, o que se constata é desinteligência recíproca, com provocação bilateral (extrapolada pelo réu – note-se que o requerido assumiu ter divulgado índices de aceitação do programa do autor por meio de comercial em um de seus “breaks” – fls.28), circunstância esta que deve ser levada em consideração na fixação do montante da indenização.

Cabe acrescentar que o simples fato de ter a pena à mão, e um veículo de comunicação à disposição, não dão aos redatores das matérias imunidade, muito menos os colocam em patamares diversos do cidadão comum. Não se confunda liberdade de expressão com irresponsabilidade de afirmação.

Assim, e face ao anteriormente exposto, conclui-se de forma palmar que a pretensão deduzida pelo requerente, ou R$ 100.000,00, extrapola o âmbito do razoável diante da situação constatada de litigiosidade recíproca, nem sempre contida. O montante de 80 (oitenta) salários mínimos preenche a lacuna lesiva de forma adequada, face ao anteriormente exposto, ficando adotado para a espécie.

Da mesma forma, e em conseqüência do anteriormente exposto, acolho o pedido realizado nos termos do artigo 75 da Lei nº 5.250/67, para fins de determinar a publicação da presente sentença, após o trânsito em julgado desta, em jornal de grande circulação, às expensas dos requeridos, bem como veiculá-la no mesmo site em que foi realizada a matéria lesiva. A publicação e veiculação deverá ser realizada em caracteres tipográficos idênticos ao do escrito que deu causa a presente demanda. Fica a critério do autor a eleição do jornal em que a publicação se dará. A veiculação da presente no site deverá perdurar pelo mesmo período em que a matéria lesiva ficou a disposição do público. Isto posto, julgo procedente a presente ação, extinguindo o processo com julgamento de mérito, nos termos do art. 269, inciso I, do Código de Processo Civil, condenando os requeridos, solidariamente, ao pagamento de indenização ao autor, no valor de 80 (oitenta) salários mínimos.

Da mesma forma, e em conseqüência do anteriormente exposto, determino a publicação da presente sentença na íntegra, após seu trânsito em julgado, em jornal de grande circulação, às expensas dos requeridos, ficando a critério do autor a eleição do jornal em que a publicação deverá ocorrer. Da mesma forma deverão os requeridos veiculá-la no mesmo site em que foi realizada a matéria lesiva. A publicação e veiculação deverá ser realizada em caracteres tipográficos idênticos ao do escrito que deu causa a presente demanda.

A veiculação da presente no site deverá perdurar pelo mesmo período em que a matéria lesiva ficou a disposição do público. Estas providencias são determinadas com fundamento no artigo 75 da Lei 5.250/67. Arcarão os réus ainda com o pagamento das custas e despesas processuais, bem como com honorários advocatícios, de 10% sobre o valor da causa. Não há que se falar em sucumbência recíproca posto que a fixação da indenização é competência do Juízo, realizada por arbitramento. O atraso decorre de excesso de serviço existente na Vara. P.R.I

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