Maré brava

Tenentes e comerciantes são processados por venda de álcool da FAB

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23 de julho de 2004, 16h22

Dois oficiais da Força Aérea Brasileira — Luiz Eduardo do Amaral Menezes e Manoel Gomes de Araújo, este, na reserva –, junto com cinco comerciantes, estão sendo processados na Justiça Federal do Rio de Janeiro. Eles são acusados de formação de quadrilha e de crime contra a ordem econômica — revender derivados de petróleo em desacordo com as normas estabelecidas na lei. São responsabilizados pelo desvio de 58,4 mil litros de álcool hidratado da Fazenda da Aeronáutica em Pirassununga (SP), em maio de 2000.

No mesmo processo, três delegados federais também são acusados de tentar beneficiar a quadrilha no inquérito policial instaurado. Jorge José de Araújo Freitas e Marcelo Duval Soares responderão por extravios de documentos e prevaricação. Já Laoir Pina Servino foi denunciado por prevaricação. Freitas, atualmente, está cedido à Agência Nacional de Petróleo, ANP, onde atua na área de inteligência, encarregada, entre outras coisas, de levantar informações que ajudem no combate às fraudes na comercialização de combustíveis.

Na denúncia acatada quarta-feira (21/07) pelo juiz federal Abel Fernandes Gomes, as procuradoras da República Andréa Bayão Pereira e Andréa Silva Araújo se mostraram convencidas da participação de mais militares da Aeronáutica e da possibilidade de ter ocorrido outros desvios de combustível. Mas como estas são infrações previstas no Código Penal Militar — o que não acontece com o crime contra a ordem econômica — a investigação cabe à Justiça Militar de São Paulo. Cópia dos autos será remetida à Auditoria Militar.

Explicações

Oficialmente, o Brigadeiro do Ar Carlos Geraldo dos Santos Porto, então comandante da Academia da Força Aérea, à qual a Fazenda está subordinada, não admitiu o desvio do combustível. Alegou tratar-se de comercialização do excedente da cota de álcool que a fazenda tem direito por ser fornecedora de cana-de-açúcar para a Usina Dedini S/A Agro Indústria.

No ofício à procuradoria, o então diretor da fazenda, coronel intendente Paulo Moacir Osório Kuroswiski, explicou ter sido aquela a primeira venda de excedente da cota de álcool.

A Fazenda da Aeronáutica, conhecida pela sigla FAYS, é uma organização agropastoril com autonomia administrativa, que tem por finalidade abastecer a Academia da Força Aérea com os artigos que produz, podendo comercializar o excedente.

Contradições

As explicações dos comandantes da Aeronáutica não convenceram as procuradoras por conta das contradições e irregularidades encontradas em toda a história, a começar pelas notas fiscais emitidas pela Fazenda.

As notas foram encontradas com os motoristas dos dois caminhões apreendidos pela Polícia Rodoviária Federal, no posto junto ao pedágio do quilômetro 207 da Via Dutra, no dia 6 de maio de 2000. Datadas do próprio dia 6 (sábado), as notas já estavam com assinatura de recebimento da mercadoria só que com data de 5 de maio.

Desconfiado, o patrulheiro rodoviário Antônio Carlos da Silva Jacarandá, responsável pela apreensão dos caminhões, foi ao endereço a que se destinava o produto — Rua Monsenhor Félix 746, no bairro de Irajá, no Rio, sede da Deterbrás Detergentes do Brasil — e constatou não existir lugar apropriado para armazenamento de todo o combustível.

Mas não era tudo. Nas notas constava o transporte de álcool químico (produto destinado a fins industriais), enquanto a perícia feita atestou tratar-se de álcool hidratado, próprio para o uso em veículos automotivos.

Sinal de alerta

Curiosamente, quando os caminhões foram levados à Superintendência da Polícia Federal no Rio quem se apresentou para inteirar-se do problema não foi nenhum oficial encaminhado pela Fazenda ou pela Academia em Pirassununga, mas o então major Luiz Eduardo Menezes (hoje tenente coronel), lotado no Rio de Janeiro, que tinha sido acionado pelo tenente-coronel da reserva Manoel Araújo, residente em Pirassununga.

