Corrida geral

MP paulista tenta suspender reajuste da Itauseg Saúde

Autor

22 de julho de 2004, 17h40

A exemplo do que já foi feito com outros planos de Saúde, como Bradesco e Sul América, o Ministério Público de São Paulo ajuizou, nesta quinta-feira (22/7), Ação Civil Pública, com pedido de liminar, contra a Itauseg Saúde.

A ação está assinada pela promotora de Justiça Telma Christina Abrahão Veiga. Ela pede que a empresa atenha-se ao aumento regimental de 11,75% em seu plano de saúde. No país, há mais de dez liminares que proíbem o aumento de planos de saúde e fixam o limite de reajuste em 11,75%.

Leia o pedido:

Excelentíssimo Senhor Doutor Juiz de Direito da ___ Vara Cível da Capital

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO, pela Promotora de Justiça do Consumidor abaixo assinada, vem, perante Vossa Excelência, na conformidade dos artigos 129, III da Constituição Federal, 5º e 12º da Lei da Ação Civil Pública e artigos 81 e 82 do Código de Defesa do Consumidor, propor a AÇÃO CIVIL PÚBLICA com pedido liminar em face de ITAUSEG SAÚDE S.A., CNPJ no. 04.463.083/0001-06, com sede na Praça Alfredo Egydio de Souza Aranha, nº 100, Torre Itauseg, São Paulo, Capital, pelos fatos e fundamentos que se seguem:

1-Da legitimidade:

A legitimidade do Ministério Público decorre da sua missão constitucional de defesa do consumidor, especialmente, a de propor ações civis públicas em defesa dos direitos difusos e coletivos (art. 129, III da Constituição Federal).

Na esfera infraconstitucional, a legitimidade decorre do Código de Defesa do Consumidor, pois a combinação dos artigos 81 e 82 permitem o ajuizamento de ação civil de qualquer natureza, cujos objetivos são em resumo o de defesa e prerrogativas dos consumidores.

Vejamos:

“Ementa: MINISTÉRIO PÚBLICO – LEGITIMATIO AD CAUSAM – CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR – O representante do Ministério Público tem legitimidade para ajuizar ação civil pública objetivando impedir a majoração de preços das mensalidades de plano de saúde, tendo em vista o disposto nos arts. 81 e 82 da lei 8078/90, sendo irrelevante tratar-se de ato praticado contra determinado grupo de pessoas, pois o pedido visa a proteção do direito difuso ou transindividual.” (1)

Da mesma forma o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo:

“Apelação cível: Planos de saúde- Ação civil pública promovida pelo órgão ministerial julgada procedente- Preliminares de legitimidade ativa do Ministério Público e nulidade da sentença rejeitada – ré que praticou aumentos de preço de seus serviços postos aos consumidores sem observar a periodicidade mínima anual, prevista no contrato padrão- Inadmissibilidade – Recurso não provido”(2).

Por fim, ressalte-se que a lei da ação civil pública autoriza o ajuizamento da ação em defesa dos consumidores, assim como o requerimento de medida liminar em defesa da coletividade.

A legitimidade relaciona-se ao objeto da ação, pois a ré mantém ainda na sua carteira de segurados, milhares de contratos firmados anteriormente à Lei 9.656/98 (LPS), estatuto regulador dos planos de saúde.

A dimensão da presente demanda, pode ser medida pela notória grandeza da atividade da ré, reconhecidamente uma das maiores operadoras da área, atuando em todas as unidades da federação, envolvendo milhares de interesses que se encontram dispersos no país.

O traço coletivo da presente demanda é que os contratantes mantêm com a ré, em sentido genérico um mesmo tipo de contrato, especialmente que permite a operadora à aplicação de índice de reajuste fixado unilateralmente (variação dos custos médico-hospitalares).

Além disso, os interesses dos consumidores têm contornos de homogeneidade a que se refere o artigo 81, III do CDC, na medida em que o reconhecimento da demanda acarretará direito ao ressarcimento individualizado dos valores indevidamente pagos pelos consumidores.

2-Dos fatos:

A ré, basicamente, no último mês de junho remeteu aos consumidores, carta modelar na qual menciona expressamente que “ a mensalidade do seu plano de saúde será significativamente aumentada” e que “ esse reajuste tornou-se necessário em virtude da defasagem acumulada nos últimos anos” (fls. 46)

.

Comunicou, então, que a mensalidade seria reajustada em 85,1% (oitenta e cinco virgula um por cento), sem demonstrar convenientemente a razão do reajuste, limitando-se a, genericamente, asseverar basicamente que “ essa correção deve-se à evolução dos custos médico-hospitalares, à idade média da carteira e à limitação de aumentos nos últimos anos”. (fls. 46 verso)

Menciona também a referida carta que tal reajuste está fundamentado em decisão do Supremo Tribunal Federal que, conforme entende, ao suspender a aplicação do artigo 35-E da Lei nº 9656/98, teria autorizado o reajuste nos moldes pretendidos e sem que estivesse sob o controle da ANS (Agência Nacional de Saúde suplementar), o que, evidentemente, não corresponde inteiramente à verdade, pois a decisão do Supremo Tribunal Federal, como será adiante demonstrado, não tem a abrangência que a requerida pretende lhe atribuir.


Em razão de sua interpretação equivocada acerca da decisão do STF na mencionada Ação Direta de Inconstitucionalidade, a requerida menciona também que a mensalidade voltará a ser cobrada com base na experiência estatística permanentemente observada pela Itauseg Saúde. Como se o Supremo Tribunal Federal houvesse autorizado reajustes exorbitantes, resultantes de cláusulas abusivas que, na prática, como mencionado na missiva da requerida, resultam em alteração unilateral de preço e do conteúdo e qualidade do contrato, o que é expressamente vedado pelo Código de Defesa do Consumidor (artigo 51, incisos X e XIII).

É importante esclarecer, que tal comunicação de reajuste, ocorreu durante oferta feita pela requerida, dentro do denominado Programa de Incentivo à Adaptação dos Contratos (PIAC), que encontra-se agora suspenso pela Justiça Federal, em razão de ser ele, em inúmeras situações, deveras prejudicial ao consumidor.

Assim, ao mesmo tempo em que comunicava ao consumidor o abusivo aumento, a requerida ofertava-lhe, como alternativa, a migração para outro contrato, muito mais caro, dizendo que o referido PIAC autorizava-lhe a tal, o que é parcialmente verdade.

