Há uns quarenta anos, pressionado por dificuldades financeiras atinentes àqueles advogados que não tinham tradição de família, renda pessoal advinda de bom casamento ou herança adequada, certo recém-formado sonhou com a implantação de escritório montado no último andar de prédio de luxo. Sobre a cobertura, ainda imerso na fantasia dos devaneios, o noviço viu um luminoso. Tratava-se de um círculo formado por lâmpadas fluorescentes. Dentro, piscando a intervalos exatos, havia quatro propagandas: Desquites, Inventários, Falências, Concordatas. No centro, a efígie de um felino portentoso, a bocarra aberta, parecendo rugir como o “leão da Metro”. Abaixo da fera, a expressão convidativa: “Ao Leão Forense”.
Vem isso a propósito do “ranking” marcando as posições de grandes escritórios de advocacia da América Latina, um deles com mais de trezentos profissionais. Alguns daqueles escritórios, segundo o noticiário, teriam ligação com instituições estrangeiras. É boa e é ruim tal divulgação. O aspecto positivo diz com a capacidade de advogados brasileiros se reunirem em grandes empresas. O aspecto negativo se relaciona à divulgação de tal fato feita por instituto cuja respeitabilidade é pouco conhecida.
De outra parte, o estatuto da advocacia proíbe a captação de clientela, mantendo-se o advogado, nas circunstâncias, com atrativos resultantes da divulgação espontânea de sua capacidade profissional, quer pelo êxito no enfrentamento das causas, quer pela atenção que presta a um ou outro cliente. Nessa medida, o “ranking” divulgado no “Consultor Jurídico” gera resistência de alguns e relutância de outros, os primeiros porque criticam eventual conduta antiética dos beneficiados, os últimos por se colocarem num composto de timidez que lhes impede a concorrência.
O acidente publicitário visado gera raciocínios curiosos. Realmente, aquele profissional desprovido de meios de se fazer conhecido fica imerso em santa ira. Paralelamente, há aqueles que se regem por estrita obediência à legislação vigente, censurando, então, hipotéticos infratores. O fenômeno consistente na artificial divulgação de qualidades profissionais já é velho na medicina.
Há, na arte médica, setores muito visados pela “mídia contratada”. A cirurgia estética, por exemplo, se esmera, com severo combate dos Conselhos de Medicina, na demonstração da habilidade com que o profissional faz a tessitura de mamas ou narizes, pontificando, ao lado, imagens das beneficiadas. Vêem-se os médicos, nas circunstâncias, sob competição desabrida insuflada por empresariado leigo, pois as grandes empresas hospitalares dificilmente têm padrões estritamente científicos.
A advocacia obedece, no Brasil, a uma certa dose de pudor, mas há venenosa insuflação dos mesmos elementos que suportam profissões outras. Nesse sentido, o Estatuto da Advocacia precisa ser protegido com imensa dose de vigilância, impedindo-se,então, extravagâncias inaceitáveis. É certo que nos Estados Unidos da América do Norte a propaganda dos méritos de advogados, agindo estes individual ou coletivamente, é liberada. Daí, com certeza, advém o espírito imitativo dos brasileiros. A OAB, na contingência, tem restado numa posição muito discreta.
Já existem escritórios de advocacia às dezenas misturados com empresas de contabilidade, administração e corretagem de imóveis e compostos pouco homogêneos. A divulgação da lista de grandes escritórios não seria, quiçá, boa propaganda para os mesmos, porque o advogado exerce, tradicionalmente, atividade quase artesanal, com relevo para as defesas criminais. No meio disso tudo, resta a preocupação sobre o número excessivo de advogados dentro de uma empresa ligada à defesa dos direitos de terceiros, envolvendo-se, nisso, a infiltração possível de capitais estrangeiros.
Já se tem falado na possibilidade de manutenção, nesses escritórios, de consultores versados na legislação européia, com predominância da Alemanha, França e Itália, não se mencionando, por óbvio, os americanos do norte. Consta que a Ordem dos Advogados do Brasil tem examinado tal consultoria sem grande antipatia, não se examinando, porque não incluída no contexto, a atividade daqueles profissionais vindos de países que admitem a reciprocidade.