Araújo, mesmo sendo da reserva, disse ter sido avisado da apreensão pelo sargento de serviço na Fazenda. Já o comandante da Academia, Brigadeiro Porto, garantiu no ofício encaminhado à Procuradoria da República que o coronel Araújo soube da apreensão pela empresa transportadora.

A presença de oficiais da aeronáutica, por sinal, já tinha sido anunciada ao patrulheiro rodoviário Jacarandá pelo dono da empresa de transporte do combustível, Carvalho Assessoria Internacional e Transporte Ltda, o comerciante Carlos Alberto de Carvalho — também denunciado. Através do celular de um dos motoristas ele, segundo relata a denúncia, recomendou ao patrulheiro rodoviário que “não levasse a efeito a fiscalização e a retenção da carga, pois alegava que se tratava de combustível pertencente a oficiais da aeronáutica. Também com nítida intenção de pressionar o patrulheiro, afirmava que iria se apresentar dois coronéis da aeronáutica”.


Foi o mesmo Carvalho, durante a conversa telefônica com o patrulheiro rodoviário Jacarandá, quem relacionou à comercialização do combustível aos dois oficiais da Aeronáutica, fornecendo, inclusive, o número do telefone celular do tenente-coronel reformado Araújo.

Apesar disto, Menezes, em sua defesa, alega que não tinha nenhum conhecimento da venda o álcool e que só ficou sabendo de toda a história quando, naquele dia, foi procurado pelo ex-colega de corporação Araújo, pedindo que se inteirasse do que estava ocorrendo na Polícia Federal. Para demonstrar sua isenção no caso, na sua defesa preliminar ele abriu mão de todos os sigilos — telefônico e bancário — de forma a demonstrar que não se relacionava com os demais envolvidos nem teve qualquer ganho econômico além do soldo militar.

As contradições do caso continuaram três dias depois. Durante uma diligência de policiais federais na sede da Deterbrás, o gerente geral, Luiz Antônio Guimarães Teixeira — outro dos réus –, negou que o álcool hidratado fosse para a empresa, apesar de as notas fiscais terem sido expedidas em nome dela. Na ocasião, o gerente ainda explicou, como relata a denúncia, “que há muito tempo não fazia compras da Fazenda da Aeronáutica”.

Também o dono da empresa, Marcelo Miguel Ferreira dos Santos, igualmente denunciado, negou ter sido sua empresa responsável pela compra do combustível. Mas, posteriormente, ambos voltaram atrás em suas declarações iniciais e passaram a admitir a responsabilidade da empresa no negócio que, para as procuradoras, foi irregular.

O motorista de um dos caminhões, Mauro Vivaldo Bandasoli, admitiu ao patrulheiro rodoviário Jacarandá não ser a sua primeira vez transportando produtos da fazenda, tendo feito este tipo de transporte por várias vezes e para várias localidades. Um outro denunciado, Charles Pires da Silva, dono da Química Fina Indústria e Comércio Ltda. — empresa que os representantes da Dertebrás tinham indicado como “verdadeira destinatária do álcool”, antes de Luiz Antônio se desdizer — na polícia, afirmou que seu amigo Carlos Alberto Carvalho, “continua fazendo o transporte deste tipo de combustível junto à Fazenda da Aeronáutica”.

Reincidência

Todos os indícios serviram para convencer as promotoras que, ao contrário do que afirmara o documento da Academia da FAB, aquela não era a primeira venda de álcool retirado da Fazenda.

Mas elas se apegaram à própria declaração dos comandantes da Academia e da Fazenda para concluir que o álcool transportado no dia 6 de maio era desviado irregularmente para ser vendido a postos de gasolina pertencentes a Humberto de Jesus Santos, outro comerciante que aparece como réu no processo.