Com efeito, nas regras do PIAC, há realmente a possibilidade de oferta de migração para os planos com despesas que superem 90% das receitas que, segundo afirma, é o caso da requerida. Nestes casos, permitem as regras do referido programa, a dispensa da oferta de adaptação do contrato antigos ao sistema da Lei dos Planos de Saúde, prerrogativa de que fez uso a requerida, sem, contudo, informar convenientemente aos consumidores sobre outros aspectos relevantes.

Aliás, a prática da requerida vem sendo comum às operadoras de plano de saúde. A pretexto de estarem cumprindo determinações da ANS, dentro do hoje suspenso Programa de Incentivo à Adaptação dos Contratos (RN 64 de 22 de dezembro de 2003 – fls. 64/71), e de estarem baseadas em decisão do Supremo Tribunal Federal (ADIN 1.931-8 – fls. 57/58), as empresas enviaram aos consumidores correspondências oferecendo um novo contrato (migração), por preço muito superior, ou noticiando que, em caso de não aceitar a tal migração, seu contrato antigo sofrerá abusivo aumento de preço. Foi o que fez a requerida.

Até agora não foram os consumidores devidamente informados sobre todos os seus direitos, nem pelas operadoras, como a requerida, nem pela ANS, principalmente o direito de que, em qualquer hipótese, independentemente de estar ou não a operadora obrigada a oferecer-lhe a adaptação de seu contrato pelas regras do tal programa de incentivo, sempre poderá ele exigir a adaptação que certamente ser-lhe-á muito menos onerosa do que a migração que vem sendo oferecida.

Como já mencionado, juntamente com a comunicação do abusivo reajuste de preço do contrato atual, a requerida enviou aos consumidores apenas a oferta de migração para um novo contrato, com custos muito maiores, com possibilidade de novas carências e com definições de novos reajustes por faixa etária, não informando-lhes que sempre poderão eles exigir a adaptação do seu contrato atual, mais vantajosa, certamente.

Na maioria das vezes, a migração só interessa às operadoras de planos de saúde, tendo em vista que, nos contratos antigos, como é o caso em tela, os reajustes por faixa etária geralmente não são bem definidos, impedindo sua aplicação em razão da proteção contida no Código de Defesa do Consumidor. No entanto, o PIAC, nestes casos possibilita que as operadoras, restabeleçam o reajuste por faixa etária, que praticamente estava fadado a não ser aplicado, em razão das normas de proteção contidas no Código de Defesa do consumidor e da jurisprudência aplicada à matéria.

A omissão da informação de que o consumidor sempre e a qualquer tempo terá direito a exigir a adaptação do contrato atual, nos termos do artigo 35 da Lei dos Planos de Saúde, independentemente do tal PIAC, causa-lhe imenso prejuízo. Poderá ele, em razão da falta de informação, como certamente ocorreu em alguns casos em razão das cartas enviadas pela requerida, abrir mão de seu contrato antigo que, na maioria das vezes, após adaptado, será melhor do que um novo, pois pode ter coberturas que os novos não têm, pagando um preço muito menor do que o cobrado pelo novo contrato resultante da migração.

Observe-se que a ANS, no PIAC, estabeleceu que a adaptação não pode ocasionar, como regra geral, elevação de custo superior 25% com relação ao que atualmente paga o consumidor. Na migração, geralmente, a prestação correspondente ao contrato oferecido será várias vezes superior ao valor da prestação do contrato atual. Nada justificaria que, fora do PIAC, a adaptação tivesse custo semelhante ao da migração, sendo, certamente, muito menor, é uma questão de lógica. Da mesma forma, nada justifica que, fora do PIAC, a adaptação tenha preço diferente da feita pelas regras do tal programa.


Ou seja, a adaptação, que sempre é direito do consumidor nos termos do artigo 35 da Lei nº 9656/98 e que não foi suspenso pelo STF, é bom que se diga, será sempre muito mais vantajosa para ele e vem sendo omitida pela requerida.

3-Da ação declaratória de inconstitucionalidade (ADIN 1931) e os seus efeitos:

Aos 21 de outubro de 2003, o Supremo Tribunal acolheu o pedido feito em ação direta de inconstitucionalidade, reconhecendo a invalidade do artigo 35-G da Lei 9656/98 (substituído pelo artigo 35-E, de acordo com a redação dada pela Medida Provisória no. 2.177-44 de 24 de agosto de 2001) – (fls. 57/58).

A sustentação da inconstitucionalidade foi a de violação do dispositivo constitucional que protege o ato jurídico perfeito (CF, art. 5o, inciso XXXVI) e na mesma esteira de raciocínio suprimiu a expressão – “atuais e” prevista no artigo 10, parágrafo 2o da Lei 9.656/98.(3)

Em palavras mais objetivas, verifica-se no acórdão do Supremo Tribunal Federal que foi mantido o teor do artigo 35 “caput” da Lei 9.656/98 e suprimido, por vício de inconstitucionalidade, o artigo 35-E da mesma lei (a numeração originária era 35-G).

Evidentemente que, ao suprimir o referido artigo, o Supremo Tribunal Federal não eliminou a faculdade de que os consumidores, baseados no artigo 35, caput e parágrafos, pudessem a qualquer tempo optar pela adaptação de seus contratos. Aliás, é o que a própria ANS destaca no artigo 20 da Resolução Normativa nº 64, que instituiu o PIAC.

Vejamos o que diz a lei:

“Art. 35. Aplicam-se as disposições desta Lei a todos os contratos celebrados a partir de sua vigência, assegurada aos consumidores com contratos anteriores, bem como àqueles com contratos celebrados entre 02 de setembro de 1998 e 1o de janeiro de 1999, a possibilidade de optar pela adaptação ao sistema previsto nesta Lei.

§ 1o Sem prejuízo do disposto no art. 35-E, a adaptação dos contratos de que trata este artigo deverá ser formalizada em termo próprio, assinado pelos contratantes, de acordo com as normas a serem definidas pela ANS.

§ 2o Quando a adaptação dos contratos incluir aumento de contraprestação pecuniária, a composição da base de cálculo deverá ficar restrita aos itens correspondentes ao aumento de cobertura, e ficará disponível para a verificação pela ANS, que poderá determinar sua alteração quando o novo valor não estiver devidamente justificado.”

Claro está que a adaptação dos contratos é faculdade que pode ser exercida a qualquer tempo, independentemente do Plano de Incentivo à Adaptação dos Contratos (PIAC).

