Caso Palace 2

Palace 2: procuradores tentam evitar prisão de gerente do BB.

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27 de julho de 2004, 11h15

A Procuradoria da Fazenda Nacional vai entrar com Habeas Corpus na Justiça do Rio de Janeiro em favor do gerente do Banco do Brasil, Ismael Carvalho, nesta terça-feira (27/7). Vítimas do Palace 2 querem pedir ao juiz da 4ª Vara Empresarial, Luiz Felipe Salomão, a prisão do gerente por crime de desobediência.

O juiz havia determinado que os R$ 9 milhões obtidos com a venda do Hotel Saint Paul Park, antiga propriedade do ex-deputado Sérgio Naya, fossem rateados entre as 81 famílias ex-moradoras do Palace II que ainda não receberam indenização.

Mas o Banco do Brasil foi proibido de fazer o pagamento por decisão da juíza da 7ª Vara de Execuções Fiscais do Rio de Janeiro, Frana Elizabeth, que atendeu pedido da Procuradoria da Fazenda Nacional em favor da União. Naya e suas empresas — Sersan e Matersan — devem R$ 22 milhões de Imposto de Renda.

A União recorreu à Justiça Federal para pedir o bloqueio da conta. O Código Tributário Nacional estabelece a seguinte ordem de prioridade para pagamento: credores trabalhistas, União, Estados, Municípios e demais credores. As vítimas do Palace 2 estão em último lugar pela legislação.

No Habeas Corpus, os procuradores alegam que um juiz cível não pode determinar prisão por crime de desobediência sem a instauração do devido processo legal, de natureza penal.

Além disso, o gerente não poderia atender à determinação judicial enquanto estiver pendente ordem da Justiça Federal em sentido contrário. O Habeas Corpus é assinado pelos procuradores Paulo Negrão de Lacerda e Ronaldo Campos e Silva.

Leia a íntegra do Habeas Corpus

EX.MO SR. DESEMBARGADOR SEGUNDO VICE-PRESIDENTE DO EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO.

PAULO CÉSAR NEGRÃO DE LACERDA, brasileiro, casado, Procurador-Chefe da Fazenda Nacional no Estado do Rio de Janeiro e RONALDO CAMPOS E SILVA, brasileiro, casado Procurador da Fazenda Nacional no Estado do Rio de Janeiro, inscrito no CPF/MF sob o nº xxxxxxx, ambos com endereço profissional na Av. Presidente Antônio Carlos, nº 375, gabinete 614, Castelo, Rio de Janeiro, Cep. 20020-010, vêm impetrar

HABEAS CORPUS (preventivo),

com fundamento no art. 5o, LXVIII, da Constituição Federal e do art. 648, I, do Código de Processo Penal, em favor de ISMAEL DE CARVALHO, brasileiro, bancário, Gerente de Agência do Banco do Brasil nº 1567-9 (Agência Fórum), com endereço profissional na Av. Erasmo Braga, nº 115, 2º andar, Centro, Rio de Janeiro, contra coação ilegal a ser praticada pelo Juiz de Direito LUIZ FELIPE SALOMÃO, no exercício da titularidade da 4ª Vara Empresarial da Comarca do Rio de Janeiro.

I.

A UNIÃO é credora do ex-deputado federal Sérgio Augusto Naya e de suas empresas (SERSAN, MATERSAN E SERNA) pela quantia superior a R$ 82.082.707,51.

No exercício de sua função constitucional de representar a UNIÃO na execução de sua dívida ativa de natureza tributária, a Procuradoria da Fazenda Nacional no Estado do Rio de Janeiro propôs a ação cautelar fiscal nº 2002.5101511059-5 em face dos referidos devedores, tendo sido distribuída para a 7ª Vara Federal de Execuções Fiscais da Seção Judiciária do Rio de Janeiro.

No curso do processo cautelar fiscal foi decretada a indisponibilidade de tantos bens dos devedores quantos necessários à satisfação do crédito, notadamente do Hotel Saint Paul Park, localizado no Setor Hoteleiro Sul da cidade de Brasília. Registre-se que esse mesmo imóvel foi objeto de outras penhoras promovidas pela Procuradoria da Fazenda Nacional no Distrito Federal.

De outra parte, em virtude do fatídico desabamento do Edifício Palace II, ocorrido no ano de 1998, tramita perante a 4ª Vara Empresarial da Comarca da Capital do Rio de Janeiro ação civil pública que também acarretou na indisponibilidade dos bens do ex-deputado e de suas empresas.

Contudo, o Hotel Saint Paul Park, até então indisponível nas duas ações, foi alienado em leilão público promovido pelo Juízo da 4ª Vara Empresarial, que determinou, outrossim, o imediato rateio do dinheiro apurado entre as vítimas e seu advogado, em igualdade de condições, bem assim a expedição dos respectivos alvarás de pagamento, in verbis:

“Assim sendo, não havendo óbice legal [sic] e contando com precedente jurisprudencial, determino o rateio linear, no valor de R$ 114.963,41, para cada habilitante e advogado, com a expedição de mandados de pagamentos (nominais)…” (Doc. anexo).