Na denúncia, elas afirmam: “Estabelecido que a Aeronáutica não efetuava a venda de álcool carburante, e que afirma, contrariando o provado pelas análises da carga apreendida, que o vendido não foi álcool carburante automotivo, mas sim álcool industrial, conclui-se que o álcool em questão foi desviado indevidamente da FAYS, com a colaboração de seus funcionários, e que não foi a primeira vez, mas sim a única que deixou rastros, tanto é que o citado álcool só foi pago mais de um mês após ter sido liberado, em espécie, e por preço inferior ao que consta na nota fiscal”.

É ainda delas o comentário: “a venda em questão estava totalmente em desacordo com a prática admitida pela Fazenda da Aeronáutica e acarretou sérios prejuízos, pois o valor de comercialização do álcool foi bem inferior ao praticado no mercado à época, como informado pela ANP, o que só reforça a total falta de justificativa dessa operação e demonstra que ela atendeu a interesse de outros (os sete primeiros denunciados, isto é, os oficiais da FAB e os comerciantes) e não da Instituição”. Segundo a denúncia, naquela época, o álcool era vendido a R$ 0,791 o litro, enquanto a Fazenda da Aeronáutica cobrou pelo litro R$ 0,43.

Histórico

No dia 12 de maio, dois dias depois da apreensão e um após a instauração oficial do Inquérito Policial presidido pelo delegado Laoir Pinna, da Delegacia de Polícia Federal de Nova Iguaçu, “sem qualquer pedido de restituição”, conforme consta da denúncia, o delegado Pinna determinou a entrega dos cavalos mecânicos dos caminhões a Carlos Alberto de Carvalho, dono da empresa de transportes, “não obstante a documentação apresentada dos veículos estivesse em nome de outras pessoas”, como registraram as procuradoras.

O álcool foi entregue, na mesma data, ao também denunciado Humberto de Jesus Santos, dono da firma Majo Comércio de Óleos Derivados, controladora de três postos no Rio. Ele ficou como fiel depositário do combustível e das carretas que, três dias depois, com autorização do delegado, foram entregues a Carlos Alberto. Em todos estes atos apareceu sempre o mesmo advogado, Danilo de Carvalho Filho que atuou representando tanto Carlos Alberto, como Humberto Jesus, Luiz Antônio (gerente da Deterbrás) e Charles Pinto (dono da Química Fina Industria e Comércio Ltda.).


As promotoras destacaram ainda outra curiosidade: “conquanto todos os envolvidos na negociação afirmem que a operação comercial era lícita, insistem em negar que conheciam a verdadeira natureza do álcool transportado e não identificam quem foi o responsável pelo pagamento do álcool e do seu transporte, o que por si só evidencia que a citada operação nada tem de lícita e que eles tinham conhecimento dessa circunstância”.

Para as duas, de tudo que foi apurado, “verifica-se que o envolvimento de militares no caso não se limita à participação dos dois primeiros denunciados, pois estes não faziam parte do quadro à época da FAYS, de sorte que não tinham ingerência diretamente nas informações oficiais que foram prestadas por essa instituição, pretendendo dar cunho de legalidade a uma negociação totalmente irregular. Não obstante, a não identificação dos demais militares participantes do bando ora denunciado que tinha a finalidade de praticar crimes em detrimento da Fazenda da Aeronáutica, o certo é que o envolvimento dos dois primeiros denunciados (os oficiais da FAB) restou patente”.

Delegados no alvo

O caso da participação de dois oficiais da FAB e cinco comerciantes no transporte e comercialização ilegal de combustível acabou envolvendo no processo os três delegados federais do Rio encarregados do início das investigações em torno do possível desvio de 58,4 mil litros de álcool hidratado da Fazenda da Aeronáutica, em Pirassununga (SP). O trabalho deles, além de duramente criticado pelas procuradoras da República Andréa Bayão Pereira e Andréa Silva Araújo, responsáveis pela denúncia, acabou levando-as a incluí-los no rol dos denunciados, pelos crimes de extração de documento e prevaricação.