Com efeito, confiram-se as afirmações de Fabiana Ferron: “Vale ressaltar que a opção de alteração cabe ao consumidor e não pode ser adaptada unilateralmente pela operadora (art.35,§ 4º). Deve-se repudiar a coação da empresa, que, agindo nesse sentido, induz o associado a renunciar ao contrato antigo, aderindo ao novo por um custo mais elevado. (…) Acrescenta o professor RIZZATTO que o consumidor que fizer a opção de adaptação – regulamentada pela Resolução CONSU no.4, de 4 de novembro de 1998 – deve ter assegurado, a seu favor, todos os benefícios já adquiridos. Isso porque se trata de verdadeiro contrato em continuação, por força de lei, que não poderá atingir o direito adquirido do consumidor (art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal de 1988). Com a inclusão do § 6º.no artigo 35, essa situação foi reforçada, pois garantiu ao consumidor que não optou pela adaptação a vigência de seu plano por prazo indeterminado, devendo, entretanto, ser extintos apenas para fins de comercialização”(4).

De qualquer forma, é preciso ressaltar que a Lei dos Planos de Saúde, além de permitir adaptação a qualquer tempo, estabelece que quando a adaptação incluir aumento de contraprestação pecuniária, a composição da base de cálculo deverá ficar restrita aos itens correspondentes ao aumento de cobertura (artigo 35, § 2º).

O reconhecimento da inconstitucionalidade do artigo 35-E da Lei dos Planos de Saúde acelerou a implantação de medidas que supostamente viriam socorrer os milhares de consumidores titulares de planos anteriores à vigência da Lei 9.656/98.

Isso explica em parte a edição da Medida Provisória 148, de 15 de dezembro de 2003, transformada na Lei 10.850 de 25 de março de 2004, que atribuiu à Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS poderes quase ilimitados para instituir o que chamou de programas especiais de incentivo à adaptação. Surgiu então o denominado Plano de Incentivo à Adaptação dos Contratos (PIAC), criando para as empresas, em certos casos, a alternativa de oferecer apenas a migração (novo contrato); a possibilidade de adaptações facultativas e também a contagem de novas carências na adaptação. São regras temporárias e que estão no presente momento suspensas pela Justiça Federal.


Após, a edição da Medida Provisória, sobreveio a Resolução Normativa – ANS 64, de 22 de dezembro de 2003), alterada pela RN 70 de 19 de fevereiro de 2004 (fls. 77), que sob o pretexto de regulamentar a matéria, conforme previsão da Lei 10.850/04, dentre outras coisas: 1. Prevê a possibilidade de incorporação progressiva dos direitos previstos na Lei dos Planos de Saúde, num prazo de dois anos em caso de planos coletivos empresariais; 2. Condiciona a obrigatoriedade da adaptação pelas operadoras à necessidade de que, em certos casos, no mínimo 35% dos titulares adiram ao plano de incentivo à adaptação; 3. Exclui da obrigatoriedade de apresentação de proposta de adaptação pelas empresas os planos que tenham custos de assistência maiores que 90% da receita; 4. Permite aumento de preço em razão da adaptação; 5. Estabelece prazos de carência de até 90 dias para novas coberturas, embora preveja expressamente que a adaptação não poderá implicar em redução de benefícios já previstos nos contratos; 6. Dispensa da obrigação de oferecimento de adaptação empresas que tiverem menos de 10.000 (dez mil) usuários e que não tenham contratos novos (posteriores a 2 de janeiro de 1999), ficando obrigadas a oferecer apenas proposta de aditivo contratual eliminando cláusulas que admitam limitação quantitativa de procedimentos e rescisão unilateral imotivada pela operadora; 7. Cria a possibilidade de migração especial para novos contratos regidos pela Lei 9.656/98, estabelecendo que a migração pode ser oferecida ao consumidor juntamente com a proposta de adaptação, como meio alternativo, ressalvando que as operadoras não obrigadas a oferecer a adaptação pelo motivo dos custos de assistência superarem 90% da receita do plano, deverão oferecer a proposta de migração, dispensando as carências já cumpridas e oferecer condições especiais de preço, enquadramento em faixa etária e carências para novas coberturas.

Como se vê, são regras que demonstram maior interesse em atender os interesses das operadoras do que os dos consumidores que, para terem bem protegidos seus interesses, poderiam simplesmente fazer uso da faculdade de exigir a adaptação do contrato nos termos do artigo 35 da Lei 9656/98 e não verem invocadas cláusulas abusivas de reajustes de preço ou, até mesmo, em determinados casos, simplesmente continuarem com seus contratos, sem qualquer alteração e sem ser importunados.

Dessume-se, também, das cartas encaminhadas aos consumidores pela requerida, que o reajuste abusivo de 85,1% no valor das mensalidades não tem qualquer relação com a as normas do PIAC, estipuladas pelo governo através da Resolução nº 64/03. Mas foram tratados em conjunto os assuntos, estabelecendo-se certamente muita dificuldade para que o consumidor pudesse bem entender o que ocorria.

Ressalte-se que a operadora não esclareceu os índices de reajuste aplicados, mas limitou-se a dizer que “esse reajuste tornou-se necessário em virtude da defasagem acumulada nos últimos anos”.

Em nenhum momento esclareceu de modo inteligível a razão pela qual a mensalidade do seguro saúde deveria ser reajustada de maneira tão significativa.

Isso causou grande surpresa aos consumidores, pois os valores a que teriam que se submeter, são inacessíveis a grande parte da população brasileira, cujas economias encontram-se deterioradas pelo farto aumento geral de preços e serviços.

Basta que pensemos nos milhares de idosos e aposentados, que notoriamente não têm capacidade de absorver o abusivo reajuste de 85,1%.

O equilíbrio do contrato é algo que deveria ter sido sopesado pela ré, pois a falta de capacidade econômica dos consumidores, acarretará o expurgo desses.

A requerida diz ter verificado, unilateralmente, como consta das missivas, a necessidade de reequilibrar o contrato em termos econômicos, não definindo convenientemente os critérios para tal, considerando unicamente seus interesses, deixando de lado os interesses dos consumidores e as respectivas normas de ordem pública de proteção aos seus interesses.

Com efeito, é nesse ponto que devemos destacar a prática comercial abusiva e a nulidade de cláusula contratual havida genericamente nos contratos mantidos pela ré.

4-Da aplicação do CDC aos contratos de planos de seguro saúde:

Evidentemente, o Código de Defesa do Consumidor é aplicável a qualquer situação em que se identifique uma relação de consumo, independentemente de ter sido o contrato celebrado antes dou depois do advento da Lei dos Planos de Saúde.

Também, é bom que se lembre, o STF não deu “carta branca”, um “salvo conduto” para que as operadoras de planos de saúde façam o que bem entenderem com os planos antigos. Apenas disse que o artigo 35-E da lei 9.656/98 ´inconstitucional. Portanto, não estão as empresas livres, como supõem, de qualquer fiscalização ou controle no manejo de contratos antigos. À ANS, conforme determinou o artigo 3o da Lei 9961/00, cabe promover a defesa do interesse público na assistência suplementar à saúde, regulando as operadoras setoriais, inclusive no que se refere às suas relações com os prestadores do serviço e os consumidores.