Tal decisão violou a literalidade do que dispõe o art. 186 do Código Tributário Nacional, segundo o qual “o crédito tributário prefere a qualquer outro, seja qual for a natureza ou o tempo da constituição deste, ressalvados os créditos decorrentes da legislação do trabalho”.


Entendendo que a UNIÃO teria preferência para receber seus créditos, a Procuradoria da Fazenda Nacional no Estado do Rio de Janeiro apresentou petição ao juízo da 7ª Vara Federal pugnando para que o dinheiro apurado no leilão – e que estava depositado no Banco do Brasil – fosse mantido na conta até o limite dos créditos federais objeto da ação cautelar fiscal, liberando-se apenas o que sobejasse o valor de R$ 22.903.581,64.

Da decisão acima referida, o paciente, que exerce a função de gerente da agência do Banco do Brasil que se situa no Palácio da Justiça, foi notificado por meio do Ofício nº 718/04- 7ª VEF, de 23 de julho de 2004, assinado pela juíza federal FRANA ELISABETH MENDES, que expressamente veiculou ordem judicial no sentido de que o paciente resguardasse o valor de R$ 22.903.581,64 referente ao crédito da União.

O ofício foi escrito com os seguintes termos:

“Sr. Gerente.

Solicito a V. S.a. as providências necessárias no sentido de resguardar o valor de R$ 22.903.581,64 (vinte e dois milhões, novecentos e três mil, quinhentos e oitenta e um reais e sessenta e quatro centavos) referente ao crédito da União nos autos do processo supra mencionado, o qual se encontra depositado na conta n° 449816-5 desta agência.

Aproveito a oportunidade para renovar protesto de estima e consideração.

FRANA ELISABETH MENDES

Juíza Federal da 7a Vara de Execução Fiscal”.

Sem pretender adentrar na enorme polêmica que se seguiu a tal ofício, fato é que o gerente da agência do Banco do Brasil (o paciente) não poderá simplesmente desconsiderar o conteúdo da ordem emanada do juízo federal, dando preferência, ao seu bel-prazer, àquela emanada do juízo estadual.

Ocorre que o MM Juiz de Direito Luís Felipe Salomão, no exercício da titularidade da 4ª Vara Empresarial, vem afirmando publicamente que o paciente, caso se negue a entregar o dinheiro depositado às vítimas do Palace II, será preso pela prática do crime de desobediência.

A inacreditável afirmação do juiz foi veiculada na edição de ontem (26 de julho de 2004) do jornal O Globo, in verbis:

“- Se o gerente se negar a pagar, eu vou mandar prendê-lo por desobediência – disse Salomão”.

Na mesma linha noticiou o telejornal RJTV de ontem, destacando que:

“O juiz Luís Felipe Salomão, que determinou o pagamento das indenizações, afirma que a juíza federal não tem competência para suspender uma decisão da justiça estadual. Além disso, Salomão ameaça prender o gerente do Banco do Brasil por descumprimento de ordem judicial, caso o dinheiro não seja transferido para os ex-moradores do Palace II”.

Registre-se, por fim, o tom ameaçador verificado no ofício dirigido ontem pelo juiz Luís Felipe Salomão ao paciente, no qual este é advertido de que “as ordens de pagamento emanadas desse Juízo deverão ser efetivamente cumpridas” (ofício anexo).

II.

De tudo o que foi até aqui exposto, resulta inquestionável que o paciente está sob ameaça ilegal à sua liberdade de ir e vir, razão pela qual se impetra o presente habeas corpus em seu favor.

Em primeiro lugar, havendo duas ordens judiciais de conteúdos conflitantes, emanadas de juízos diversos com parcelas distintas de poder jurisdicional, seria no mínimo covardia atribuir-se ao gerente da agência da instituição financeira a difícil eleição da ordem que lhe pareça mais justa. No contexto apresentado, exsurge de modo inequívoco a ausência do dolo de desobedecer a qualquer das ordens emanadas, já que o paciente não tem e nem poderia ter atribuição para decidir o conflito de decisões emanadas dos dois juízos.

Tratando-se de matéria controversa, sobre a qual se está longe de chegar a um ponto de consenso, não se pode sobrecarregar justamente a parte mais fraca, que não tem qualquer poder de decidir o acerto ou desacerto do conteúdo das ordens judiciais, atribuindo-lhe o terrível ônus de ter que escolher qual dos dois juízos tem razão.

Além disso, consoante reiterados precedentes do Superior Tribunal de Justiça, o juízo cível é incompetente para pronunciar-se sobre a alegação típica de eventual conduta penal ou para decretar a prisão, pois, “evidenciado o descumprimento de ordem judicial, cabe ao Ministério Público eventual oferecimento de denúncia”.

