Justiça e segurança

Reforma do CPP vai tornar júri mais célere, diz Thomaz Bastos.

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19 de julho de 2004, 12h12

A reforma do Código de Processo Penal, que tramita no Congresso, deve tornar o júri mais rápido e impedir que se realize quase automaticamente um novo julgamento quando a condenação é igual ou superior a 20 anos. Pelo novo processo, o julgamento será feito nos padrões anglo-saxônicos, em que toda a prova é feita diante dos jurados.

Esse é um dos pontos abordados pelo ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, em entrevista concedida ao Jornal do Brasil, publicada neste domingo (18/7).

O ministro levanta também sua já conhecida bandeira em favor da aplicação de penas alternativas para crimes de menor potencial ofensivo. Mas, em contrapartida, defende a cadeia como único remédio para a corrupção e os crimes financeiros.

Thomaz Bastos fala ainda do projeto que acaba com o processo de execução judicial e sobre alguns dos pontos aprovados da reforma do Judiciário. E se mostra confiante na campanha do desarmamento.

Leia a entrevista concedida aos jornalistas — Hugo Marques e Luiz Orlando Carneiro:

Por que o senhor considera a instituição do Conselho Nacional de Justiça o ponto mais relevante da reforma do Judiciário?

É a oportunidade de a cidadania ter um instrumento de reforma do Judiciário. Já disse que não se trata do ponto de chegada, mas do ponto de partida. Temos muitas justiças no Brasil – trabalhista, penal, civil, federal, estadual, os tribunais de segunda instância e os superiores. Essas justiças trabalham isoladas, sem articulação, sem parcerias, sem um órgão que as coordene. Esse órgão é o CNJ, na minha opinião. A criação e o futuro trabalho deste conselho – de planejamentos estratégico e financeiro, além da fiscalização do cumprimento dos deveres constitucionais dos juízes – são fundamentais para que tenhamos o Judiciário com que sonhamos.

Que medidas o Ministério da Justiça vai anunciar nos próximos meses para melhorar o acesso da população ao Judiciário?

Estamos trabalhando bastante na reforma das leis comuns. O projeto de simplificação da liquidação judicial foi aprovado pela Câmara, em caráter terminativo, na Comissão de Constituição e Justiça. Um economista disse, há dias, que o tamanho do ”custo Brasil” deve-se em grande parte à lentidão da Justiça, sobretudo nessa área da execução. Os bancos sabem que, para executar um devedor, vão levar cinco, seis, até 10 meses. Então, o que fazem? Não ficam com esse custo. Repassam para os consumidores, através de juros altos. Assim, a simplificação do processo de execução judicial é um grande passo em termos de celeridade da Justiça.

A sentença e sua execução passam a ser um único processo?

Exatamente. Em vez da atual divisão entre os processos de conhecimento e de execução, passa a haver um único processo.

Há outros projetos prontos para acelerar a tramitação de ações?

Temos outro sobre liquidação extrajudicial das obrigações extrajudiciais praticamente pronto. É um projeto ambicioso de simplificação do sistema de recursos, a fim de que – sempre preservado o direito de defesa – não haja essas infinitas possibilidades de alongar o processo até o desânimo da parte.

Esse projeto elimina recursos protelatórios?

Elimina alguns agravos, mas o básico é que acaba com certos abusos, e cria sanções mais severas para a chamada litigância de má-fé. A meu ver, será um grande avanço na simplificação, na rapidez processual, extinguindo esse gargalo que impede a conclusão das causas. Outro projeto em fase final de confecção é o que institui a mediação obrigatória no processo civil. Ou seja, antes de começar o processo civil, deve haver esforço de conciliação.

Já foi aprovado, na Câmara, um projeto de reforma do Código de Processo Penal relativo ao júri.

Esse projeto foi muito importante. O júri retorna às suas origens. Hoje, o júri é um procedimento bifásico – uma fase de conhecimento e outra de julgamento, uma fase de instrução e uma fase de causa. A primeira fase é o sumário e a segunda é a causa. O que ocorre é que as práticas e a má rotina do Judiciário acabaram por tornar infinita essa primeira parte, que deveria ser curta e oral. A idéia é fazer um sumário de culpa, chegar à sentença de pronúncia, e aí fazer o julgamento da causa no júri – aquele julgamento nos padrões anglo-saxônicos. Ou seja, toda a prova é feita diante dos jurados, assim como acontece com a audiência das testemunhas.

E a questão do recurso automático quando a condenação, no júri, é igual ou superior a 20 anos?

Já foi aprovado o projeto que acaba com esse ”protesto por novo júri”. Quando a pena era de 20 ou mais anos, a pessoa não precisava recorrer, bastava protestar por um novo júri, que era marcado automaticamente. Era um desperdício.

