Triângulo amoroso

Passe do jogador Rogério é do Palmeiras, entende TRT paulista.

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23 de julho de 2004, 20h04

Uma jogada guardada na manga pelo Palmeiras pode dar novos rumos ao resultado da partida disputada entre o jogador Rogério e o Corinthians nos campos do Judiciário. É que em paralelo à ação movida pelo lateral para ter seu passe liberado pelo time do Parque São Jorge e poder jogar no Sporting, de Portugal, corre um processo em que o Palmeiras também pleiteia os direitos pelo passe do jogador.

O imbróglio remete ao ano de 2000, quando Rogério ajuizou uma medida cautelar com o objetivo de se transferir do Palmeiras para o Corinthians. O time do Parque Antártica, então, dividia o passe do jogador com o União São João, de Araras.

Na época, a Justiça converteu o pedido de cautelar em ação com pedido de tutela antecipada e concedeu o direito ao lateral para que fosse inscrito no time do Parque São Jorge. Ela declarou a inconstitucionalidade da lei do passe e determinou que a questão dos valores contratuais deveria ser decidida entre os clubes.

Com o intuito de reverter a decisão, o Palmeiras, por meio dos advogados Luis Carlos Moro e Cid Flaquer Scartezzini Filho , da Moro e Scalamandré Advocacia, entrou com uma ação de natureza civil em 2002 contra o Corinthians e Rogério. Nela, pleiteou o pagamento do correspondente ao valor do passe do jogador na época (R$ 8,640 milhões), além de indenização por perdas e danos.

No último acórdão relativo ao processo, o Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo, decidiu pela ineficácia da tutela antecipada que autorizou o jogador a se transferir para o Corinthians, entendendo como “extinto o processo sem julgamento de mérito”. O jogador recorreu ao Tribunal Superior do Trabalho, mas a ação ainda aguarda julgamento.

Com a pendência de decisão na última instância, o passe jogador continua, na prática, sendo do Palmeiras. “O Corinthians entende que o seu contrato com o Rogério é vigente, mas diante da decisão que o Palmeiras tem em mãos a validade desse contrato é questionável”, diz Moro.

Segundo Moro, o Palmeiras pode, inclusive, apresentar uma espécie de intervenção de terceiros caso o jogador consiga reverter a decisão que proíbe a ida de Rogério para o Sporting. “Ao deixar o país ele pode prejudicar a execução da determinação da Justiça”.

Confusão no meio de campo

No dia 21 de julho, a juíza Olívia Pedro Rodriguez, titular da 20ª Vara do Trabalho de São Paulo, negou liminar pedida pelo jogador Rogério, para liberar seu contrato de trabalho com o Corinthians.

A contratação do jogador no Sporting Lisboa, apesar de anunciada no dia 21 de julho, estava dependendo desta liminar. Agora, na prática, o contrato não poderá ser fechado.

Leia a íntegra do acórdão

RECURSO ORDINÁRIO DA 26ª VARA DO TRABALHO DE SÃO PAULO.

RECORRENTE: SOCIEDADE ESPORTIVA PALMEIRAS.

RECORRIDO: ROGERIO FIDÉLIS RÉGIS.

Ementa: “CONVERSÃO DE AÇÃO CAUTELAR EM AÇÃO PRINCIPAL – Impossibilidade – Afronta aos princípios da inércia, do devido processo legal e do contraditório. O objetivo da jurisdição é a pacificação com justiça e para tanto, ainda que se entenda que a ciência processual deve ser elaborada sempre à luz do direito substancial e em função dele, em nítida visão instrumentalista do processo, não há como se perder de vista que o processo tem caráter ético; (…); A manutenção de um clima de segurança exige também o respeito à legalidade no trato do processo pelo juiz, nada autorizando o entendimento de que tenha função criadora do direito, mormente o processual cujas regras são de ordem pública.”

Inconformada com a R. sentença de fls.858 que julgou procedente em parte a reclamatória, recorre a recda. ordinariamente, alegando que: preliminarmente, nulidade do julgado, eis que a ação foi proposta foi uma cautelar inominada, sendo certo que depois de contestado o feito, o Juízo houve por bem convertê-la em ação principal; que deve ser extinta a ação, devendo o recte. ser condenado a indenizar a recda. dos prejuízos; no mérito, a ação proposta foi cautelar e portanto, não se cogita de liminar satisfativa e tampouco de antecipação de tutela; que a recorrente cumpriu todas as obrigações legais; pretende lhe seja concedida tutela antecipada e a improcedência da ação.

Tempestividade observada.

Contra-razões às fls.1116.

A D. Procuradoria opina às fls. 1179.

É o relatório.

V O T O

Conheço do recurso porque preenchidos os pressupostos de admissibilidade.

Da nulidade do julgado.