Pontuamos, apenas para argumentar, a lição de Antonio Rizzatto Nunes a respeito da situação, especialmente frente a decisão do STF que decidiu pela inconstitucionalidade do artigo 35-E.

Confira-se: “a) decisão recente do STF não alterou o quadro de defesa dos direitos dos consumidores – usuários dos planos privados de assistência à saúde: b) o CDC regula as relações jurídicas de consumo, dentre as quais se encontram os contratos ora analisados; c) Todos os contratos assinados antes da entrada em vigor da Lei 9.656/98 estão submetidos à égide do CDC; d) nenhuma cláusula abusiva escrita antes ou depois da vigência do CDC tem validade, podendo tanto a ANS atuar para coibir abusos, como os órgãos de defesa do consumidor e o consumidor individualmente diante do Poder Judiciário.” (5)

5-Das práticas abusivas (art. 39 do CDC) e nulidade das cláusulas de reajuste (art. 51 do CDC):

O desrespeito ao direito de plena informação é uma das imputações que se faz à ré.

Convém ressaltar que a informação é um direito valioso dos consumidores, pois somente assim poderão satisfazer de modo pleno suas necessidades, especialmente porque é um dos caminhos para que o consumidor possa exercer suas escolhas de modo livre e consciente.

Esse direito fundamental já em 1985 havia sido reconhecido na Resolução no. 39/248 da Assembléia Geral das Nações Unidas determinando o desenvolvimento e incentivo de programas de informação e educação, com objetivo de “fornecer aos consumidores informações adequadas para capacitá-los a fazer escolhas acertadas de acordo com as necessidades e desejos individuais” (norma F e item 3, alínea c).

Se a Constituição Federal reconhece a importância do respeito aos direitos dos consumidores, o Código de Defesa do Consumidor cuida do direito à informação de modo exaustivo.

Com efeito, o exame do CDC considera a informação ora como princípio (art. 4o, IV), ora como direito básico do consumidor (arts. 6o, III e 43), como dever do fornecedor (arts. 8o, § único, 31 e 52); e também do Estado e seus órgãos (arts. 10, § 3o, 55, §§ 1o e 4o e 106, IV).

Todos esses dispositivos tem um conteúdo finalístico, qual seja a de permitir que os consumidores possam fazer suas opções de consumo, especialmente quando se apresentam em situação de hipossuficiência.

Nessa linha verifique-se a posição do 1o. Tribunal de Alçada Civil de São Paulo: “Esse Código prevê, como direito básico do consumidor, a ‘informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como, sobre os riscos que apresentem’ (art. 6o, III) e qualifica como prática abusiva, por parte do fornecedor de produtos e serviços, ‘prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição social, para impingir-lhe seus produtos ou serviços’ (art.39, IV). Na lição de Arruda Alvim, com remissão a Antônio H. Vasconcellos e Benjamim, ‘ o Código já reconhece a vulnerabilidade do consumidor, dentro do mercado de consumo (art.4o, inciso I). Mas, há casos em que o consumidor se mostra mais do que simplesmente vulnerável, apresentando-se como verdadeiro hipossuficiente, tal como nas hipóteses elencadas no inciso IV’. – ‘ Portanto, mesmo inexistindo cláusula abusiva, que poderia ser declarada nula de pleno direito, a teor do disposto no inciso IV, do art. 51, deste Código, o fornecedor pode, inescrupulosamente, procurar aproveitar-se desse grupo de consumidores particularmente vulnerável, hipossuficiente…” (7)

Desrespeitando o direito básico de informação e olvidando-se do seu próprio dever de informar – não bastasse o caos em que se encontram os usuários dos planos de saúde, absolutamente perdidos após o famigerado plano de incentivo a adaptação dos contratos aos ditames da lei reguladora -, a ré, sem prestar esclarecimentos efetivos sobre a sua fórmula de reajuste para as prestações que se avizinham, ousa, de modo singelo, justificar que a elevação das mensalidades é para manter corrigir a defasagem acumulada nos últimos anos.

Essa fórmula genérica e omissa fez com que os consumidores fossem surpreendidos com o vultoso reajustes de suas mensalidades pretendido pela requerida.

Na verdade ao impor a nova mensalidade, sem que ao consumidor sejam dados os esclarecimentos necessários da forma pela qual se chegou aos valores, a ré desrespeita os princípios básicos da transparência e confiança, que necessariamente devem cercar as relações de consumo.

Ademais, a referência genérica de que os valores foram apurados com base no contrato e que visam restabelecer o equilíbrio econômico apenas confirmam a necessidade de se declarar nula cláusula que estabeleça reajustes desta natureza.

Inúmeros consumidores sequer dispõem de cópia do contrato para que possa analisar a possibilidade ou não do reajuste que se pretende impor, como é o caso de Aurelio Moniz de Aragão, que ofereceu representação ao Ministério Público contra o abusivo reajuste e, também, em razão da dificuldade que encontrou para obter cópia de seu contrato perante a requerida (fls. 4/5).

Na representação ofertada por Maria Nancy Leite de Moraes Prado (fls. 32 e 43 verso), que também é idosa e tem o plano de saúde da requerida há dezenas de anos, há documento padrão por esta expedido e que faz parte integrante do contrato, estabelecendo critério extremamente confuso para reajustes das mensalidades, consistente em uma fórmula matemática praticamente impossível de ser compreendida pelo consumidor e que, contrariando o Código de Defesa do Consumidor, permite, na prática, alteração unilateral de preço.

Senão vejamos o teor da referida cláusula:

Cláusula 9 das Condições Gerais:

“A atualização dos valores mencionados nestas condições gerais será feita como segue:

9.1 – O preço do seguro e o valor da URS serão atualizados mensalmente com base em índice de variação de custos calculado pela seguinte fórmula:

IR= (A x 0,36) +(B x 0,40) + (C x 0,18) + (D x 0,03) + (E x 0,03),

onde: IR= Índice de reajuste do preço do seguro e do valor da URS; A= Variação do valor do coeficiente de honorários (CH), publicado pela Associação Médica Brasileira; B= Variação do preço da diária e taxas hospitalares obtida pela média ponderada dos hospitais que mantenham acordo operacional com a seguradora mais procurados pelos clientes no mês anterior àquele considerado para o cálculo que representem no mínimo 75% dos atendimentos feitos a clientes; C e E = Variação, no período de apuração do custo dos materiais e medicamentos (C) e despesas gerais (E), de acordo com o IGP-DI, publicado pela Fundação Getúlio Vargas; D= Variação observada nos salários decorrentes de política salarial oficial ou de acordo, convenção ou dissídio coletivo celebrado com o Sindicato dos Securitários do Estado de São Paulo.