Para elas, os delegados cometeram “inúmeros absurdos” que levaram a procuradora Márcia Morgado Miranda, na primeira manifestação do MP no inquérito, já em junho de 2000, determinar que “fossem prestados esclarecimentos sobre a motivação dos atos policiais”.

Segundo a denúncia, “os esclarecimentos prestados pelos policiais denunciados, em razão da intervenção do MPF, só deixaram mais patente a irregularidade dos seus atos, pois as justificativas dadas são simplesmente absurdas e somente a crença na impunidade pode justificá-las, uma vez que afrontam o conhecimento mais comezinho de direito”. As procuradoras se mostraram convencidas de que não fosse a intervenção do MPF e a atuação de um delegado de fora do estado, o trabalho não chegaria ao resultado alcançado, inclusive “proporcionando a melhor constatação dos crimes praticados pelos delegados de Polícia Federal denunciados”.

Este entendimento, porém, não foi compartilhado pela cúpula da Polícia Federal no Rio que, três anos depois, em 2003, instaurou a sindicância n° 25/2003 SR/DPF/RJ para apurar o trabalho de seus delegados. A presidente desta Comissão de Sindicância, delegada Susie Pinheiro Dias de Mattos, propôs o arquivamento da mesma “considerando que todos os procedimentos adotados pelos policiais federais que participaram do inquérito em questão foram realizados dentro das normas que regem os apuratórios neste DPF, entende esta sindicante que nada ocorreu que trouxesse prejuízos à investigação”.

No mesmo sentido opinou o delegado Mauro Fernando Simoneti, da corregedoria, para quem “as precauções e procedimentos adotados pelas autoridades policiais que conduziram, em determinados momentos, o apuratório, instruíram-no com elementos que tornaram possível a continuidade das investigações, inclusive com o indiciamento de Luiz Antônio Guimarães Teixeira, Charles Pires da Silva e Marcelo Miguel Ferreira dos Santos”. Também a favor do arquivamento opinaram o chefe do Núcleo de Disciplina, delegado Paulo Ricardo Oliveira Silva e o então superintendente no Rio, delegado Roberto Precioso.

Apreensão

No dia 6 de maio de 2000, quando da apreensão, pela Polícia Rodoviária Federal, dos dois caminhões com o álcool, estava na delegacia de dia da Superintendência o delegado Carlos Pereira Silva que registrou a ocorrência e ouviu as declarações do patrulheiro rodoviário Antônio Carlos da Silva Jacarandá, do então major Luiz Eduardo Amaral Menezes — que apareceu na superintendência — e de Mauro Vivaldo Bendasoli, um dos motoristas.

Ele apreendeu as duas notas fiscais da Fazenda da Aeronáutica — onde o álcool era classificado como industrial – e o cartão de visita apresentado pelo major. Pereira determinou o encaminhamento do caso para do Delegado Regional de Polícia – segundo na hierarquia da superintendência -, cargo ocupado pelo delegado Jorge José de Araújo Freitas.

Na denúncia, muito embora tenham registrado que o delegado “nada fez em relação aos caminhões e cargas que ficaram à sua disposição, conforme documentos da Polícia Rodoviária Federal”, as promotoras não lhe teceram maiores críticas.


Os dois caminhões retidos no posto da PRF da Via Dutra, assim como os 54,8 mil litros de álcool, só foram oficialmente apreendidos em 10 de maio, quatro dias após o registro do caso, respectivamente pelos delegados Flávio Furtado, responsável pela Delegacia de Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, para onde a ocorrência foi encaminhada, e Laoir Pina, lotado naquela delegacia.

A remessa do registro da ocorrência para Nova Iguaçu foi ordenada pelo delegado Jorge José de Araújo Freitas, na segunda-feira, dia 8. No mesmo despacho ele determinou que fossem extraídas cópias das duas notas fiscais apreendidas – expedidas pela Fazenda da Aeronáutica em nome da Deterbrás -, restituindo-se os originais delas aos responsáveis, mediante termo próprio.