Sustenta a recda. preliminarmente, nulidade do julgado, tendo em vista que proposta e contestada ação cautelar inominada, houve por bem o Juízo de primeiro grau convertê-la em ação principal.

Que embora tenha reconhecido a impropriedade da ação proposta, visto ter a mesma nítido caráter satisfativo, converteu a ação, sustentando que o fazia por economia processual, vindo a deferir tutela antecipada no sentido pretendido pelo autor.


Que tal conduta afronta os princípios constitucionais do processo, de sorte que o processo deve ser julgado extinto sem apreciação do mérito.

Com efeito, o exame dos presentes autos revela uma sucessão de equívocos, que não apenas resultam em prejuízo as partes, mas colocam em xeque a própria atividade jurisdicional e sua função pacificadora.

Veja-se que o recte. ajuizou ação cautelar inominada, pretendendo liminar que lhe possibilitasse atuar em outra agremiação, sob o fundamento de que ingressaria com ação principal pretendendo declaração de liberdade de vínculo. Portanto, dúvida inexiste quanto a tutela pretendida pelo autor.

O Juízo de origem às fls. 164 indeferiu o pedido liminar por não vislumbrar a existência de perigo na demora, tendo fundado seu entendimento no fato de que a requerida não poderia tornar ineficaz a concessão do passe livre. Sendo assim, determinou a citação da recda. que ofereceu defesa ao pedido cautelar.

Às fls. 397 e de modo inusitado, mesmo reconhecendo a impropriedade da medida, o Juízo entendeu de transformar a ação cautelar em ação principal, e mais, deferiu tutela antecipada, que aliás sequer foi requerida. Note-se que o autor pretendeu medida liminar em sede cautelar, o que a evidência não se confunde com antecipação de tutela.

Neste passo, se iniciam um sem número de incidentes e de medidas judiciais, que a evidência apenas serviram para tumultuar o feito, e tudo em desprestígio e com o concurso ainda que involuntário, do Poder Judiciário.

Não é demais lembrar, que é a atuação do direito o escopo jurídico da jurisdição, direito emanado do próprio Estado e que não está desvinculada dos fins social e político. Superar o litígio, afirmar o poder estatal ao aplicar a regra ao caso concreto inclui necessariamente a efetividade do comando, sob pena do Estado perder autoridade e remanescer desprestigiado.

Todavia, a atuação do direito não se faz senão mediante provocação, já que a jurisdição é inerte, e a existência da lide é uma característica na atividade jurisdicional.

São as pretensões insatisfeitas que levam o interessado ao Poder Judiciário reclamando uma solução. Bem por isso, não apenas se garante uma estrutura para atender aos reclamos, quando ocorrentes os conflitos, mas também o acesso à justiça e o direito de ação, para que o interessado obtenha uma sentença de mérito.

A efetivação ou realização do direito justo somente se faz através do processo devidamente estruturado. É o chamado devido processo legal, que vai garantir que sejam deduzidas todas as pretensões e resistências, e possibilitar a efetivação da tutela do Estado, com eliminação dos conflitos interindividuais, com o objetivo de atingir a pacificação.

Surge portanto a necessidade de se colocar as várias espécies de tutela jurisdicional e que se manifestam através do processo.

Sabido que não se confunde a tutela do processo de conhecimento, com aquelas do processo de execução e do processo cautelar.

Na tutela do processo de conhecimento nos deparamos com cognição exauriente, devendo o julgador apreender todos os fatos pertinentes ao litígio, todos os aspectos jurídicos da questão, para então declarar o direito aplicável a espécie. Tal acertamento é o resultado final, onde o julgador atribui a cada qual dos litigantes o que lhe corresponda. Ainda que se agregue um elemento condenatório ou constitutivo, a declaração é o produto final do provimento jurisdicional.

No processo cautelar surge a tutela da segurança como valor em si mesmo. O que está posto em risco é o resultado útil do próprio processo, seja de conhecimento ou de execução, e neste aspecto o pressuposto é a existência de um outro processo dito principal, de tal sorte que a cognição existente é sumária e não exauriente, e o juízo calcado em probabilidade e não em certeza.

Tem a tutela cautelar função instrumental, sendo provisória, fungível e dependente da verificação de uma situação de perigo ou urgência. Calcada em cognição sumária não se destina a conceder antecipadamente aquilo que é o objeto do processo principal, mas antes a assegurar que neste se obtenha a justa composição da lide.

Daí, que mesmo a exigência legal da indicação na petição inicial da ação cautelar, da lide e de seus fundamentos, tem sede no fato de que é da descrição daquilo que se quer acautelar que se constata a existência ou não, do “fumus boni iuris”, ou seja, a viabilidade ou probabilidade do direito de ação afirmado e que se encontra em risco.