Nesse sentido, vale trazer os seguintes arestos do Superior Tribunal de Justiça:

“CRIMINAL. HC. DESOBEDIÊNCIA À ORDEM JUDICIAL. AMEAÇA CONCRETA DE PRISÃO EM FLAGRANTE. CAIMENTO DO WRIT. ANÁLISE DO TIPO DE DELITO QUE SE CONFIGURARIA E DISCUSSÃO DE MÉRITO DO MANDADO DE SEGURANÇA ORIGINÁRIO. IMPROPRIEDADE DO MEIO ELEITO. CONHECIMENTO DA IRRESIGNAÇÃO RESTRITO À AMEAÇA DE PRISÃO. ILEGALIDADE EVIDENCIADA. JUÍZO CÍVEL EM HIPÓTESE QUE NÃO DIZ RESPEITO A DEPOSITÁRIO INFIEL OU DEVEDOR DE ALIMENTOS. SALVO-CONDUTO CONCEDIDO EM DEFINITIVO. WRIT CONHECIDO EM PARTE. ORDEM CONCEDIDA.


Não se tratando de mera advertência genérica, mas, sim, de uma efetiva ameaça de prisão em flagrante por descumprimento de ordem judicial, cabível o habeas corpus.

Impropriedade do meio eleito para análise acerca do tipo de delito que se configuraria, em decorrência de tal descumprimento – se crime de responsabilidade ou prevaricação – tendo em vista a vedada análise de fatos e provas, que se faria necessária.

Descabimento do writ para discussão de mérito do mandado de segurança originário, pois deve o interessado valer-se dos recursos processuais de lei.

Irresignação conhecida somente quanto à ameaça de prisão. Sobressai a ilegalidade da ameaça concreta de prisão, pois emanada de juízo do exercício da jurisdição cível, fora das hipóteses de depositário infiel ou do devedor de alimentos.

Salvo-conduto concedido em definitivo, em relação à ordem de prisão em caso de descumprimento da determinação de pagamento dos meses de maio a agosto de 2001, em favor da Clínica de Reabilitação SC LTDA., nos autos do mandado de segurança n.º 2001.02.01.030971-8/RJ.

Writ parcialmente conhecido e ordem concedida para, confirmando a liminar conferida, determinar, em definitivo, a expedição de salvo-conduto em favor dos pacientes, nos termos do voto do Relator (HC 18610/RJ; habeas corpus 2001/0117207-8; DJ, DATA 04/11/2002; PG: 00219; LEXSTJ VOL.: 00162 PG. 00266).”

Em outro giro, em que pese a decisão do juízo da 4a Vara Empresarial de mandar pagar imediatamente os ex-moradores do Palace II, não se pode desconsiderar que o paciente está igualmente vinculado à posterior ordem emanada pela Justiça Federal, segundo a qual deve resguardar na conta o valor correspondente ao crédito tributário.

Certa ou errada, a decisão da Justiça Federal não pode ser desconsiderada pelo paciente, ora sob ameaça de prisão que partiu do juiz de direito, motivo pelo qual a ameaça de prisão emanada pelo juízo da 4ª Vara Empresarial traduz evidente abuso de poder que põe em risco iminente sua liberdade de locomoção.

Não se pretende aqui entrar na enorme polêmica que envolveu o suposto desacerto da decisão do juízo federal da 7a Vara, mas sim deixar claro que o eventual não pagamento das quantias depositadas ao ex-moradores do Palace II não pode ser havido como descumprimento de ordem judicial. O paciente simplesmente gerencia a unidade do banco depositado, não lhe sendo dado sopesar a validade e eficácia de ordens judiciais aparentemente conflitantes.

Vale acrescentar que os alvarás de pagamento emanados da 4a Vara Empresarial foram apresentados na agência do Banco do Brasil na última sexta-feira (23.7.2004), encerrando-se hoje (27.7.2004) o prazo de 48 horas para que o banco proceda a transferência do numerário. Caso não sejam pagos os alvarás durante o dia de hoje, a ameaça de prisão poderá ser de fato concretizada a qualquer momento.

III.

Por todo o exposto, requerem os impetrantes:

a) a concessão de liminar para que seja expedido salvo-conduto em favor do paciente, evitando-se a concretização da ameaça ilegal de prisão em virtude do suposto descumprimento dos referidos alvarás de pagamento expedidos pelo juízo da 4a Vara Empresarial da Comarca do Rio de Janeiro;

b) a notificação da autoridade coatora para que preste suas informações;

c) a abertura de vista ao órgão do Ministério Público em atuação perante esse Tribunal;

d) a procedência do pedido, com a concessão definitiva da ordem de hábeas corpus para que seja confirmada a liminar, expedindo-se em favor do paciente salvo conduto apto a evitar a execução de prisão sem respeito ao devido processo legal em virtude do suposto descumprimento dos referidos alvarás de pagamento expedidos pelo Juízo da 4a Vara Empresarial da Comarca do Rio de Janeiro.

E. deferimento.

Rio de Janeiro, 27 de julho de 2004.

PAULO CÉSAR NEGRÃO DE LACERDA

Procurador-Chefe da PFN/RJ

RONALDO CAMPOS E SILVA

Procurador da Fazenda Nacional

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