E mais:

9.1.1 – A seguradora poderá alterar os fatores desta fórmula no inicio de cada semestre civil, quando constatada mudança na composição dos custos, comprovada por auditoria independente.

Como se vê, a abusividade da cláusula de reajuste é manifesta, em razão possibilidade de alteração unilateral de preço, bem como da verdadeira impossibilidade do consumidor entender seu conteúdo.

Repita-se aqui, que com relação ao abusivo aumento ora pretendido pela ré, jamais informou ela ao consumidor os dados técnicos referentes à composição da fórmula, evidentemente por ser praticamente impossível sua verificação.

Essa cláusula e outras assemelhadas, contidas nos contratos firmados com a ré anteriormente à vigência da LPS, têm, em resumo, critérios de reajuste genéricos – como “variação de custos médico-hospitalares” e até mesmo, como se viu, de “despesas gerais”.

O teor da cláusula, não é somente de difícil compreensão para o consumidor, mas configura nulidade de pleno direito (arts. 51, X, XIII e 54, parágrafo 3o. do Código de Defesa do Consumidor), que deve ser afastada.

A referida cláusula dá aparente permissão à ré de praticar aumentos em percentuais altíssimos e absolutamente incompatíveis com os índices oficiais de inflação apurados no período.

Significativa e esclarecedora quanto à abusividade da cláusula de reajuste mencionada é a declaração do Diretor de Saúde da Fenaseg (Federação das Seguradoras de Saúde) dada em entrevista à imprensa (fls. 79). Ao ser indagado sobre não ter o consumidor condições de saber de onde vem o índice de custo hospitalar, respondeu que “ Na verdade , isso ninguém mede. Isso é medido internamente em cada seguradora”. (8)

A onerosidade do índice de 85,1% pretendido pela ré é flagrante. Basta que se tome o valor fixado para os contratos posteriores a vigência da LPS e se notará a discrepância com o índice máximo de reajuste admitido pela ANS – Agência Nacional de Saúde Suplementar (11,75%).

O aumento proposto, segundo regras ditadas unilateralmente pela ré, dada a natureza de contrato de adesão, não permite aos consumidores qualquer debate ou composição.

O Código de Defesa do Consumidor prevê que os índices de reajuste devem ser claramente indicados (art.6º, III e 54 § 3º). Não é isso que se depreende na leitura da cláusula, modelarmente invocada, pois os reajustes são baseados em critérios genéricos e de difícil compreensão.

A nulidade da cláusula, que resulta em percentual tão elevado de reajuste, para utilizar-se a expressão do CDC, onera demasiadamente a prestação do consumidor, colocando-o em desvantagem excessiva, afetando o equilíbrio contratual.

Tanto a prática comercial como o próprio teor da cláusula que permite o reajuste segundo os critérios de variação do custo médico-hospitalar e outros custos genéricos representam vícios de tamanha grandeza e resultam, indiscutivelmente, em nulidade de pleno direito (artigo 51, IV, X, XV, § 1º e incisos, do CDC), especialmente porque desrespeitam a boa-fé objetiva que cercam os contratos (CDC art. 4º, III e 51, IV).

Tal cláusula subsume-se ao que se referiu a ANS na Súmula Normativa 05/03, e também no art. 3º da RN n 64/04.

Ou seja: “Os contratos individuais de planos privados de assistência à saúde, celebrados anteriormente à vigência da Lei nº 9.656, de 3 de junho de 1998, cujas cláusulas não indiquem expressamente o índice de preços a ser utilizado para reajustes das contraprestações pecuniárias e sejam omissos, quanto ao critério de apuração e demonstração das variações consideradas no cálculo do reajuste, deverão adotar o percentual de variação divulgado pela ANS e apurado de acordo com a metodologia e as diretrizes submetidas ao Ministério da Fazenda”. (Súmula Normativa 05/03, de 04 de dezembro de 2003).

Assim, temos a considerar que o reajuste deverá ser o percentual de 11,75%, conforme anunciado pela ANS.

Outra não pode ser a interpretação dado o conteúdo da RN 74/04 (fls. 72/76):

Confira-se: “Art 3º Os contratos individuais de planos privados de assistência à saúde celebrados anteriormente à vigência da Lei nº 9.656, cujas cláusulas não indiquem expressamente o índice a ser utilizado para reajustes das contraprestações pecuniárias e sejam omissos quanto ao critério de apuração e demonstração das variações consideradas no cálculo do reajuste, deverão adotar o percentual limitado ao reajuste estipulado nesta Resolução. Art. 4º O reajuste máximo a ser autorizado pela ANS para o período de que trata esta resolução será de 11,75% (onze inteiros e setenta e cinco centésimos por cento).”

Assim, no contexto de relação contratual, marcada pelo trato sucessivo de suas prestações, dependência e expectativa do consumidor quanto à segurança do plano de assistência à saúde, a ré surpreendeu-os com reajuste anual abusivo de suas mensalidades, obrigando-os a adotar soluções que invariavelmente chegarão à desistência do contrato, ou de conformismo, para os poucos que ainda nesse país podem arcar com mensalidades tão elevadas.

Aliás, neste sentido, reveladores são os termos contidos nas cartas enviadas pela requerida aos consumidores, reconhecendo expressamente que os aumentos pretendidos seriam significativos e que certamente expulsariam inúmeros consumidores de seus planos. Ou seja, prevendo que estaria deliberadamente expulsando consumidores indesejáveis de seus planos em razão do inadmissível reajuste de 85,1%, a requerida incluiu na carta a proposta de assumir as despesas referentes à carência em outra empresa, para seus consumidores que não pudessem suportar o reajuste.

Ora, a pessoa paga pelo plano de saúde durante vários anos, quiçá dezenas de anos, pensando em garantir razoável segurança quanto à sua saúde e a de seus familiares e, quando mais precisa, já idosa, é surpreendida com o aumento ou propostas que praticamente a expulsam do plano.

A nulidade da cláusula de reajuste, como visto, é manifesta e não pode ser olvidada pelo Poder Judiciário, notadamente, porque milhares de consumidores estão na iminência de se virem desrespeitados nos seus direitos fundamentais relativos à saúde.