Portanto, não se detém o juízo na verificação do direito material afirmado, eis que tal conhecimento somente se pode dar no processo adequado, em cognição exauriente, com amplo contraditório e que tem por objetivo definir, dando a cada um aquilo que lhe corresponda.


Ao revés, a cognição permanece na apreciação do risco existente ao direito de ação que se pretende exercer ou que já se exerce, e que pode tornar impossível se efetivado o prejuízo, a que se chegue à justa composição da lide

Não há como se entender que o Juízo, afrontando os princípios da inércia, do devido processo legal e do contraditório, venha a instituir a fungibilidade de processos, olvidando-se da finalidade de cada um, pretendendo colocar dentro do processo cautelar, cujo procedimento é sumário dada a sua destinação, tudo aquilo que se contem no processo de conhecimento.

Nem se argumente com a economia processual, vez que ao julgador não incumbe legislar, adaptar ou misturar processo, vez que estes não se cumulam. Não se trata igualmente de transformar procedimento, o que se dá apenas dentro do mesmo processo, e mediante autorização legal.

De outra parte, transformar processo cautelar em processo de conhecimento para em seguida, sem qualquer fundamento ou pedido, deferir tutela antecipada, configura outra violação aos princípios que informam o processo e desatenção a requisitos próprios e específicos que devem estar preenchidos para sua concessão.

Embora também a tutela antecipatória se dê em sede de cognição sumária, seja provisória e fungível, não tem caráter instrumental e tem conteúdo nitidamente satisfativo. Mais ainda, o juízo é de probabilidade, exigindo a lei o preenchimento de requisitos positivos e negativos para sua concessão.

Assim, o ” fumus boni iuris” exigido é mais do que aquele da ação cautelar, vez que o juízo haverá que aferir objetivamente a antecipação pretendida, pesando no espírito do julgador mais as afirmativas do que as negativas do fato. Ou seja, não poderá o julgador se esquecer que se houver risco de irreversibilidade não mais estará legitimada a concessão.

A distinção se vislumbra muito mais pela ótica funcional, do que pela ótica estrutural, visto que tanto a tutela antecipatória quanto a cautelar, concedem antecipadamente aquilo que é o objeto da pretensão.

O interessante é que no caso, o Juízo alterou a ação sem consentimento de qualquer das partes, desconsiderou que a defesa da recda. se dera em sede cautelar e não de ação ordinária, deferiu antecipação de tutela sem que fosse postulada e julgou o mérito que seria da ação principal, jamais proposta.

Se ao autor é defeso modificar o pedido depois de contestado o feito, se novas alegações somente são admissíveis nos termos do art. 303 do Código de Processo Civil, se o processo começa por iniciativa da parte ( art. 262 do CPC), se não pode o juiz decidir novamente as questões já decididas, como se poderia entender inexistir nulidade quando tantos dispositivos foram violados pelo próprio órgão jurisdicional.

Veja-se que foi o Juízo que modificou o pedido, alterou o âmbito das alegações e isto depois de contestado o feito. Mais ainda, tendo despachado a inicial e recebido a ação como cautelar, modificou sua decisão recebendo-a novamente como ação ordinária. Deferiu o que não foi pedido e deu provimento mais amplo que o pretendido.

Finalmente, olvidou-se do quanto contido no art. 295, V c/c com o art. 267, I do Código de Processo Civil, que determina a extinção do processo sem julgamento do mérito, quando o procedimento não corresponder à natureza da causa, o que conduz ao indeferimento da petição inicial.

Como já assinalado, o objetivo da jurisdição é a pacificação com justiça e para tanto, ainda que se entenda que a ciência processual deve ser elaborada sempre à luz do direito substancial e em função dele, em nítida visão instrumentalista do processo, não há como se perder de vista que o processo tem caráter ético. Que numa concepção axiológica, como instrumento de garantia de direitos, deve assegurar a prevalência de valores como liberdade e justiça.

A manutenção de um clima de segurança exige também o respeito à legalidade no trato do processo pelo juiz, nada autorizando o entendimento de que tenha função criadora do direito, mormente o processual cujas regras são de ordem pública.

Entendo assim, por tudo que dos autos consta que o autor escolheu o procedimento inadequado, o que leva inexoravelmente a extinção do processo sem julgamento do mérito.

Acolho a argüição de nulidade, de sorte que haverão as partes que ser restauradas ao estado em que se encontravam anteriormente, restando ineficaz a tutela antecipada concedida, cessando seus efeitos imediatamente, por força da presente decisão.

Do exposto, dou provimento ao recurso para acolhendo a preliminar de nulidade, julgar extinto o processo sem julgamento de mérito, tornando ineficaz a tutela antecipada concedida, restauradas as partes ao estado em que se encontravam anteriormente, tudo nos termos e observada a fundamentação. Custas em reversão na forma da lei.

Maria Inês M. S. A. Cunha

Juíza Relatora

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