O senhor já afirmou que se o sistema penitenciário fosse atender aos novos presos teriam de ser construídos sete presídios por mês. Sabemos que o país não tem dinheiro para isso e as penas alternativas só se aplicam em 9% dos casos. O que vai acontecer com o sistema penitenciário?

É preciso tomar uma série de providências, na entrada, na saída e durante o cumprimento da pena. Apresentamos um projeto no começo do ano que aboliu o exame criminológico para facilitar a progressão da pena e a saída do preso. As estatísticas do ano passado mostravam que havia relutância entre os juízes da execução. Agora, este ano, surpreendentemente – só tenho as estatísticas de São Paulo – está havendo aumento de saída de presos, em relação ao ano passado, de mais ou menos 3 mil. Isso porque acabou o exame criminológico que, na prática, virou um sistema absolutamente burocrático e formal, com filas intermináveis. E os exames não traziam dados objetivos de aferição. Com a abolição do exame, a progressão se faz pelos dados objetivos anotados no prontuário do preso. Ficou muito mais fácil e está começando a funcionar. As penas alternativas, que já existem na legislação, precisam ser mais aplicadas, de modo que a cadeia seja reservada para aqueles que precisam realmente ir para lá – os fisicamente perigosos e os chefes de quadrilha. Nesse mesmo projeto que eliminou o exame criminológico, estabeleceu-se o regime disciplinar diferenciado – regime mais duro, mais difícil, que impõe mais sofrimento ao condenado, mas também impõe seu isolamento, a fim de que ele perca as relações e os contatos com a quadrilha que deixou lá fora.

Muitos penalistas acham que só devem ficar isolados os condenados realmente violentos, que ameaçam a sociedade. Tendo em vista a atual população carcerária, se isso fosse posto em prática, qual seria a diminuição do percentual de presos?

Acredito que vamos diminuir a população carcerária com as penas alternativas, com o trabalho de aceleração da saída dos presos e com o fim do exame criminológico. Não tenho um percentual, mas acho que vamos baixar muito essa população. Estamos tabulando um diagnóstico sobre o sistema penitenciário. Neste estudo, fica claro que grande parte das pessoas que está na cadeia não precisa estar lá.

Por volta de 40%?

Acho que é por aí. Não se pode admitir que um sujeito que não cometeu crime grave vá para a cadeia só para se degradar, se corromper, para ser recrutado pelo crime organizado. Dificilmente alguém sai da cadeia melhor do que entrou. Por outro lado, a cadeia é o único instrumento de intimidação geral. Na luta contra a corrupção, contra o crime financeiro, por exemplo, o único instrumento de intimidação geral é a cadeia, infelizmente.

O Estatuto do Desarmamento vai realmente pegar?

Estamos preparando uma grande campanha de desarmamento. É uma campanha centralizada no poder federal, mas estimulando a participação da sociedade civil, Estados e municípios. Até o fim do ano, acredito que vamos ter resultados muito importantes. Esta talvez seja uma das coisas mais sérias que já se fez em matéria de desarmamento no mundo. Aliás, esta não é uma campanha isolada, mas uma série de campanhas de entrega de armas. A meu ver, este processo vai se refletir na diminuição dos homicídios.

Há críticas sobre este sistema de compra de armas pelo governo. O governo só pagaria (de R$ 100 a R$ 300) pelas armas e muita gente teme entregar armas ilegais.

Vamos pagar sem perguntar. O sujeito vai trazer a arma, vamos receber a arma, ele vai receber um papel e, depois, um depósito em conta. Não vamos perguntar nada. Não vamos querer saber o que ele fazia com a arma. O Estatuto é isso, trata-se de um estatuto para desarmar. Não é um estatuto para investigar. A polícia vai investigar os bandidos, os delinqüentes num outro ensejo.

Em termos de segurança pública, o que há de novo para os Estados?

Temos um trabalho grande de pesquisa, de avaliação, de preparação. Quanto mais se aumenta a eficiência da polícia, mais você enfrenta a falta de vagas nos presídios. Quanto mais a polícia prende, menos vagas você tem. O problema de vagas é sério, e não se resolve com uma medida só. Se construíssemos 10 penitenciárias por mês – o que é manifestamente impossível – não teríamos gente para trabalhar nos presídios. O que resolve é uma combinação de muitas medidas. Não há um tiro de canhão a ser disparado. Trata-se de várias medidas, entre as quais a Força Nacional, já aprovada pelo presidente Lula. Até o fim deste ano, teremos 1.500 homens trabalhando na Força Nacional de Segurança Pública, que é um mecanismo engenhoso, inteligente – uma outra instância entre as forças de segurança normais e as Forças Armadas.

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