Com isto, atendeu ao pedido de Charles Pires da Silva, um dos denunciados no processo, dono da empresa Química Fina Indústria e Comércio Ltda, que até então não aparecia na história. Ele alegou precisar dos documentos para apresentá-los ao delegado de Nova Iguaçu e poder liberar os caminhões que, naquela data, sequer estavam apreendidos oficialmente.

Coube ao delegado Marcelo Duval Soares, respondendo pela Delegacia de Dia, firmar o auto de entrega, pelo qual os originais das notas fiscais foram devolvidos, segundo as promotoras, “sem qualquer pedido de restituição formal pela suposta interessada (Deterbrás)”, uma vez que Charles não tinha ligação com a empresa. Na denuncia, as promotoras afirmam: “para justificar a entrega das notas fiscais a Charles Pires da Silva, consta cópia de fax remetido à Polícia Federal, com data de 8 de maio de 2000, onde a Deterbrás autoriza a retirada das citadas notas, No fax sequer está identificado o nome do representante legal da Deterbrás que assinou o citado fax, tampouco esse (o fax) se faz acompanhar de cópia do contrato social da Deterbrás”.

A assinatura era do dono da empresa, Marcelo Miguel Ferreira dos Santos que, posteriormente, na polícia, alegou não se lembrar de ter assinado tal documento, “embora reconhecesse a semelhança da assinatura”.

Para a Polícia Federal, o fato de o delegado ter providenciado a cópia das notas fiscais antes de liberá-las mostra que não houve dolo ou má fé na sua ação. É o que expôs o delegado Paulo Ricardo, chefe do Núcleo de Disciplina, três anos depois, ao concordar com o arquivamento da sindicância.

Segundo ele, “a extração de cópia das notas fiscais e a devolução dos seus originais denotam a ausência de dolo quanto ao tipo descrito no art. 319 do Código Penal (extravio de documento), isto porque, ao determinar a sobredita devolução, entendia que as cópias seriam eficazes para a pertinente persecução penal. Demais disso, não exsurgiram demonstrados os elementos subjetivos do tipo em questão, quais sejam, o interesse e o sentimento pessoal para praticar o aludido ato, pelos seguintes motivos: não ficou evidenciada a percepção de nenhuma vantagem pessoal, seja moral, seja material, por parte do servidor; e não resultou provado que o servidor nutrisse sentimentos de simpatia, amizade, ódio, vingança, despeito, dedicação, caridade ou pena em relação aos investigados”.

Raio-X

Ao protocolar a denúncia, em setembro de 2003, as procuradoras desconheciam o resultado da sindicância administrativa que só chegou aos autos quando da defesa preliminar dos envolvidos. Mas elas tiveram entendimento diverso sobre a atuação do delegado Freitas e suas explicações no inquérito. Elas afirmam que “os esclarecimentos prestados pelo denunciado (delegado Freitas) inovaram o Código de Processo Penal criando a categoria de restituição provisória, sem qualquer prévia manifestação do MPF, de documento que à toda a evidência interessava à investigação que ele determinou que fosse realizada. A motivação apresentada para a prática de atos contrários à expressa disposição legal, por sua vez, foi vacilante. Ora afirma que determinou a devolução das notas fiscais para que os bens fossem liberados. Ora afirma que determinou a restituição das notas fiscais para que fossem entregues à Autoridade Policial, o que não acarretava qualquer prejuízo, uma vez que os caminhões e o produto estavam devidamente apreendidos, o que não é verdade. Até aquele momento, o que estava apreendido pela Polícia Federal eram os originais das notas fiscais. O caminhão, as carretas e a carga estavam na Polícia Rodoviária Federal e a Polícia Federal só apreendeu os veículos, carreta e carga no dia 10 de maio de 2000”.