Em caso semelhante, efetivamente já se decidiu pela nulidade da cláusula, conforme, por exemplo, a seguinte decisão dada contra a Golden Cross (cuja carteira, atualmente, pertence ao Bradesco Saúde):

“….De início, é importante frisar-se que não se debate qualquer aumento específico de mensalidade que a empresa tenha promovido e sim, a validade da cláusula inserida nos contratos com os usuários de seus serviços, que poderiam ensejar uma situação de desequilíbrio em relação de consumo. (…) Com efeito, cuida-se de preservar a igualdade das partes em um contrato, que não pode ser alterado unilateralmente por uma delas, invocando dados inacessíveis à outra. (…) Conforme bem sustentou o órgão autor, a referida cláusula se inquina de nulidade, pois, permitindo a variação unilateral das mensalidades, enseja o enriquecimento sem causa da demandada, com a transferência dos custos, muitos deles sem conexão com os serviços prestados, incidindo a vedação contida no artigo 39, inciso X, do Código do Consumidor, de que o fornecedor eleve sem justa causa o preço de produtos ou serviços. (…) Após transcrever as regras protetivas dos contratos, do artigo 51, incisos IV e X, do Código do Consumidor, ponderou o órgão ministerial autor que, ‘se se atentar para a cláusula, percebe-se que qualquer despesa pode ser considerada “aumento de custo”, para efeito de reajuste de mensalidade. O consumidor não só fica sujeito à variação normal dos custos hospitalares, como também pode estar financiando a expansão da empresa, compras desnecessárias de equipamentos, gastos anormais com publicidade, aquisição de móveis e imóveis, contratação de serviços estranhos à prestação de auxílio médico, entre outras despesas que não possuem qualquer relação com os custos do contrato de seguro-saúde’. Efetivamente, conforme afirmou, um homem médio, que se insira dentre os 2,6 milhões de clientes da Golden Cross, não tem conhecimentos técnicos para o exame das planilhas de custos que venham a ser apresentadas. O fato de que está sujeita a controle pela Administração Federal não representa garantia suficiente da preservação dos interesses dos administrados. A propósito, ponderou o MM. Juiz: ‘Quanto ao mérito, está evidenciado que as cláusulas do contrato que prevêem reajuste dos prêmios, tendo por base a variação dos custos médicos e hospitalares (honorários médicos, diárias e taxas hospitalares, materiais, medicamentos, gases medicinais e outros) ferem os princípios informativos dos contratos, não sendo razoável que a parte mais fraca, in casu, os beneficiários dos serviços ou os consumidores venham a assumir, até mesmo, eventuais riscos administrativos por incúria e insensatez de seus diretores ou gestores. Mais coerente seria que a suplicada previsse reajustes das prestações tomando por base os índices de inflação ou outros mais transparentes, de fácil acesso aos usuários, ao consumidor, ao beneficiário do serviço. Entendo, até, que falta inteligência à empresa, ao prever reajustes tomando por base custos, a cujo controle o consumidor não tem acesso, porquanto, assim procedendo, está não somente lesando seus associados como, outrossim, fazendo-os fugir do programa, pois ninguém está disposto a celebrar um contrato de risco, entregando seus parcos ganhos a um grupo de pessoas donas do serviços que, pensando somente no lucro, alterará os valores a serem pagos pelos consumidores até o exaurimento de suas economias. Pense-se, por exemplo, no funcionário público que, por quatro anos consecutivos, não tem majoração em seus vencimentos e, mesmo assim, se submeterá à majoração das prestações do plano de saúde, de acordo com os famosos custos hospitalares de uma administração que, impunemente, os transfere aos consumidores.’ Não está a r. sentença a merecer qualquer retoque. ISTO POSTO, nego provimento ao recurso. É COMO VOTO”.(9)

Do mesmo modo em outra oportunidade o Tribunal de Justiça do Distrito Federal decidiu:

“Ementa – Agravo regimental. Ação civil coletiva de defesa do consumidor. Planos de saúde. Percentual de reajuste. Não havendo certeza sobre o real reajuste das prestações que, por fim, será considerado como o que deveria incidir sobre as mensalidades, a decisão de primeiro grau o fixou provisoriamente em 20% englobando os planos coletivos, não incluídos na Averiguação Preliminar da Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça. Agravo regimental interposto contra a decisão do Relator que atribuiu efeito suspensivo ao agravo de instrumento. Inexistência de periculum in mora. Matérias relevantes que formam a litiscontestatio, algumas a serem dirimidas no julgamento do agravo de instrumento, outras na própria ação. Agravo desprovido. Decisão CONHECER. NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO. UNÂNIME”(10). (grifos não originais)

Não podemos aceitar que uma das maiores operadoras de planos de saúde em nosso país, olvide-se de suas obrigações enquanto fornecedora, especialmente, porque as motivações aludidas na carta dirigida aos consumidores não estão perto de dados compreensíveis ao consumidor comum.

Ressalte-se que os consumidores não se obrigarão se as cláusulas forem redigidas de modo a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance (art.46 e 47 do CDC).

Com efeito, a ré motiva o aumento em percentual de 85,1%, utilizando-se de dados que não estão ao alcance dos consumidores e mais dando a impressão de que a elevação das mensalidades também teria como causa subjacente a decisão que tomou o artigo 35-E como inconstitucional, o que não é totalmente verdade.

A conduta da requerida também constitui prática abusiva, vedada pelo Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 39, infringindo os seguintes incisos de tal dispositivo: “IV – prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor; tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição social, para impingir-lhe seus produtos ou serviços; V – exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva; X – elevar sem justa causa o preço de produtos ou serviços; XI – aplicar fórmula ou índice de reajuste diverso do legal ou contratualmente estabelecido.”

Sobre isto, em caso assemelhado, já se decidiu que:

“DESPACHO : Agravo de instrumento contra decisão que negou seguimento a recurso extraordinário interposto contra acórdão de Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis do Estado do Rio de Janeiro que tem a seguinte ementa: “Plano de saúde. Prestação de serviço. Incidência da Lei 8078/90 e da Lei 9656/98. Preliminar de ilegitimidade já satisfatoriamente decidida na sentença. Obrigação de observância dos princípios contratuais da boa-fé e da confiança, que não podem ser violados, com a alteração unilateral dos preços, muito acima de qualquer parâmetro razoável e em desacordo com as informações enviadas ao consumidor. Elevação das mensalidades muito além do reajuste permitido aos planos de saúde. Ausência de qualquer explicação ou justificativa para a majoração nos termos praticados. Cláusulas contratuais que não esclarecem como se darão os reajustes. Não comprovação de dados atuariais, relativos aos custos de assistência que possam demonstrar a razão para elevação tão significativa. Interpretação das cláusulas da forma mais favorável ao consumidor. Inteligência do art. 46 e 47 da Lei 8078/90. Alteração do pacto de forma unilateral, em prejuízo do Consumidor/Cidadão, parte mais susceptível na relação de consumo, a quem deve ser garantida a proteção dos direitos à saúde, através dos contratos firmados com esta finalidade. Vedação de alteração de mensalidades, tendo como base de cálculo fator inteiramente desconhecido, e sobre o qual não tem condição de prever alcance e desdobramentos. Incidência dos arts. Art. 4º, I e II, 6º, I, III, V, VIII, 46, 47, todos do CDC, bem como pelo exposto no art. 15 parág. único da Lei 9656/98. Prática abusiva e conduta reprovável pela tentativa de aplicação de cláusulas que deixam ao exclusivo talante da empresa a alteração dos preços. Aplicação do art. 39, IV, V, X e XI c/c o art. 51, IV, X, XI, do CODECON. Recurso provido.” Verifica-se que o acórdão recorrido limitou-se a aplicar a legislação infraconstitucional pertinente ao caso: a alegada violação aos dispositivos constitucionais apontados no recurso extraordinário seria – se ocorresse – indireta ou reflexa, que não enseja reexame em sede extraordinária, conforme copiosa jurisprudência deste Tribunal. Ante o exposto, nego provimento ao agravo. Brasília, 28 de maio de 2003. Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE – Relator”(11).

Na mesma linha está a professora Cláudia Lima Marques ao abordar a confiança e a boa-fé como valor fundamental dos contratos:

“De qualquer forma, priorize-se a lesão ou a boa-fé, um juízo de constatação desta mudança de visão do direito civil brasileiro é necessário. É inegável a importância que atinge hoje, na jurisprudência brasileira, o controle judicial e administrativo sobre os parâmetros de equilíbrio econômico do contrato, especialmente os bancários, assim como o controle antes quase inexistente sobre a proporcionalidade das prestações mesmo nos contratos aleatórios, como os de seguro-sáude. (…) Parece-nos uma nova conscientização da função do contrato como operação econômica distributiva na sociedade atual, e a tentar evitar a exclusão social e o superendividamento através de uma visão mais social e controlada. O Estado passa, assim, a interessar-se pelo sinalagma interno das relações privadas e a revisar os excessos, justamente porque, convencido da desigualdade intrínseca e a excludente entre os indivíduos, deseja proteger o equilíbrio mínimo das relações sociais e a confiança do contratante mais fraco.”(12)

Assim, por serem as cláusulas de reajuste guerreadas manifestamente abusivas e nulas, por permitirem variação unilateral do preço (art. 51, X do CDC) e ainda por se mostrarem excessivamente onerosas para o consumidor (art. 51, IV e parágrafo único, inciso III do CDC), a ré deverá suprimi-las de seus contratos substituindo-as por outras que respeitem os dispositivos legais, não se podendo estabelecer, simplesmente, critérios de reajustes baseados apenas em variação dos custos, ou outros que fiquem ao seu exclusivo talante.

Temos então, que os reajustes anunciados aos consumidores, mal justificados pela cláusula contratual que permite a imposição unilateral dos aumentos das mensalidades, não somente contrariam aos ditames do CDC, como também caracterizam abuso de direito a que se refere o artigo 187 do Código Civil e por isso devem ser afastadas pelo Poder Judiciário, como j[a se fez em a;óes civis públicas recentemente ajuizadas em face de Bradesco Saúde S/A e Sul América Saúde S/A (cópias das respectivas decisões liminares a fls. 59/61 e 62/63).

Necessário que se alcance um critério justo e equânime para que se garanta o equilíbrio do contrato, o que infelizmente não pode ser afastado do exame judicial, na medida em que não foi realizado previamente pelos órgãos reguladores e nem tampouco pela ré, não restando outro caminho senão esta ação.

6-Do pedido de liminar:

A conduta da requerida, enviando as referidas cartas aos consumidores, noticiando aumento abusivo ao mesmo tempo em que, sem informações suficientes, oferece propostas de migração do contrato, fere a liberdade dos consumidores e põe em risco seus direitos de se protegerem contra cláusulas abusivas e incompreensíveis ao homem comum.

Retira do consumidor a possibilidade de compreender exatamente as razões da elevação da mensalidade e saber exatamente qual a melhor atitude deverá tomar diante de assunto tão sério que é a proteção de sua saúde, mormente considerando-se que, como visto, informações de muita relevância lhes forma omitidas.

A urgência da medida é plenamente justificada, pois os documentos encartados ao protocolado que instrui a presente demonstram que o abusivo reajuste já foi implementado, não obstante ter a requerida, com nítido propósito de tentar criar um fato consumado, “concedido” um desconto no valor do aumento até o dia 30 de setembro de 2004.

Caso não seja determinada liminarmente a alteração do valor do reajuste, certamente, haverá inúmeras dificuldades a serem enfrentadas pelos consumidores quando, em 30 de setembro próximo, exaurir-se o prazo do pseudo desconto concedido e a requerida queira efetivamente fazer valer o abusivo aumento.

Assim, pugna-se pela concessão de liminar (inaudita altera pars), a fim de que a todos os consumidores da requerida, que tenham firmado contrato anteriormente a 02 de janeiro de 1999, seja dado o direito de permanecer com os direitos inerentes ao contrato, libertando-se de iníquo reajuste (que genericamente foram elevados em percentuais de 85,1%, fixando-se por ora o percentual de 11,75% referido na Resolução 74/04 e Súmula Normativa 05/03, ambas da Agência Nacional de Saúde, especialmente, porque a efetividade da medida impediria a proliferação de milhares de ações nos mais variados recantos desse país, bem como prejuízos graves aos consumidores.

Deverá a requerida abster-se de fazer qualquer referência, nos boletos bancários, a reajuste superior a 11,75%, ainda que acompanhada de suposto desconto.

Para dar atendimento a medida liminar, pugna-se pela aplicação do artigo 84, § 5º do CDC, a fim de determinar-se à ré, que informe aos consumidores de modo amplo e inconfundível, que o reajuste até a decisão final da causa é o reconhecido por esse Juízo, tudo sob pena de multa diária de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais), cujo produto será revertido ao Fundo de Reparação de Interesses Difusos.

