Corte de Haia

Tribunal Penal Internacional tem ganhado cada vez mais autonomia

Autor

  • Antonio Baptista Gonçalves

    é advogado pós-doutor em Desafios en la postmodernidad para los Derechos Humanos y los Derechos Fundamentales pela Universidade de Santiago de Compostela pós-doutor em Ciência da Religião pela PUC/SP pós-doutor em Ciências Jurídicas pela Universidade de La Matanza.

22 de julho de 2004, 15h11

Os tempos em que figuras históricas célebres, tanto pelas suas glórias, como por suas atrocidades, tais como Napoleão Bonaparte, Adolf Hitler, Fidel Castro, Alberto Fujimori, Augusto Pinochet, Saddam Hussein, dentre tantos outros, eram reverenciados em seus países por seus feitos, mas açoitados pelo mundo pelos crimes contra a humanidade e, contudo, permaneciam impunes, está chegando ao fim.

Isto porque o Tribunal Penal Internacional, também conhecido como Corte de Haia vem ganhando considerável autonomia. E o exemplo mais claro é o julgamento do ex-presidente da antiga Iugoslávia Slobodan Milosevic. No qual vem respondendo a processo por crimes contra a humanidade.

Esse julgamento representa um marco na defesa do homem e de seus direitos fundamentais. E este Tribunal reflete a tentativa da comunidade internacional de julgar e punir pessoas que cometam crimes contra a humanidade, tendo como missão fundamental evitar a impunidade, com espelho num passado não tão longínquo.

O estabelecimento e fortalecimento do Tribunal Penal Internacional representam uma grande forma de compensar as vítimas e sobreviventes de crimes bárbaros, atrozes e até então sem culpados. E, além disso evitar que estas barbáries se repitam no futuro. Como afirmou o Secretário-Geral das Nações Unidas, Kofi Annan: “Esperamos que, ao punir os culpados, o TPI de algum consolo às vítimas sobreviventes e às comunidades que foram visadas pelos seus atos. E, o que é mais importante, esperamos que dissuada futuros criminosos de guerra e contribua para que esteja mais perto o que dia em que nenhum governo, nenhum Estado, nenhuma junta e nenhum exército poderão violar impunemente os direitos humanos.”

O Tribunal Penal Internacional foi criado na “Conferência Diplomática de Plenipotenciários das Nações Unidas sobre o Estabelecimento de um Tribunal Penal Internacional”, realizada na cidade de Roma, entre os dias 15 de junho a 17 de julho de 1998. Precisamente, essa criação ocorreu no último dia da Conferência, mediante a aprovação do Estatuto do Tribunal, com 7 votos contrários, dentre estes, o dos Estados Unidos, da China, da Índia e de Israel, 21 abstenções, mas com 120 votos a favor, vinculando-se ao TPI (art. 126 do Estatuto), de acordo com suas normas de competência interna para a celebração de tratados. A data de entrada em vigor foi o dia 1° de julho de 2002.

Tal aprovação ocorreu exatamente, no ano em que se “comemoram” os 50 anos de edição da Declaração Universal dos Direitos Humanos, documento em trinta artigos que inicia categoricamente afirmando: “Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos”. Com o intuito de proteção da pessoa humana, da sua dignidade e do seu bem estar, e para provar aos grandes ditadores que ninguém está acima da lei, pois acima do homem tem-se os direitos e garantias individuais.

O Tribunal Penal Internacional será um órgão permanente capaz de investigar e julgar indivíduos, mas não Estados, acusados das mais graves violações de direito internacional humanitário, os chamados crimes de guerra, de crimes contra a humanidade ou de genocídio. Todavia, terá competência para julgar os crimes cometidos depois de o Estatuto entrar em vigor, em Julho de 2002.

O genocídio: matar membros de um grupo ou comunidade étnica; provocar lesões a membros do mesmo grupo; submeter a maus tratos que comportam a destruição física total ou parcial do grupo étnico; impor medidas anticoncepcionais ou capazes de causar a esterilidade; transferir forçadamente grupos de crianças para um grupo diferente.

Os crimes contra a humanidade incluem homicídio, extermínio, escravidão, deportação, aprisionamento com violação das normas do direito internacional, torturas, estupro, escravidão sexual, prostituição forçada, violência sexual, perseguição de grupos ou comunidades por motivos políticos, raciais, culturais, religiosos, desaparecimentos forçado de uma ou mais pessoas,apartheid, atos inumanos que provocam graves sofrimentos.

Os crimes de guerra abrangem as infrações graves das Convenções de Genebra e outras violações das leis e costumes que podem ser aplicados nos conflitos armados internacionais e nos conflitos armados “que não tenham um caráter internacional”, enumerados no Estatuto, quando são cometidos no contexto de um plano ou uma política ou em grande escala.

Embora, tenha havido um interesse considerável em incluir o terrorismo no mandato do Tribunal, acabou por se decidir não o fazer. Hoje, para além dos vários tratados que proíbem muitos atos concretos de terrorismo, e na seqüência do 11 de Setembro de 2001, os Estados Membros da ONU empreenderam a redação de uma convenção geral contra o terrorismo. Numa futura conferência de análise, se os Estados Partes assim o decidirem, o crime de terrorismo poderá vir a ser acrescentado à competência do Tribunal.