O assunto precisa ser tratado com muito cuidado, na medida em que potentes instituições estrangeiras, interessadas na apropriação de lucros enquanto entrelaçados em problemas além-fronteiras, podem entusiasmar-se, tornando-se sócias ocultas dos nacionais e injetando capital adequado à manutenção de caríssimas estruturas.
Comentários de leitores
3 comentários
Rodrigo Cipriano dos Santos Risolia (Estudante de Direito - Tributária)
Não acredito que apenas os grandes escritórios de advocacia façam propaganda. Nas ruas movimentadas das grandes cidades, é comum ver panfleteiros fazendo propaganda de advogados que patrocinam as causas de massa, como execução de ação civil pública (poupança e compulsório - Paraná), FGTS, benefícios do INSS, Ação revisional de contrato bancário, entre outros. A OAB faz vista grossa para este tipo de caso. Mês passado saiu uma reportagem na revista EXAME, sobre os métodos de marketing dos escritórios de advocacia. Lá relatava que o Tozzini organizou um campeonato de golfe, e gastou cerca de R$ 150.000,00. Acredito que seja importante regulamentar o que é captação de clientes, de acordo com os moldes da sociedade atual, e não na de dez anos atrás (Estatuto da OAB). Questões como Sites de escritórios, envio de boletins informativos por e-mail devem ser normatizadas. Assim como os eventos organizados pelos escritórios, como Campeonatos de Golfe, palestras, etc. Determinar subjetivamente que panfletagem é captação de clientes é fácil, pois isso é um caso extremo. O difífil é determinar até que ponto pode ser permitido um evento organizado pelo escritório.
Flávio Viana barbosa (Advogado Autônomo - Trabalhista)
Concordo com a resistencia do Dr. Paulo Sérgio, devido a dualidade da OAB, que não permite a nós, pobres mortais da advocacia, o uso de qualquer meio de propaganda ou marketing, mas fecha os olhos a ranking's como esse, sem falar da propaganda velada que esses grandes escritórios fazem em suas entrevistas na TV e colunas em jornais de grande circulação nacional. Só a hipocrisia faz com que não se note que tais escritórios não passam de filiais dos escritórios americanos e europeus, com as contas de multinacionais e empresas de grande porte, contrarias a tudo o que prega o Código de Ética e Estatuto da Advocacia. Que se pense, sim, em mudar regras vestugas e emboloradas, cuja serventia atual limita-se a excluir do mercado de trabalho jovens advogados talentosos e com potencial! Que a OAB e demais associações de classe passem a pensar e agir em prol dos jovens advogados, reservando-lhes condições para uma justa remuneração e espaço no mercado para os bons profissionais, ao invés de nublar a vista acerca da eminente invação dos grandes escritórios de advocacia multinacionais no Brasil. Não subjugem a nova geração de juristas do Brasil apenas pelos maus resultados nos exames da Ordem e concursos públicos, pois mesmo os brilhantes e instrumentalizados buscam lugar ao sol no concorrido e hermetico mercado de trabalho. Pelo exposto, acho válida a tentativa de defesa dos advogados que não pertencem aos grandes escritórios pan-nacionais intentada pele Dr. Paulo e endosso o grito do Sr. Armando, no sentido de rever as normas eticas e, principalmente, faze-las cumprir, igualmente, por todos, grandes e pequenos.
Joaquim (Outros)
A idéia de que o advogado faz um trabalho artesanal é antiga e ultrapassada, e é este o fundamento que ainda sustenta o Código de Ética!. A sociedade atual é a da produção em massa, DOS LITIGANTES HABITUAIS, dizem os processualistas. As grandes empresas sofrem o mesmo tipo de processo, de consumidores, trabalhadores, etc. Os advogados especializados, por sua vez, se utilizam de modelos, desde a petição inicial até aos recursos excepcionais. Até parece que o advogado especialista em contratos bancários, SFH, cartão de crédito, etc, redija uma a uma, cada peça. Tem tudo pornto, com o auxílio da informática e outros materiais. O Presidente do STJ disse que o Judicário é jurássico, mas a corporação dos advogados parece querer nos manter na mesma era! São os cartolas da advocacia.
Comentários encerrados em 28/07/2004.
A seção de comentários de cada texto é encerrada 7 dias após a data da sua publicação.