Elas também criticaram o valor dado pelo delegado Freitas ao depoimento do major Menezes “em detrimento do depoimento do patrulheiro rodoviário que trazia fatos que deviam ser investigados e colocavam em cheque a verdadeira motivação do major Menezes ao comparecer à Polícia Federal no dia da retenção do álcool”.


Com relação ao delegado Marcelo Duval, as procuradoras entenderam que “além de atender ordem manifestamente ilegal, ou seja, restituir documento que interessava à investigação, sem prévia manifestação do MPF, ele se contentou com um fax, em que supostamente a Deterbrás, a destinatária das notas fiscais, representada por pessoa que não estava qualificada e cuja assinatura era ilegível e sobre a qual não existia qualquer garantia que fosse representante da empresa, pois ausente o contrato social, autorizava a entrega das notas fiscais a Charles Pinto da Silva, indicado no citado fax como a pessoa autorizada a retirar tais documentos, para que os caminhões seguissem até a Deterbrás”.

Na sua defesa preliminar, o delegado Duval alega que “procedeu à restituição mediante termo de entrega ao representante da empresa, então qualificado devidamente. E, por zelo, de iniciativa própria, de tudo extraiu cópia, de modo a garantir, se necessário, eventual investigação. É inquestionável, portanto, que agiu legitimamente, cumprindo ordem superior que, à evidência, não era manifestamente ilegal”.

Já o delegado Laoir Pina foi denunciado por prevaricação por ter feito a liberação dos bens apreendidos sem a expressa manifestação do Ministério Público. Em sua defesa, ele alega que no dia 16 de maio a procuradora da República Márcia Morgado, diante de uma solicitação feita pelo advogado Danilo de Carvalho Filho, e sem que o inquérito ainda estivesse chegado na Procuradoria, remeteu o pedido ao delegado recomendando a adoção “das providências que entender cabíveis”. Ela, portanto, não se manifestou oficialmente sobre as liberações que já tinham iniciado quatro dias antes.

Quanto à liberação do combustível, a defesa de Pinna argumenta que o material apreendido estava no Posto da Polícia Rodoviária, sem estrutura e segurança para guardar 58 mil litros de combustível, o que expunha a perigo os policiais e usuários da rodovia. Além disto, garante que a Petrobrás, consultada verbalmente, alegou impossibilidade de receber toda aquela quantidade de álcool.

A crítica das procuradoras à atitude de Pinna é, entre outros motivos, por ele ter aceitado a sugestão de um dos envolvidos — Carlos Alberto — apontado como responsável pela indicação de Humberto de Jesus como fiel depositário do álcool. Humberto, dono de postos, colocou o combustível em “rodízio operacional”, ou seja, o comercializou.

Segundo as procuradoras, “a colocação do álcool em rodízio operacional (…) aliada à falta de assinatura de termo de responsabilidade do depositário, tal como determinado no artigo 120, parágrafo 5° do CPP, e a aceitação, pelo delegado federal, de pessoa indicada por um dos investigados, ou seja, pelo denunciado Carvalho, para ser depositário, a despeito do mencionado artigo também determinar que seja pessoa idônea, ou seja, adequada, é indício suficiente para afirmar que o delegado Pinna atuou em conluio com os demais denunciados, com a finalidade de assegurar-lhes a vantagem obtida com o crime”. Elas destacam ainda que a falta de assinatura do termo de compromisso pelo fiel depositário do álcool “foi a deixa para a colocação por parte dele (Humberto) do álcool em rodízio operacional e assim usufruir imediatamente do produto do crime”.

A situação de Pinna no processo, porém, parece ser a mais tranqüila. Como ele foi denunciado por crime de prevaricação — pena de três meses a um ano — o próprio Ministério Público levanta a possibilidade da suspensão da pena. Talvez nem isto seja necessário, já que tendo sido a denúncia recebida agora em julho, mais de quatro anos da data dos fatos, o que pode caracterizar a prescrição do crime.

Processo nº 200.510509101-4 — 5ª Vara Criminal Federal

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