O apoio ao Tribunal deve ser o mais amplo possível, além dos Estados-Partes terem de adotar legislação interna complementar para permitir uma plena cooperação com o TPI. Muitos acreditam que tais legislações em si mesmas representam um grande avanço do Estado de Direito, ao combater a impunidade e prevenir e reduzir a comissão desses crimes no século XXI (1).

Quando um Estado ratifica o Estatuto, concorda em aceitar a competência do TPI para julgar os crimes enumerados no Estatuto de conformidade com o artigo 25. O TPI pode exercer a sua competência em situações em que se verifique uma das seguintes condições: uma ou mais partes envolvidas são Estados Partes; o acusado é um cidadão nacional de um Estado Parte; o crime foi cometido no território de um Estado Parte;

Além disso, o Estatuto define rigorosamente a competência do TPI. Este Tribunal foi instituído com base no princípio da complementaridade, o que significa que só pode exercer a sua competência quando um tribunal nacional não puder ou não estiver disposto a fazê-lo verdadeiramente. Os casos serão canalizados em primeiro lugar para os tribunais nacionais.

O TPI não foi de modo algum criado para substituir a autoridade dos tribunais nacionais. Mas pode haver situações em que o sistema judicial de um Estado entre em ruptura ou deixe de funcionar. Também pode dar-se o caso de haver governos que tolerem uma atrocidade ou inclusivamente participem nela ou de haver funcionários que se mostrem relutantes em instaurar um processo judicial contra alguém que esteja numa posição de grande poder ou autoridade.

Entretanto, o infrator não terá o mesmo destino das vítimas de seus crimes, porque a pena máxima prevista no Estatuto é a prisão perpétua.

Não poderia deixar de ser analisada a postura norte-americana de não ratificar o Tratado, mesmo posição adotada no Protocolo de Kyoto, ao qual havia um comprometimento à redução de emissão de gás carbono.

A negativa em ambos os casos apenas reflete o temor do governante dos Estados Unidos de quem venha a ser julgado pelo próprio Tribunal, pois ao ratificar está sujeito a competência deste. E depois de acontecimentos como as bombas atômicas de Hiroshima e Nagasaki, e mais recentemente às duas guerras do golfo, na qual foram manchetes no mundo inteiro práticas de tortura dos soldados norte-americanos a civis iraquianos, a postura adotada, de acordo com a mentalidade cultura daquele país fora acertada, vez que o presidente George W.Bush, vem coletando indícios e evidências contrárias a sua pessoa, como se ao não ratificar antevisse o que estava por vir.

Como bem disse Hans-Jörg Behrens, o Estatuto do Tribunal Penal Internacional é, em muitos aspectos, uma quebra dos paradigmas existentes. Não apenas porque codifica partes do direito penal internacional, inclusive uma parte de princípios gerais a ser aplicada em todos os casos,mas porque também estabelece uma série de regras para o procedimento que deve ser seguido na investigação e no julgamento. Pela primeira vez, os grandes sistemas legais do mundo foram convidados a estabelecer um código de processo que seja aceitável por todos eles(2).

A instituição deste Tribunal representa uma grande vitória, pois supre uma lacuna até então existente que era a falta de um sistema internacional capaz de punir os grandes governantes.

Creio que quem ganha é o cidadão em si, pois seus direitos individuais estarão salvaguardados de atrocidades como as da Segunda Guerra Mundial, e dos grandes regimes ditatoriais, um grande avanço para a comunidade internacional e para a democracia.

Notas

(1) http://www.mj.gov.br/sal/tpi/default.htm

(2) Investigação, julgamento e recurso. In Tribunal Penal Internacional. São Paulo: RT, 2000, pág. 63.

BIBLIOGRAFIA

CHOUKR, Fauzi Hassan & AMBOS, Kai (organizadores) TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL. São Paulo: RT, 2000.

DAHER, Marlusse Pestana. Tribunal Penal Internacional, in http://www.trlex.com.br/resenha/marlusse/tribpen.htm

REVISTA MUNDO MISSÃO, março de 2004, ano 11, n° 80.

Tribunal Penal Internacional, in http://www.dhnet.org.br/direitos/sip/tpi

Tribunal Penal Internacional: lista de complementação para uma implementação eficaz. In http://web.amnesty.org/aidoc/ aidoc_pdf.nsf/Index/IOR400112000PORTUGUESE/$File/ IOR4001100.pdf.

Tribunal Penal Internacional, in www.onuportugal.pt/Tribunal_N.pdf

Autores

  • Brave

    é advogado, doutorando em Filosofia do Direito (PUC), mestre em Filosofia do Direito (PUC), especialista em Criminologia pelo Istituto Superiore Internazionale di Scienze Criminali, especialista em Direito Penal Econômico Europeu pela Universidade de Coimbra, pós-graduado em Direito Penal — Teoria dos Delitos (Universidade de Salamanca), pós-graduado em Direito Penal Econômico na Fundação Getúlio Vargas.

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