7-Dos pedidos finais:

Ante ao exposto, requer-se a citação da ré para, querendo, apresentar sua resposta, sob pena de serem considerados verdadeiros os fatos alegados, esperando que, ao final, o pedido inicial seja julgado procedente nos seguintes termos:

1-seja confirmada a liminar aplicando-se o índice de reajuste estabelecido pela ANS ou outro índice que reflita a inflação;

2-seja decretada a nulidade de cláusula que impõe o reajuste anual com critérios que permitam, na prática, a variação unilateral do preço e, em substituição, seja fixado como fator de reajuste o índice estabelecido pela ANS, conforme Súmula 05/03 e Resolução Normativa 74/04 (arts. 3o e 4o), ou outro índice a ser aplicado anualmente e que reflita a inflação no período relativo ao setor, apurado e divulgado pela ANS, desde que não ultrapasse o INPC;

3-seja a ré obrigada a divulgar por ocasião dos reajustes os índices adotados, evitando-se que novas ocorrências de desinformação coloquem o consumidor em situação de vulnerabilidade;

4-Que seja a ré condenada genericamente a restituir a quantia eventualmente paga a maior por consumidores em razão do reajuste ilegalmente aplicado, devidamente atualizado e em dobro, na forma do art. 42, parágrafo único do CDC, cujo valor será apurado em liquidação de sentença a ser feita pelos consumidores (art. 95 do CDC).

Que, em razão da falta de informação relevante na oferta de migração feita pela ré, seja desconsiderada a migração levada a efeito com base na missiva enviada, retornando-se à situação anterior, se esta for a vontade do consumidor aderente à proposta.

Provará o alegado por todos os meios de prova em direito admitidos, requerendo, desde logo, a aplicação do artigo 6º, inciso VIII do CDC (inversão do ônus da prova).

Outrossim, informa-se, para fins de intimação, o seguinte endereço: Rua Riachuelo, 115, Centro, São Paulo.

Para fins de alçada dá-se à causa o valor de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais).

São Paulo, 22 de julho de 2004.

TELMA CRISTINA ABRAHÁO VEIGA

Promotora de Justiça do Consumidor

Designada

Notas de rodapé:

1- (Acórdão Número: 16757 – Processo: 0215934-8 Apelação (Cv) – Tribunal de Alçada do Estado de Minas Gerais – Órgão Julgador: Sexta Câmara Cível – Data Julgamento: 26/03/1998 – Dados Publicados: DJ 16.06.98, PÁG. 11 E RJTAMG 70/57 – Decisão: Unânime)

2-A.c. 464274/0- 9ª CDP, relator Desembargador Thyrso Silva, J.17/11/98.

3- Eis o teor do acórdão: “Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em Sessão Plenária, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, não conhecer da ação quando às inconstitucionalidades formais, bem assim relativamente às alegações de ofensa ao direito adquirido, ao ato jurídico perfeito e à inconstitucionalidade do artigo 35 e seu § 1o da Lei 9.656, de 03 de junho de 1998, e do § 2o, acrescentado a esse pela Medida Provisória no. 1.730-7, de 07 de dezembro de 1998, alterado pela Medida Provisória no. 1.908-17, de 27 de agosto de 1999, por falta de aditamento à inicial. Em seguida, deferir, em parte , a medida cautelar, no que tange ao artigo 35-G, hoje renumerado como artigo 35-E pela Medida Provisória no. 1908-18, de 24 de setembro de 1999; conhecer em parte da ação quanto ao pedido de inconstitucionalidade do § 2o do artigo 10 da Lei 9.565/1998, com a redação dada pela Medida Provisória no. 1908-18/1999, para suspender a eficácia apenas da expressão “atuais e” e indeferir o pedido de declaração de inconstitucionalidade dos demais dispositivos por violação ao ato jurídico perfeito e ao direito adquirido. Em face da suspensão da eficácia do artigo 35-E (redação dada pela MP no. 2.177-44/2001), suspender também a eficácia da expressão “artigo 35-E”, contida no artigo 3o da Medida Provisória no. 1908-18/99. Brasília, 21 de agosto de 2003”. (grifos não originais)

4-Cf. Planos Privados de Assistência à Saúde, LEUD, 2002, p. 107/108.

5- Essa Resolução da ANS instituiu o Programa de Incentivo à Adaptação de Contratos.

6-RDC, no. 49/129 (jan/março 2004), O Código de Defesa do Consumidor e os Planos de Saúde: o que importa saber.

7-Ap. 560.764-7, rel. Itamar Gaino, in: Código de Defesa do Consumidor interpretado pelos tribunais, Ozéias J. Santos, ME editora, 2001, p. 61.

8-Folha de São Paulo, 17 de julho de 2004, pg. C1.

9-Cf. EMENTA – CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. COMPETÊNCIA. LEGITIMIDADE ATIVA DO MP. PLANO DE SAÚDE. NULIDADE DE CLÁUSULA CONTRATUAL DESEQUILÍBRIO DA RELAÇÃO DE CONSUMO. 1. Tratando-se de ação que versa sobre a observância das normas tutelares das relações de consumo, remanesce a competência da Justiça Comum e a legitimidade ativa do Ministério Público, por se configurar direito de ordem pública e interesse social, o que o torna indisponível. 2. Inquina-se de nulidade a cláusula contratual inserida nos planos de saúde que prevê a variação unilateral de mensalidades, pela transferência dos valores de aumento de custos, pois enseja o enriquecimento sem causa da empresa prestadora de serviços de saúde, criando uma situação de desequilíbrio na relação de consumo, ferindo a igualdade das partes no contrato. (Ap.C. 51040/98 – Quinta CC/TJDF – Ap/te Golden Cross – Ap/do Ministério Público – Rel. Des. Ana M. D. Amarante, v.u., 23.10.00, Publicação no DJU: 10/04/2001 Pág. : 41)

10- Cf. AR no AGI 726896 DF – Acórdão: 90192 – Data de Julgamento: 14/10/1996 – 3ª Turma Cível – Relator: CAMPOS AMARAL – Publicação no DJU: 03/09/1997 Pág: 20.074

11-AI 442030 / RJ – AGRAVO DE INSTRUMENTO – Relator(a) – Min. SEPÚLVEDA PERTENCE DJ DATA-11/06/2003 P – 00045 – Julgamento – 28/05/2003 – AGTE.(S): UNIMED-RIO COOPERATIVA DE TRABALHO MÉDICO DO RIO DE JANEIRO LTDA.

12-Contratos no CDC, 4ª ed., RT, p. 244. Nesse mesmo local a autora indica diversos casos que demonstram a representativa jurisprudência sobre o controle das mensalidades, prêmios e outras prestações em matéria de seguro-sáude. “Assim ações coletivas do IDEC no IJSP, Ap.Civ., 180.713-2, Elias Elmyr Manssour, do MPSP, Ap. C. 261.539-2, j. 31.10.1995, Jacobina Rabello, Ap. C. 205.533-1, j. 14.09.1993, Euclides de Oliveira, AI 20.893-4, j. 20.11.1996, Aldo Magalhães e várias ações individuais de consignação e sobre a imposição unilateral de reajuste neste mesmo Estado.”

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!